Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Furto de identidade digital

Como remover um perfil falso a seu respeito? Isso é possível afinal? Essa é uma situação que vem sendo enfrentada cada vez mais pelos cidadãos da era digital.

Não apenas a internet oferece uma memória perpétua a nosso respeito, mas também aumentaram os incidentes envolvendo criação “fakes” em mídias sociais e também em comunicadores instantâneos, em aplicativos como WhatsApp.

Outro dia uma pessoa aflita pediu meu auxílio porque alguém criou um perfil falso dela no WhatsApp e estava falando mal dela para a rede de pessoas que ela conhecia. A sensação de impunidade é tamanha para quem faz este tipo de coisa que o infrator inclusive estava se comunicando com ela, chamando-a de vagabunda e coisas piores. Claro que ela estava assustada, inconformada, inconsolável, pois tecnicamente e juridicamente não há como impedir que isso possa acontecer com uma pessoa.

De repente você se vê alvo de um ato covarde e que gera uma consequência imediata para a vida de um indivíduo, afeta seu círculo de amigos, familiares, causa trauma psicológico profundo e gera um grande medo do mundo digital.

Nesse momento, em que você percebe que sua identidade foi furtada e que sua reputação corre risco, quais são os primeiros socorros digitais-jurídicos que a vítima deve saber aplicar?

Para minimizar o dano causado e inclusive tentar punir quem está fazendo isso existe um passo a passo que precisa ser seguido de modo a registrar a prova do ocorrido e dar andamento na denúncia.

O primeiro passo é gerar uma foto ou print da tela. Em seguida, todo usuário de um serviço digital tem o dever de ler os termos de uso. Este contrato online traz as orientações sobre como fazer denúncias e remover perfis e conteúdos ilícitos ou não autorizados. No caso do WhatsApp, assim como o Secret, Snapchat, Kik, Facebook, Twitter e a Google, todos trazem um canal específico para reportar a ocorrência.

Urgência necessária

Independente disso, se o caso envolve alguém se passar por você, devido ao risco que isso gera para a vítima (pois um perfil “fake” pode ser usado para atacar outras pessoas), ela deve proceder da mesma forma que faria se tivesse tido o seu documento de identidade furtado. Logo, precisa ir na delegacia, portando a evidência, que pode estar no seu próprio dispositivo de celular ou tablet e fazer o registro do boletim de ocorrência com o enquadramento no artigo 307 do Código Penal.

Se houver suspeita de que houve burla da senha da pessoa em algum serviço digital é possível fazer o B.O. com base no crime de invasão (art. 154-A do Código Penal).

Então, se for o caso do perfil falso, seja onde ele tiver sido criado, a melhor estratégia é tirar a foto ou digitalizar o B.O. e enviar ele para o perfil falso. Quem quer que tenha o criado, em geral remove, sai do ar, foge rapidinho, quando vê que o caso já parou na delegacia.

No entanto, isso não quer dizer que será dado andamento ao inquérito policial. Infelizmente, no Brasil, não há prioridade para investigação de autoria de casos de ofensas digitais e furto de identidade na internet. Se a vítima realmente quiser saber quem foi e fazer a pessoa a responder pelos seus atos, o melhor socorro será o do judiciário cível. Caberá a ela ajuizar uma ação judicial para tanto. E tem que agir rápido, senão perdem-se as provas (que estão normalmente no provedor de conexão de internet e no provedor da aplicação – serviço digital que tenha sido utilizado).

Pela nova Lei do Marco Civil da Internet a guarda das provas que podem ajudar a descobrir quem fez é feita pelo prazo de 6 meses no caso do provedor da aplicação (ex: Whatsapp, Instagram, Facebook, Twitter, Linkedin, Skype) e para o provedor de conexão que é quem pode dizer quem estava conectado ela só ocorre a partir de uma ordem judicial.

Enquanto o juiz não determinar não há o dever de guardar a prova. Pior: em muitos casos, as aplicações também se recusam a remover o perfil falso sem uma prova cabal da identidade da vítima, e exigem também uma ordem judicial para tanto. Por mais célere que possa ficar a Justiça com o processo eletrônico, um caso destes leva em média de, pelo menos, 30 dias. Que é um prazo inaceitável pelo efeito destrutivo deste tipo de conduta digital.

Se a vítima tiver sorte conseguirá descobrir quem fez e aí o Judiciário punirá a pessoa com pagamento de uma indenização que gira em torno de R$15 mil reais.

Depois de tanto trabalho (pode parecer pouco), mas só assim, fazendo valer os seus direitos que vamos construir uma internet mais ética e segura.

A meu ver apenas pela via da autorregulamentação estes casos terão solução.

Só com aplicação de penalidades dentro dos próprios serviços e comunidades – que são quem tem o poder de remover de imediato o perfil falso e o dever de colaborar mais com as autoridades – é que conseguiremos tratar esses casos com a urgência necessária, devido a sua gravidade e os efeitos maléficos que causam para a sociedade.

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Patricia Peck Pinheiro é advogada especialista em cultura digital e inovação, autora de 14 livros sobre “Direito Digital”