Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A euforia do Vale do Silício sob suspeita

Este ano, o Facebook comprou o aplicativo de mensagens para aparelhos móveis WhatsApp por US$ 19 bilhões, ou cerca de US$ 350 milhões por empregado e US$ 40 por usuário, alguns dos quais apenas pagarão a taxa anual de US$ 1 para usar a plataforma que não aceita publicidade.

Mas o que talvez tenha sido mais notável na aquisição do WhatsApp pelo Facebook foi, antes de tudo, que a empresa iniciante não estava fazendo dinheiro. Nos últimos anos, o Facebook gastou somas de 10 dígitos com o Instagram e a fabricante de artefatos de realidade virtual Oculos VR, ambos com pouca ou nenhuma receita.

Esses números parecem borbulhar como uma taça de champanhe, um sinal seguro de que as valorizações do Vale do Silício foram muito além do que os balanços das empresas locais podem suportar. Uma recente queda nos preços das ações de tecnologia talvez seja um indício desta incerteza.

Há centenas de outros exemplos de grandes empresas gastando somas absurdas em aquisições, empresas abrindo o capital com valorizações vultosas e companhias de capital de risco colocando dinheiro em startups. Por outro lado, o restante do país continua capengando, com desemprego alto, salários estagnados, aperto do crédito. O Vale do Silício, porém, parece uma farra no meio da espuma.

Ocorre que uma coisa pode ter mais a ver com a outra do se imagina. O Federal Reserve (Fed, banco central americano) está mantendo as taxas de juros muito, muito baixas. Ele as tem mantido muito, muito baixas, por longo, longo tempo. A ideia é instigar investidores a gastarem agora – mas a economia está tão fraca que poucos sabem como fazer isso.

Um relatório da Standard and Poor’s divulgado este mês revela que 1,7 mil grandes empresas não financeiras estavam retendo cerca de US$ 1,53 trilhão em dinheiro e títulos de curto prazo no fim de 2013. Isso é liquidez suficiente para comprar Google, Apple, General Electric, McDonald’s, General Motors e Walmart, com alguns bilhões de sobra.

Fundos de pensão, fundações, indivíduos muito ricos e outros investidores estão tentando imaginar como aplicar todo seu dinheiro – e junto com alguns mercados emergentes, Palo Alto parece terrivelmente atraente. Afinal, alguns milhões em financiamento semente podem render bilhões numa aquisição em poucos anos.

“As valorizações estão em níveis extremos porque não se pode obter um retorno decente para nosso dinheiro fazendo qualquer outra coisa”, escreveu Fred Wilson da Union Square Ventures em seu blog. “Tem sido um bom momento para estar no negócio de capital de risco e startups, e acredito que continuará assim enquanto a economia global estiver fraca e as taxas de juros baixas.”

Banho de realidade

Mas o que ocorrerá se, e quando, os padrões normais da economia se reafirmarem? O que ocorrerá quando o dinheiro fácil ficar um pouco mais difícil de se obter, e as firmas precisarem subitamente que as empresas em que investem deem lucro?

Se for uma bolha, uma coisa que a distingue é a relativa ausência de pessoas físicas como investidores. Agora, pouco tempo depois da crise de 2008, há uma memória fresca de como e, com que rapidez, as coisas podem dar errado. Prova dessa cautela é o fato de que 10 das 19 empresas de tecnologia que abriram seu capital nos EUA este ano estão sendo negociadas abaixo de seu preço de oferta, diz Lise Buyer da Class V Group, uma consultoria para empresas que querem abrir o capital. “Não é esse o tipo de desempenho que leva a maioria das pessoas a apostarem o dinheiro da hipoteca na próxima empresa maravilha”, disse ela. “A sanidade prevalece.”

O que dizer daquelas startups que estão levantando montanhas de dinheiro de investidores? A verdade incômoda é que muitos desses investidores podem se dar o luxo de perder tudo. As gigantes de tecnologia – Apple, Facebook e Google, entre muitos outros – estão nadando em dinheiro. Elas podem estar pagando demais por aquisições, mas não há por que pensar que elas prejudicariam seus resultados no longo prazo. O mesmo vale para os indivíduos ricos que estão canalizando dinheiro para empresas jovens por meio empresas de capital de risco e outros veículos.

“Onde está o grosso da propriedade destas companhias?” perguntou Josh Lerner, um professor na Harvard Business School. “Elas estão principalmente nas mãos de um pequeno número de fundos de risco.” Mas o público americano entrou no boom da tecnologia, ao menos um pouco, de maneira mais discreta.

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Annie Lowrey, do New York Times