Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O futuro segundo o Google: mais robôs e menos carros

Os robôs vão tirar os empregos dos humanos. O velho medo dos trabalhadores da revolução industrial está de volta. Na conferência anual do Google, um incidente foi visto como sintomático, ou até premonitório. Um jovem saiu do meio do público – em sua maioria formado por programadores que pagaram 1.500 dólares (pouco mais de 3.300 reais) para participar –, aproximou-se do palco e começou a gritar: “Vocês trabalham para robôs que matam pessoas. E vocês sabem”. No mesmo instante, membros da equipe de segurança o acompanharam até a saída. 'Neoluditas' como ele têm certa razão. O Google quer que robôs façam o trabalho dos humanos. Só que Larry Page, co-fundador da empresa, enxerga tudo de uma maneira diferente. Em seu mundo ideal, os robôs teriam um papel relevante na hora de eliminar grande parte das tarefas mecânicas. Ele reconhece que isso traria um maior desemprego, entre outras consequências, mas também causaria o aumento do trabalho qualificado e a da produtividade.

“Muita gente ama o que faz, mas gostaria de ter mais tempo para estar com a família ou explorar seus interesses. Temos que encontrar uma solução equilibrada e coordenada para reduzir a carga de trabalho semanal”, disse Page em um debate informal com Vinod Khosla. É cada vez mais raro que os criadores da ferramenta de busca apareçam em público, ainda mais juntos. Mas Khosla, mentor de Page e considerado um dos pais do Vale do Silício, foi também um dos primeiros investidores na empresa, quando ainda funcionava em um pequeno escritórios com dois rapazes da turma de doutorado da Stanford.

E que tipo de trabalho podem fazer os robôs nos quais o Google aposta? Por enquanto, nada que tenha a ver com as habilidades de seus engenheiros. A compra da Boston Dynamics e da Shaft os coloca um passo adiante na programação de objetos mecânicos, mas que não vão além de transportar coisas de um lado para outro, subir escadas, abrir portas ou rastrear áreas registrando imagens. Ainda estão longe dos que se usa no Japão para fazer companhia a idosos ou substituir recepcionistas em empresas. O próximo passo, quando se cumprir a profecia de Sergey Brin, a outra metade do Google, será: “Algum dia faremos máquinas que poderão pensar e fazer as coisas melhor que os humanos”. Esse é o motivo da aquisição da DeepMind, uma empresa de inteligência artificial. Os resultados poderão ser vistos quando os cientistas forem capazes de juntar a robótica com essa forma de programação preditiva. E sim, é possível que aí então se tornem reais os motivos para o pânico trabalhista.

Mas os dois empresários não sonham apenas com um mundo de trabalhadores de meio-período, mas também com um mundo sem carros. O transporte rodoviário é uma das obsessões do Google. Começou com o Google Maps e se acentuou com a compra do Waze, um aplicativo que monitora em tempo real qualquer incidente nas estradas. E o promove externamente com uma injeção de 250 milhões de dólares no Uber. A aposta de Brin se baseia na ideia de que não é necessário ter seu próprio carro, quase um insulto nos Estados Unidos, onde o objeto faz parte da cultura.

“Entre 30% e 50% do espaço das cidades são tomados por estacionamentos. É um gasto enorme”, dizia Brin a seu mentor, Khosla. “A ideia é que o carro venha buscar a pessoa quando ela precisar”. Ele admite que um dos pontos fracos de seus sistema, por enquanto, é a velocidade. Seus carros mal passam dos 50 quilômetros por hora. No entanto, as máquinas reconhecem as ruas da maneira mais correta, mesmo para além de algumas áreas de Montain View, como as rotas 101 e 280, dentro de San Francisco. Brin está ciente de que o projeto não vai agradar a já prejudicada indústria automobilística nacional. Aliás, seus modelos de testes são da Lexus e da Toyota, empresas japonesas. “É todo um mundo a ser explorado. Claro que os fabricantes veem tudo como uma oportunidade para mudar completamente o desenhos dos carros, colocar assentos virados frente a frente…”, exemplificou.

Rumo ao esquecimento

Brin e Page são multimilionários, mas não estão por fora das preocupações dos homens comuns. Prolongar a vida, uma velha obsessão da humanidade, também os atingiu quando passaram dos 30 anos. Principalmente quando Brin revelou que sua mãe sofre do Mal de Parkinson. Promoveu uma cruzada para pesquisar a doença e incentivar estudos genéticos coletivos. Foi a semente de uma base de dados com informação pública dos cidadãos, com sua idade, raça, estilo de vida, sexo, lugar em que moram… Uma boa ideia em tese, exceto por se tratar de dados especialmente sensíveis e de investigar a saúde de qualquer pessoa. O executivo pretende resolver a questão e convencer as autoridades com algo tão simples como apagar os nomes próprios dos arquivos. “Imagine que sirva para salvar 10.000 vidas apenas no primeiro ano”, afirmou como argumento emotivo. O único projeto firme nessa área, que segue adiante de maneira notável, são as lentes de contato para medir o nível de glucose no sangue dos diabéticos.

Todo esse mundo de fantasia bate de frente com uma parede chamada legislação. Para grandes problemas, grandes soluções. Com um raciocínio um tanto inocente, Page pedia que se ponham numerus clausus a leis, mesmo as universais: “Foi o que disse há pouco tempo o presidente da Coreia do Sul. Por que não usar um número limitado de leis e páginas? Assim, quando se quiser acrescentar algo, será necessário eliminar outras”.

Apesar da mis-en-scène casual e otimista desses gênios contemporâneos, nem tudo em sua empresa é sucesso. À saída de Andy Rubin, o maior impulsionador do Android, e de Vic Gundotra, responsável por tudo relacionado a redes sociais, somam-se outras de menor repercussão, mas sintomáticas. Lars Ramussen, fundador do Google Wave, deixou o Google rumo ao Facebook, dando alguns motivos claros, como a lentidão e a burocracia em excesso. Não sentia que o que fazia tinha um impacto verdadeiro. Paul Adams, que também assinou com Zuckerberg, alega que não o deixaram publicar um livro. As redes sociais são o terreno por onde se movem os jovens, são o que serve de meio para o compartilhamento de conteúdo. O Twitter e o Facebook lideram com enorme distância. O Google+ se transformou no refúgio de bloggers e criadores de conteúdo que pretendem conseguir um melhor posicionamento na ferramenta de busca ao publicar ali. O nível de conversas é baixo. As sessões raramente superam um minuto.

Google Glass, projeto de óculos de realidade aumentada, está a caminho do esquecimento, prestes a se tornar mais um objeto de vaporware, nome que se dá aos gadgets com grande impacto inicial mas sem trânsito no âmbito comercial. Há dois anos, era a estrela da conferência anual do Google. Na edição de 2014, não foi sequer mencionado. Dentro de dois anos será necessário rever o que terá acontecido com esses carros e robôs…

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Rosa Jiménez Cano, do El País