Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Venci o Google

Antes de começar essa conversa, quero dizer que havia decidido não dar mais entrevistas. Estou fazendo uma exceção porque nasci em São Paulo – tenho dupla nacionalidade, vim para a Espanha aos nove anos – e porque o Brasil foi o país que acolheu meus pais em uma época em que viver na Espanha era muito difícil. Não se podia expressar as ideias, pois havia uma ditadura. Ainda tenho parte da família em São Paulo, que me é muito querida: minha tia e minhas primas – uma delas é uma grande advogada do país [não quis dizer o nome].

A história começa em 1998, quando o jornal [La Vanguardia] publicou um anúncio relativo a um leilão de um imóvel do qual eu era coproprietário, junto com minha ex-mulher. A dívida que o órgão espanhol de finanças pedia não estava nem no meu nome. Eu nunca tive dívida contraída junto a nenhum órgão governamental. Isso está comprovado com documentos que pedi às autoridades.

A partir de 2005, o jornal digitalizou sua hemeroteca [arquivo] e [o anúncio] começou a aparecer nos buscadores digitais. O Google é o principal deles. Naquela época, eu trabalhava como consultor de empresas e um cliente decidiu entrar em contato comigo para me relatar o que estava acontecendo. Naquele momento, aquilo me prejudicava profissionalmente. Tinha que dar explicações e ir com um dossiê para demonstrar que nunca havia sido devedor do Estado.

Eu me dirigi pessoalmente ao buscador [Google]. Eles me disseram que teria que falar com a sede, nos EUA. Como pensei que existiam leis na Espanha que poderiam me proteger, procurei a agência espanhola de proteção de dados. Lá me deram razão e obrigaram o buscador a desindexar o anúncio dos resultados de pesquisa. O buscador recorreu da decisão. E, assim, o assunto foi para o Tribunal de Justiça da União Europeia, um órgão cujas sentenças são vinculantes em todos os Estados membros e que devem ser cumpridas no bloco inteiro.

A ação começou em 2009. Houve momentos em que pensei que não ganharia, mas nunca perdemos a esperança. O parecer do advogado-geral da União Europeia havia recomendado uma decisão favorável a mim. No dia 14 de maio deste ano, às 9h30, me deram a razão.

Roda

Temos que admitir que o Google é uma grande ferramenta e o melhor invento depois da roda. Mas, como todas as empresas, deve respeitar e cumprir as leis. Sempre lutei pela supressão de dados que vão contra direitos humanos, honra e dignidade.

Respeitando a liberdade de expressão e de pensamento e sem censura prévia, dados abusivos sobre a vida privada ou incorretos devem ser retirados posteriormente do motor de busca. A decisão é baseada nessa ideia. Pessoas de todos os tipos me procuraram ao longo dos anos porque têm problemas parecidos. Algumas, acredito, tinham razão em não querer que seus nomes aparecessem no buscador. Mas em outros casos, eu achava que estava tudo bem. Não sou nenhum herói, mas muita gente acha que virei um ícone. Eu diria que, se lutam por um ideal justo, não desistam. Resistir é ganhar.

Quando a decisão me foi favorável, sabia que se avizinhava um tsunami de pedidos de entrevista por causa do tamanho do meu oponente. Nunca pensei que podiam existir tantos meios de comunicação no mundo, me chamam de lugares cuja existência quase desconhecia. E recebo convites de TVs de todos os tipos. Mas desejo voltar à minha vida e ao anonimato.

Tenho consciência de que a história nunca será esquecida, e é conveniente que não o seja. Lutar com paciência e resistência dá frutos.

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Felipe Gutierrez, da Folha de S.Paulo, em Buenos Aires