Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Computação vestível ainda não seduz consumidor

Pulseiras com sensores que medem as atividades físicas, óculos com pequenas telas nas lentes, relógios que se conectam a smartphones. Os produtos são variados e, pelo menos a princípio, fascinantes, mas números mostram que a chamada computação vestível, apontada como o futuro da tecnologia, ainda não caiu no gosto dos consumidores. Levantamento da consultoria Gartner indica que, em 2013, o setor comercializou 73 milhões de unidades no mundo, mas, este ano, a previsão é de 70 milhões. Para 2015, 68 milhões. A retomada aconteceria apenas em 2016, com vendas estimadas em 91,3 milhões. Os números se referem ao segmento mais consolidado, o de dispositivos fitness, mas mostram que o mercado como um todo ainda está longe de se tornar maduro.

– Ainda não vejo uma interface para as massas. Por que eu vou pagar, caro, por um relógio que tem as mesmas funções que o meu celular? Esses produtos ainda não possuem uma função clara no cotidiano das pessoas – avalia Luisa Paraguai Donati, professora do programa de pós-graduação em Design da Universidade Anhembi Morumbi.

Alguns fabricantes já perceberam a dificuldade. Em abril, a Nike anunciou a demissão do time que trabalhava na pulseira inteligente FuelBand junto com planos para abandonar esse mercado. Em setembro do ano passado, a Samsung lançou seu primeiro smartwatch, o Galaxy Gear. Em dois meses, apenas 50 mil unidades foram vendidas no mundo. Pior: um relatório da rede de varejo Best Buy vazado na época mostrava que 30% dos consumidores devolveram o aparelho.

Até o alardeado Google Glass enfrenta problemas com o público. Oferecido por US$ 1,5 mil, o equipamento que coloca uma tela de computador nos olhos do usuário não decolou, e os desenvolvedores de aplicativos estão abandonando seus projetos. Entre os cerca de cem programinhas disponíveis, a ausência do Twitter chama atenção.

Imprecisão de apps

O jornalista Alan Mello não ficou satisfeito com sua primeira experiência de computação vestível. No início do ano, trouxe do exterior uma Alcatel BOOMBand. A pulseira tem contador de passos, alarmes, mede a qualidade do sono, e, quando conectada ao smartphone, emite alertas vibratórios programáveis.

– Eu usei por três semanas – conta Mello. – O que mais me servia era o alerta para e-mails. O contador de passos é tão impreciso que, quando estou no ônibus, dependendo da trepidação, ele conta como se estivesse andando.

Além da pouca utilidade, o jornalista reclama da baixa autonomia da bateria – o aparelho precisa ser recarregado a cada três dias – e o preço alto da novidade. No Brasil, uma pulseira UP, da Jawbone, custa R$ 859. Mesmo nos EUA, o produto não é barato: US$ 129 no site da Amazon (cerca de R$ 340).

Para a professora Luisa Paraguai Donati, esses equipamentos devem buscar mercados de nicho, com funções específicas para determinado público. As pulseiras, por exemplo, podem ser usadas para monitorar os sinais vitais de idosos. Os óculos podem e já estão sendo usados como instrumentos de apoio a médicos na sala de cirurgia. Até porque muitos demandam adaptação do corpo. É comum usuários de óculos de realidade virtual ou do Google Glass sentirem tontura.

A grande incógnita gira em torno do Apple Watch, relógio inteligente que a empresa vai pôr a venda em 2015. Até agora, apesar de marcas como Samsung, Sony, Motorola e LG já terem lançados produtos similares, nenhuma conseguiu muito destaque.

– A Apple é a Apple – diz Angela McIntyre, analista da Gartner especializada em computação vestível e internet das coisas. – O Apple Watch pode ser o herói no mercado de relógios inteligentes. Os consumidores não compram só produtos da Apple, compram um estilo de vida.

Mas o sucesso do produto ainda não é certo. Em primeiro lugar, é caro. O modelo mais em conta será vendido por US$ 349 nos EUA. Segundo, o relógio não apresenta grandes novidades em relação à concorrência, que sofre para fazer escoar seus estoques. Por último, o consumidor parece não estar disposto a comprar.

Levantamento realizado em outubro pela revista “Business Insider”, com 2 mil leitores, aponta que apenas 20% dos pesquisados estariam interessados em adquirir um relógio inteligente. Entre os que não pretendem comprar, 51% dizem não ver necessidade, 14% reclamam do preço e 13% simplesmente não querem usar um relógio.

– Isso mostra que o consumidor não está totalmente à mercê das forças do mercado, que a gente vai comprar tudo que as empresas propõem — diz Luisa. – Você tem a escolha de colocar ou não esses produtos dentro da sua vida.

Mas, aos poucos, os vestíveis podem conseguir espaço. A analista da Gartner cita, por exemplo, forças policiais que estão adotando óculos com câmeras para equipar suas tropas. As fabricantes tradicionais de relógios, sob pressão dos novos concorrentes, planejam lançar modelos próprios de produtos inteligentes.

– Os smartwatches são a evolução dos relógios. Hoje, o mercado de relógios tradicionais vende 1,2 bilhão de unidades por ano. As oportunidades são imensas – afirma Angela.

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Sérgio Matsuura, do Globo