Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

EUA buscam meio-termo no uso da web

O órgão regulador das comunicações nos Estados Unidos está propondo novas regras para o tráfego da internet, que permitiriam a provedores de banda larga cobrar mais das empresas pelo acesso às suas rotas mais rápidas.

A proposta é a terceira tentativa da Comissão Federal das Comunicações (FCC) de impor a “neutralidade da rede” – o conceito de que todo o tráfego da internet deve ser tratado de maneira igualitária.

Elaborada pelo presidente da FCC, Tom Wheeler, a proposta busca impedir que provedores de banda larga, como Verizon Communications e Time Warner Cable, possam bloquear ou reduzir a velocidade de certos sites acessados pelos usuários. A ideia é que os internautas possam acessar qualquer conteúdo que escolherem, e não o conteúdo escolhido pelo provedor de banda larga.

Mas a proposta também possibilitaria que os provedores dessem tratamento preferencial ao tráfego de algumas empresas de conteúdo, desde que esses acordos estejam disponíveis em termos “comercialmente razoáveis” a todos as empresas interessadas. A FCC avaliaria em cada caso se os termos são comercialmente razoáveis ou não.

Esse plano mais recente pode ser visto como um esforço para encontrar um meio-termo, já que a FCC ficou presa entre sua promessa de manter a internet aberta e o desejo dos provedores de banda larga de explorar novos modelos de negócios em um mercado em rápida transformação. Ainda assim, provavelmente o plano não vai satisfazer a todos. Alguns defensores da internet aberta argumentam que dar tratamento preferencial para alguns provedores de conteúdo resultará, inevitavelmente, em tratamento discriminatório para outros.

“Alguém tem que pagar por isso”

A proposta abriria o caminho para novos produtos de empresas como a Apple, que vem desenvolvendo a ideia de oferecer um serviço de vídeo baseado em uma porção exclusiva da banda larga. Como no caso das regras anteriores da FCC sobre a internet aberta, a proposta não se aplicaria às operadoras de celular, que não são regidas pelas regras de neutralidade da rede.

A proposta será votada na reunião da FCC em 15 de maio. Aprová-la representaria um marco na longa batalha em torno das regras que ditam como as prestadoras de serviços devem tratar tipos diferentes de conteúdo.

No âmbito do consumidor, o plano provavelmente não afetaria de imediato a experiência da internet, mas, no longo prazo, poderia dar origem a novos produtos que usam a banda larga de diversas maneiras para comunicações domésticas e empresariais, mediante uma tarifa adicional.

Se a proposta for adotada, os vencedores seriam as grandes provedoras de banda larga, que poderiam cobrar tanto os usuários como os provedores de conteúdo pelo acesso à rede. Empresas como Google ou Netflix, que oferecem serviços de voz ou de vídeo baseados na banda larga, poderiam aproveitar esses acordos, pagando para garantir que seu tráfego chegue aos consumidores sem interrupções. Essas empresas poderiam pagar por um tratamento preferencial na chamada “última milha” das redes de banda larga, o trecho que faz a ligação com a casa do usuário.

As companhias novatas e outras empresas pequenas que não puderem pagar por um tratamento preferencial devem sair perdendo com a proposta, dizem os defensores da neutralidade, assim como os provedores de conteúdo, que terão que pagar mais para garantir o melhor serviço.

Um alto executivo do setor de internet a cabo diz: “Tenho que admitir, estou satisfeito.” O executivo observou que grandes empresas de internet, como o Google, já pagam a operadoras intermediárias para transmitir seu conteúdo de forma eficiente até a rede das operadoras de cabo. Apenas a última milha, que chega à casa do cliente, tem sido tratada de forma diferente pelos reguladores.

Grandes empresas de tecnologia, incluindo Google, Facebook, Microsoft, Amazon.com, Yahoo e eBay, ou não responderam a pedidos de comentário sobre o assunto ou encaminharam os pedidos à Associação da Internet, grupo que representa empresas do setor. A Associação da Internet não respondeu a pedidos de comentário.

O executivo do setor de cabo diz que os novos modelos de negócios derivados dessas regras podem ajudar as operadoras de cabo a investir melhor nas suas redes de banda larga. “Alguém tem que pagar por isso, e se eles [os reguladores] não deixarem as empresas pagarem por um serviço melhor de transmissão”, o consumidor acabaria arcando com os custos.

Um porta-voz da Verizon, provedora de banda larga que questionou com sucesso as regras originais da FCC sobre internet aberta, disse que a empresa continua “comprometida publicamente a garantir que os clientes possam acessar qualquer conteúdo de internet que quiserem, quando quiserem e como quiserem”.

Barreiras à inovação

No Vale do Silício, a ideia de donos de canais de banda larga dando tratamento diferenciado a certos conteúdos há muito é vista com apreensão. As empresas grandes vêm, em boa parte, mantendo silêncio sobre as iniciativas da FCC. Mas algumas pequenas empresas, ou investidores em companhias novatas, já disseram que o órgão regulador precisa tomar cuidado para que as políticas de internet não prejudiquem empresas jovens que não podem pagar um “pedágio” na web.

“Tanto para os tecnólogos como para os empresários, esse é o pior dos cenários”, diz Eric Klinker, diretor-presidente da BitTorrent, uma tecnologia popular de internet que permite aos usuários enviar e receber filmes e outros conteúdos digitais. “Criar uma pista rápida para os que podem pagar é, por definição, uma discriminação.”

Alguns grupos de defesa do consumidor reagiram fortemente contra a proposta. A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) declarou: “Se a FCC realmente inverter sua posição quanto à neutralidade da rede, surgirão barreiras à inovação, o mercado de ideias na internet ficará restrito e, no fim, os consumidores vão pagar o preço.”

Segundo as regras propostas, a FCC aumentaria substancialmente a quantidade de informações que as provedoras de banda larga devem divulgar sobre suas redes, o que poderia incluir detalhes como a velocidade e o congestionamento do seu serviço ao longo da última milha.

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Gautham Nagesh, do Wall Street Journal, em Washington