Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A mídia na era pós-internet

Claudio Júlio Tognolli é jornalista, professor universitário e pesquisador, com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação, pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Trabalhou como repórter em jornais e revistas, com atuação no jornalismo investigativo. É autor de diversos livros, dentre os quais a biografia do cantor Lobão, em parceria com o músico.

Abaixo você confere a entrevista com Claudio para a edição 82 da Revista SescTV.

Afigura do telespectador/ouvinte/leitor-repórter

Como a internet mudou a comunicação da chamada mídia tradicional?

Claudio Júlio Tognolli– Muitas pessoas têm falado que o jornalismo está em crise, mas não é verdade. O pesquisador Rosental Calmon Alves, em julho de 2005, afirmou que vivemos a era do eucentrismo, o que ele chamou de I-centric Journalism. O que isto significa? Que as pessoas estão deixando de ter na grande mídia a porta-voz da narrativa do mundo porque elas próprias estão assumindo essa narrativa. Elas têm acesso à informação e à tecnologia para exercer esse papel. E não ocorre apenas na mídia. Você vai a uma exposição de arte, como as Bienais, e interage com as obras. Um DJ, por exemplo, não compõe músicas, mas agencia novas formas, sem precisar ser formado em música para isso. O público é convidado a editar a arte, a música e o jornalismo. O mundo eucêntrico é aquele em que cada um escolhe, edita e compartilha seu próprio conteúdo.

Você acredita que os processos de comunicação hoje estão mais democráticos?

C.J.T.– Sim. Saímos da era da mídia de massas para a era de massa de mídias. Hoje, as pessoas são protagonistas do mundo. Mas há uma diferença entre elas e os jornalistas, porque elas não vão em busca da informação, mas editam e compartilham o que está acessível a elas. Divido este processo de mudança do comportamento da mídia tradicional em relação ao seu público em três etapas: num primeiro momento, ocorrido há uns oito anos, os veículos tradicionais, ao disponibilizarem seu conteúdo na internet, disseram ao público: “Venham editar a nossa página”; era o recurso chamado RSS, real simple syndication; no segundo momento, a mídia convidou: “Por favor, curtam, comentem e compartilhem”, disponibilizando links para as redes sociais; agora, eles dizem para seu público: “Venham fazer”. E daí surge o jornalismo colaborativo, a figura do telespectador/ouvinte/leitor-repórter. São maneiras de abrir espaço para a participação do público no processo comunicativo.

Participação do espectador sempre será secundária

Certa ocasião, você afirmou que “estamos vivendo uma revolução maior do que a francesa”, porque o público está assumindo a narrativa. Estamos passando, de fato, por uma fase de empoderamento do processo de comunicação?

C.J.T.– Estamos porque democratizamos a narrativa sobre o mundo. O leitor/espectador é convidado a ser agente ativo. Por outro lado, temos visto crescer a interferência de grupos com interesses específicos nesse processo participativo aparentemente democrático, que introduzem, de forma maquiada, demandas particulares, criando uma cauda longa ao pé da matéria que gera uma falsa opinião pública. A ética, a transparência e a imparcialidade que sempre foram exigidas do jornalista precisam agora ser cobradas também do público que faz uso dessas ferramentas. Todos devem assumir essa mesma responsabilidade. Se a Revolução Francesa decapitou o rei, a revolução da internet está provocando novas formas de diálogo entre os grandes barões da mídia e seu espectador.

A chegada da tecnologia digital na televisão sempre esteve associada à intensificação da interatividade com o telespectador, mas isso ainda não se tornou uma realidade efetivamente. Estamos distantes dessa realidade?

C.J.T.– A primeira mudança que tenho percebido é a presença da figura do repórter-cidadão nos telejornais. Pessoas comuns interferindo na pauta, enviando imagens, denúncias, reclamações que são aproveitadas pelas emissoras. Também há um processo mais participativo na colaboração do telespectador em matérias do tipo: “Vamos montar um mapa de carros abandonados na cidade”. Mas acredito que as TVs nunca vão querer abrir mão de seu monopólio da imagem. Os canais acabam criando outras plataformas de mídia para realizar essa interação, como convidar o telespectador a visitar o site para participar de um chat ao final do programa. Então, acredito que esta participação do espectador sempre estará num campo secundário.

Aglobalização intensificou os interesses locais

A internet e a comunicação em rede mudaram o comportamento do telespectador?

C.J.T.– Mudaram porque as pessoas não querem mais ser editadas, querem editar. Elas assistem à TV como, onde e, principalmente, quando querem. Parte dessa mudança de comportamento se deve ao recurso de gravar a programação; um pai pode assistir a um programa infantil, com seu filho, às onze e meia da noite. É o mundo eucêntrico: eu faço como e quando quero.

Hoje, o conteúdo televisivo está se desconectando do monitor de TV, isto é, o telespectador pode assistir à programação no celular, no tablet e no computador. Que tipo de mudanças isto pode trazer?

C.J.T.– Já temos visto uma mudança de comportamento gerada pela necessidade de estar conectado. Estamos numa era em que não importa o que se fala ou o que se consome, mas se você está conectado. Isso gera angústias. O agora virou o ápice do tempo: não importa mais planejar o futuro ou relembrar o passado, apenas viver o momento presente. Friedrich Nietzsche já falava sobre essa angústia do agora. Vejo pessoas que recebem salário mínimo, mas têm três celulares. O que vale é estar conectado, em tempo real. No campo da televisão, a única saída é trocar a pauta linear pela circular, permitindo que as pessoas tenham mais controle sobre quando querem assistir seus programas.

O Brasil registra quase 18 milhões de assinantes de TV paga, mas pesquisas apontam a prevalência maior de audiência nos canais abertos, mesmo entre os assinantes. Por que isso ocorre?

C.J.T.– Acredito que isto acontece porque, no fundo, as pessoas estão mais interessadas em sua realidade local. Na TV paga, ainda é predominante uma programação importada, carregada de um código de comportamento distante do cotidiano do telespectador. Ao contrário do que se acreditava, a globalização não universalizou interesses generalizados, mas intensificou os interesses locais. Não apenas na TV, mas na mídia de uma forma geral, como no jornalismo de bairro, por exemplo. Também vejo a segmentação como uma saída; se as pessoas querem editar o mundo, elas irão atrás dos assuntos específicos que interessam a elas.