A tensa relação do Facebook com as operadoras de telefonia móvel Mark Zuckerberg diz que sua missão é conectar mais bilhões de pessoas à internet. Mas as empresas de telecomunicações que constroem redes nos cantos mais remotos do mundo estão mais propensas a considerar o Facebook um problema.
Elas argumentam que gigantes da internet como Facebook Inc. e Google Inc. estão obtendo lucros invejáveis às suas custas. Essas empresas de internet oferecem aplicativos que permitem aos usuários fazer chamadas telefônicas e enviar mensagens de texto gratuitamente, dispensando os serviços das operadoras. As empresas de internet também lucram com o tráfego de seus anúncios publicitários. As operadoras alegam que essa estratégia subverte a lógica econômica que torna viável o investimento em infraestrutura de internet.
“Mark Zuckerberg é como o cara que vai à sua festa e bebe o seu champanhe, beija suas mulheres e não traz nada”, diz Denis O’Brien, presidente do conselho de administração da Digicel Group, uma provedora de serviços de internet sem fio em 33 países do Caribe, América do Sul e outras regiões. O Google, acrescenta ele, ganha “bilhões de dólares com publicidade e não paga um centavo. Acho que é o modelo de negócio mais extraordinário da história moderna”.
Essas tensões estiveram novamente à mostra ontem no Congresso Mundial de Telefonia Celular, um evento anual que está sendo realizado nesta semana em Barcelona. Zuckerberg participou de um painel com executivos de três operadoras – Telenor Group, Millicom International Cellular SA e Airtel – que vêm permitindo que assinantes usem gratuitamente o Internet. org, um aplicativo desenvolvido pelo Facebook que inclui acesso a conteúdos locais e uma versão simplificada da rede social.
Jon Fredrik Baksaas, diretor-presidente da norueguesa Telenor, que tem operações na Escandinávia, Leste Europeu e Ásia, disse a Zuckerberg no palco que a compra do popular app de mensagens WhatsApp pelo Facebook no ano passado, por US$ 19 bilhões, foi “um ponto de tensão”, já que mensagens de texto ainda são uma importante fonte de receita das operadoras.
Zuckerberg, por sua vez, adotou um tom conciliador, dizendo que a única maneira de expandir o acesso à internet é fazer a receita das operadoras crescer também. “É muito importante não perder de vista o fato de que as empresas que estão realmente liderando isso [a expansão da internet] são as operadoras”, disse ele, acrescentando que a construção de redes celulares é “um trabalho caro”.
Ele reconheceu a ameaça dos apps de mensagens à receita das operadoras e disse que, por isso mesmo, o Internet.org não permite a realização de ligações telefônicas via internet. De fato, o Facebook afirma que tem tentado trabalhar com empresas de telecomunicações para descobrir formas de ganhar dinheiro dos dois lados.
O Google, por sua vez, informa que está trabalhando em tecnologias para tornar o acesso à web mais barato, como oferecer internet via balões de ar quente. Uma portavoz do Google apontou um estudo da firma de pesquisa Analysis Mason que mostra que as empresas de internet investem globalmente US$ 35 bilhões por ano em infraestrutura, como os cabos submarinos que ligam as redes de comunicação.
Ponto máximo
Tensões entre as empresas de internet e a indústria de telecomunicação não estão limitadas às margens do mundo conectado. As operadoras europeias frequentemente se queixam que empresas como o Google estão pegando uma carona gratuita. Nos Estados Unidos, as operadoras perderam uma guerra importante sobre a neutralidade da internet na semana passada, quando a Comissão Federal de Comunicações decidiu considerar as redes celulares como utilidades públicas.
Mas o problema é especialmente sério no mundo em desenvolvimento, onde operadoras ganham menos com serviços de internet sem fio e ainda dependem muito dos serviços de telefone e mensagens para gerar receita.
O Facebook afirma que pode ajudar a fazer mais pessoas se conectarem sem a necessidade de construir mais infraestrutura. Segundo a empresa, mais de 90% da população mundial já vive em áreas alcançadas por algum tipo de sinal de internet, mas, ainda assim, apenas um terço dessas pessoas usa a internet porque a maioria não entende o seu valor. A rede social defende que a melhor maneira de demonstrar os benefícios da web é as operadoras deixarem seus clientes acessarem o Facebook de graça.
O Facebook fechou uma série de acordos desse tipo ao longo dos últimos anos. Outras empresas de tecnologia, do Twitter Inc. à Spotify AB, seguiram o exemplo na esperança de que seus aplicativos chegassem a mais pessoas, sem que essas tivessem de pagar por serviços de dados. Esses acordos são particularmente importantes para as perspectivas do Vale do Silício no mundo em desenvolvimento. Empresas como o Facebook esperam expandir seus negócios para bilhões de novos usuários da internet na próxima década.
Mas o ritmo do surgimento de novos internautas parece estar diminuindo. A taxa de crescimento anual composta de usuários da web no mundo todo caiu p ara 10% entre 2009 e 2013, ante 15% nos três anos anteriores, segundo a consultoria McKinsey & Co. Essa taxa pode desacelerar ainda mais à medida que mais residentes das áreas urbanas mais ricas dos países em desenvolvimento se conectam.
Há cinco anos, o Facebook pediu que as operadoras oferecessem o Facebook Zero, uma versão mais enxuta da rede social, que consome menos dados. A Millicom International Cellular SA foi uma das primeiras a aceitar.
Mario Zanotti, principal executivo da operadora na América Latina, disse durante o painel de ontem [segunda, 2/3] que as operações da empresa na Tanzânia registraram um aumento de dez vezes nas vendas de smartphones desde que lançou o Internet.org.
Anteriormente, o executivo havia dito que a Tigo, operadora da Millicom no Paraguai, ofereceu a seus clientes acesso gratuito ao Facebook por seis meses, em 2013, e ampliou em 30% o número de usuários de dados móveis. Quatro de cada dez desses novos usuários depois pagaram para assinar o serviço de internet, disse Zanotti.
“Ainda há muita pessoas que nunca experimentaram a internet”, disse ele. “Tratase de oferecer a elas uma demonstração.” Mas o número de novos usuários da Tigo atingiu um limite depois de três ou quatro meses. “Você chega a um certo ponto em que a sua penetração [na internet] não cresce mais”, disse.
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Ryan Knutson e Sam Schechner, do Wall Street Journal