Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Interesses

Na semana passada [retrasada], Ronaldo Lemos, colega de apresentação do programa “Navegador”, publicou no Facebook link para a sua coluna da “Folha de S.Paulo”. O texto começava assim: “O Google soltou sua já ‘tradicional’ lista de termos mais buscados durante o ano. Na lista das celebridades, o primeiro lugar ficou com o MC Daleste, que venceu Anitta e Nanda Costa. Daleste foi também o quinto termo mais pesquisado em toda a rede brasileira no ranking geral”. O primeiro comentário dos habitantes do país de Zuckerberg era sucinto. Apenas um “viixi”. O segundo dava voz a ceticismo que circulou pela internet duvidando dos resultados do Google: “Como confiar num ranking que não tem Snowden ou NSA e tem BBom?” Também fiquei intrigado.

Cristina De Luca, a quem sigo fielmente desde que fazia dupla dinâmica feminina pioneira com Cora Rónai no caderno “Info etc.” deste jornal, resumiu dúvidas gerais em seu blog: “Estariam os gigantes da rede agindo como o Ministério da Verdade, criado por George Orwell no livro ‘1984’? Lembram? Era o setor responsável por alterar informações já publicadas em jornais antigos e divulgá-las novamente de acordo com a conveniência do sistema”. Ela sugere respostas, fugindo da paranoia: “Ô De Luca, isso é pura teoria da conspiração, dirão muitos. A unanimidade é burra e a internet está repleta de faits divers, celebridades etc. A mídia não influencia em nada as redes sociais e já perdeu relevância para os buscadores, dirão outros. Pode ser… Não tenho as respostas para as minhas inquietações e acho que jamais as terei.”

Minha própria experiência nesta coluna pode sugerir pistas singelas para nosso aprofundamento neste mistério sem solução. Meu texto sobre Snowden da semana passada teve apenas uma “curtida” no Facebook. Meu texto sobre Daleste teve 3.900. Mesmo entre os leitores de jornal parece que há nítida diferença de interesses. Porém, Cristina De Luca toca em ponto para mim o mais sensível: a perda de influência da “mídia tradicional” diante das “novas mídias”. Parecem mundos sem contato entre si. Falo isso desde o texto de divulgação do “Central da Periferia”, que agora está sendo reprisado no Viva e merece ser visto como documento de época, que a academia não registrou devidamente. Aquela produção musical, que deu no funk paulistano do Daleste, não precisou de jornal/rádio/gravadora/TV etc. para se tornar popularíssima. O fosso entre os dois mundos torna-se cada vez mais intransponível?

Ligação formal

Alex Bellos, um dos poucos colegas (gosto desse termo usado pelo pessoal do funk para se referir aos seus melhores amigos) jornalistas que anotam minhas sugestões de pauta (e que lançará em breve nova edição de seu livro sobre o futebol brasileiro), foi quem me deu a dica: leia Charlie Brooker. Nunca tinha ouvido falar nesse nome, mas assinei imediatamente o RSS de sua coluna no “The Guardian”. Descobri que é celebridade multimídia britânica. E tem um dos textos mais devastadores do planeta. Faço toda essa introdução apenas para citar trecho de sua coluna de final de ano: “Apesar de todos os esforços deste jornal para fazer as pessoas se importarem com as revelações de Edward Snowden sobre a bisbilhotice da NSA, a resposta típica foi algo como um inexpressivo ‘bá, típico’”.

(Tenho que abrir este longo parêntese para ousar traduzir outro trecho desta coluna de Brooker, descrevendo dança de Miley Cyrus que atraiu bem mais atenção que Snowden: “Ela também estirou muito a língua — e a estirou violentamente, como uma girafa atacando um galho especialmente verdejante. Na verdade não — mais violento do que isso. Ela a estirava como se o seu rosto estivesse tentando atirá-la contra um muro no lado oposto da cidade”.)

Meu esforço, em várias edições desta coluna, aproveitando o caso Snowden para debater questões importantes do nosso futuro cibernético, parece que também foi em vão. Se o “The Guardian” não conseguiu, por que eu teria mais sucesso? Mas para ser justo: além da curtida anônima no Facebook, um leitor, Francisco Pereira, mandou a seguinte mensagem para o e-mail da redação do Segundo Caderno: “Muito interessante, mas creio que Hermano cometeu um engano. Fui consultar o artigo na ‘New York Review of Books’; o número 850.000 se refere aos leitores do ‘Guardian’ e não aos funcionários da NSA, que segundo ‘Der Spiegel’ são 40.000”. Infelizmente não, Francisco: o jornal tem cerca de 180 mil assinantes ou 8,4 milhões de visitas mensais no seu site. Alan Rusbridger repetiu o número (850.000) em várias ocasiões, inclusive em depoimento no Parlamento britânico. Se não forem funcionários ou gente com alguma ligação formal com a NSA, quem seriam? Mas acho que ninguém se importa com isso.

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Hermano Vianna é colunista do Globo