Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

As invenções do filme visionário saíram do papel

Em 1989, os PCs tinham monitores monocromáticos e baixíssimo poder de processamento, os telefones celulares nem existiam no Brasil e a World Wide Web ainda era um rascunho nas pranchetas de Tim Berners-Lee. Mas, nos cinemas, o filme De volta para o futuro II levava o personagem Marty McFly (vivido por Michael J. Fox) a uma viagem fictícia para conhecer tecnologias do ano que começa hoje, e, por incrível que pareça, muitas delas se tornaram realidade. Espectadores de três décadas atrás se encantaram com máquinas voadoras que tiravam fotografias para um jornal, sistemas de pagamento com a impressão digital e óculos de realidade virtual, todos produtos disponíveis hoje. Até mesmo o icônico hoverboard já pode ser comprado. Por outro lado, carros voadores ainda estão distantes, assim como o forno de hidratação de pizza.

“O mundo pensado em De volta para o futuro II foi muito legal. Eles já traziam o conceito do computador que está sempre com você, com uma pequena máquina parecida com os tablets”, diz Rico Malvar, cientista-chefe da Microsoft Research. “Em compensação, não previram que a comunicação eletrônica estaria em e-mails e programas de mensagem: os personagens usavam fax.”

Filmes que “preveem” tecnologias futuristas são uma constante, do clássico Metropolis, filmado em 1927 pelo austríaco Fritz Lang, a sucessos mais recentes, como Minority Report. Por vezes, a ficção chega a influenciar o desenvolvimento de tecnologias. Malvar cita como exemplo o tradutor universal, usado pela personagem Hoshi Sato a bordo da USS Enterprise, em Star Trek, que serviu de inspiração para a ferramenta de tradução simultânea recém-lançada para o Skype. “Nós todos aqui somos nerds e gostamos muito de ficção científica. Há quatro anos, o Rick Rashid (fundador da Microsoft Research e atual vice-presidente do Grupo de Engenharia dos Sistemas Operacionais Microsoft), que é fã do seriado Star Trek, disse que deveríamos fazer coisas impossíveis e me perguntou por que nós não desenvolvemos um aplicativo de tradução simultânea”, conta Malvar.

Tecnologia disruptiva

Outro exemplo citado pelo cientista-chefe da Microsoft é o Kinect, previsto pelo filme De volta para o futuro II. Em uma cena, o personagem Marty McFly joga um arcade que usa controles e, assustadas, duas crianças estranham, já que os videogames de 2015 seriam jogados com gestos. “Em 2007, o Alex Kipman chegou para mim e falou: a gente tem que inovar nos videogames e uma das coisas que atrapalham é o controle”, lembra Malvar. “Na hora eu pensei: não dá para fazer. Mas não desistimos e chegamos ao Kinect.”

O caminho inverso também acontece. É comum produtores e roteiristas buscarem nos laboratórios informações e assessoria para seus filmes. Malvar lembra um episódio do seriado “CSI”, no qual os investigadores recriaram a cena de um crime usando centenas de fotografias tiradas por celulares. A série, claro, é ficcional, mas a tecnologia é real. “Essa conexão existe e é legal. A gente pensa no futuro, é o nosso trabalho do dia-a-dia”, diz Malvar.

Apesar do contato constante e da troca de ideias, Gustavo Caetano, presidente da Associação Brasileira de Start-ups, lembra que a ficção e o trabalho com pesquisa e desenvolvimento são áreas completamente distintas: “Os autores vivem uma realidade voltada para a criatividade, sem compromisso com a execução. Um profissional de R&D precisa ter foco em tecnologia disruptiva, prototipagem, possibilidade de comercialização, modelo comercial, logística. É uma realidade completamente diferente.”

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Sérgio Matsuura, do Globo