Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Com o Big Data, a economia mais próxima do tempo real

Caso você veja alguém fotografando a prateleira do supermercado com o celular, talvez não se trate de um viciado em Instagram, mas de uma experiência de vanguarda em pesquisa econômica. Todos os meses, seis agentes da start-up californiana Premise usam um aplicativo de Android para clicar até 18 mil produtos, sobretudo alimentos e bebidas, em gôndolas da região metropolitana do Rio. As jornadas são diárias e cobrem do mercadinho da esquina ao Walmart. Elas se repetem em São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador e em outros seis países, movimentando mil profissionais.

Na imagem, os itens são sempre enquadrados ao lado das etiquetas de preço. O valor é o que mais importa, e ele é também digitado no app, com o tipo e a marca do produto. As informações coletadas pelos agentes complementam a tarefa de softwares que percorrem, sem parar, 30 mil sites de comércio eletrônico ao redor do mundo em busca de preços em várias categorias. Agregando os dados dessas duas fontes, a Premise tira do forno seu principal produto, um índice global de inflação em tempo real – uma alternativa aos dados oficiais, que costumam ser divulgados com periodicidade mensal ou quinzenal.

A Premise é apenas um exemplo de como a enxurrada de dados que trafegam na rede, o chamado Big Data, está transformando radicalmente a forma como empresas e governos tentam “ler” a economia para tomar decisões. Mas enquanto atende à demanda crescente por informações mais ágeis que as estatísticas oficiais, o fenômeno ainda recai em áreas cinzas no que diz respeito a confiabilidade das informações, direitos autorais e privacidade.

Apesar dos obstáculos, organizações de peso apostam nisso. Fundada há apenas um ano e meio, a Premise já recebeu investimento da Google Ventures e fornece seus índices aos terminais eletrônicos da firma de informações financeiras Bloomberg, contou Matt Garlick, responsável pelas operações na América Latina.

O modelo perseguido pela Premise tem como precursora a PriceStat, empresa criada por economistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que vinham trabalhando no Billion Prices Project (BPP). Esse projeto nasceu em 2007, a partir da tese de doutorado em Harvard do argentino Alberto Cavallo.

Vantagens e desvantagens

Ele buscava nos preços do e-commerce uma forma alternativa de calcular a inflação de seu país natal, cuja taxa oficial é alvo de desconfianças. A pesquisa cresceu até abranger 50 países, transformando-se no BPP. Em 2010, resultou na PriceStat, que comercializa a iniciativa acadêmica do MIT por meio da firma de serviços financeiros State Street.

Roberto Rigobon, que fundou a PriceStats com Cavallo, explicou que calcular a inflação por meio do comércio on-line oferece inúmeras vantagens sobre o método tradicional. Como o trabalho é feito por softwares e não por pessoas, a coleta de preços é incrivelmente mais ágil, abrangente e barata.

Mas há várias desvantagens, admite Rigobon. A mais óbvia é a representatividade dos dados: em muitos países, o e-commerce é restrito demais para que seus preços reflitam a tendência inflacionária da economia. Mesmo que índices econômicos do Big Data se provem legítimos, analistas dizem que jamais substituirão estatísticas oficiais.

– Os dados oficiais não são ignorados, mas usados com os números do setor privado – disse Kenneth Cukier, editor de dados da “Economist” e coautor de dois livros sobre Big Data.

Método atrai governos, e IBGE estuda adoção

Os órgãos oficiais não ignoram a tecnologia do BigData, que aos poucos vai se tornando uma tendência, como no caso da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo um de seus economistas, Christian Reimsbach-Kounatze, a OCDE experimenta identificar flutuações no mercado imobiliário mediante sites de compra, venda e aluguel de imóveis. A base de dados usada hoje é francesa, mas o plano é expandir para Espanha e Japão.

No Brasil, o IBGE ainda não realizou experiências parecidas, mas estuda a possibilidade, informou David Wu Tai, coordenador do Centro de Documentação e Disseminação de Informações do órgão:

– Todos os institutos de estatística discutem essas novas metodologias. É o futuro. A tendência é que isso acabe levando à diminuição da latência da divulgação de informações oficiais.

Reimsbach-Kounatze disse que índices criados a partir de Big Data serão fontes importantíssimas de informações e, em muitos casos, a única: em lugares onde estatísticas oficiais não existem ou são precárias. Ele afirma, porém, que o uso de Big Data para fins de pesquisa econômica requer um debate maior sobre a questão da privacidade, argumentou o alemão:

– Órgãos oficiais de estatística sempre tiveram direito legal de coletar dados dos cidadãos, o que sempre implicou no dever de proteção desses dados. A diferença agora é que hoje é possível extrair informações do cidadão sem ele estar ciente. Por isso a questão requer mais discussão.

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Rennan Setti, do Globo