Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A balcanização da internet

A internet corre o risco de se fragmentar. E o programa americano de espionagem digital, revelado por Edward Snowden, é o grande culpado disso. Ele tem levado governos do mundo todo a tomar medidas que criam barreiras e aumentam os controles locais sobre a rede mundial. Um exemplo disso é a exigência, incluída pelo governo brasileiro no projeto do Marco Civil da Internet, de empresas estrangeiras instalarem seus servidores por aqui.

Na semana passada, Steven Levy – autor, entre outros livros, de Google: a Biografia – publicou no site da revista Wired uma extensa reportagem sobre o impacto das revelações de Snowden nas empresas americanas de tecnologia, intitulada “Como a NSA quase matou a internet” (NSA é a sigla em inglês de Agência de Segurança Nacional, para quem Snowden prestava serviços).

O Brasil é citado na reportagem como um dos protagonistas desse movimento de fragmentação da internet. “Depois de descobrir que a NSA a estava grampeando, a presidente brasileira Dilma Rousseff começou a promover uma lei que exige que os dados pessoais dos brasileiros sejam armazenados dentro do País”, escreveu Levy. “A Malásia promulgou uma lei similar, e a Índia também busca o protecionismo dos dados.” Até a Alemanha estuda uma medida parecida.

A grande questão é que esse tipo de medida não garante que os dados ficarão imunes à espionagem de outros países, já que eles podem ser acessados em outras partes do mundo. Além disso, é uma medida que amplia custos, podendo aumentar preços ao consumidor, no caso de serviços pagos, e criar barreiras à entrada de empresas iniciantes de internet sediadas em outros países.

Privacidade e censura

David Karp, fundador do Tumblr, falou com Levy sobre isso, citando especificamente o Brasil: “É uma proposta incrivelmente cara para o Tumblr, mas é impossível para a empresa jovem aspirante que quer construir algo para ser usado por todos em todo o mundo.”

O principal exemplo de país que separou a internet local do restante do mundo é a China. Por lá, além de espionar o tráfego da rede, o governo filtra conteúdos, num esquema que costuma ser chamado de “grande firewall da China”, num trocadilho com a Grande Muralha (firewall é um dispositivo ou software que controla as informações que entram e saem da rede).

Acontece que os EUA, ao coletar informações em pontos de grande concentração de tráfego de internet, usaram métodos muito parecidos com os chineses, apesar de não terem, até onde se sabe, bloqueado informações.

Segundo Levy, antes de Snowden, as empresas americanas podiam argumentar que medidas como as que estão sendo discutidas no Brasil levariam a perda de privacidade e censura. Agora já não podem mais, pois os EUA são o país que espiona o restante do mundo.

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Renato Cruz é colunista do Estado de S.Paulo