Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A contra-web-revolução

Junto com a mobilização midiática, especialmente na internet, proporcionada pela Revolução Verde do Irã, ocorria em Honduras um golpe de Estado contra o presidente democraticamente eleito Manuel Zelaya. Não demorou muito para as comparações serem feitas, sempre na visão de que o heroísmo internético do Irã e o silêncio em Honduras foram construídos pelos grandes conglomerados da mídia internacional.


Novamente, o objetivo aqui não é tomar partido de nenhuma das duas correntes, mas analisar, em breves linhas, a alegada falta de impacto midiático, especialmente no meio digital, que os manifestantes pró-Zelaya proporcionam, inclusive para nós, brasileiros, vizinhos do país centro-americano.


Podemos começar com uma pergunta: ‘Por que a internet foi arma midiática nas mãos dos iranianos e não a foi nas mãos dos hondurenhos?’. Um esboço de resposta simples começa no fato do contraste acerca do acesso à internet dos dois países.


No Irã, segundo dados da consultoria Atieh Bahar, de 2008, há 18 milhões de usuários da internet (quase 25% da população) e, em 2009, o governo australiano identificou mais de 1500 provedores de internet iranianos. Já em Honduras, há 400 mil usuários de internet (quase 6% da população) e 100 provedores.


Ora, seria difícil para um pequeno país da América Central com pouco acesso – e pouco incentivo ao acesso também – digital galgar um movimento amplo de mobilização via internet, tal como Irã. Outro fator crucial foi o fato de existirem muitos imigrantes iranianos na Europa Central e em países vizinhos, possibilitando uma ajuda na disseminação da informação driblando a censura oficial via proxy.


Multidão: jornalista ou testemunha?


Sem a visibilidade midiática adequada, os manifestantes pró-Zelaya se tornam, segundo a leitura de muitos, meros prisioneiros-espectadores do destino político de seu país. Aqui, nessa visão, a multidão é testemunha sufocada, aprisionada e alienada de seu direito de expressão. Sem dúvida, essa visão está correta. No entanto, por que isso acontece?


Em Honduras, encontramos um modelo de comunicação social extremamente baseado no velho broadcasting. Ou seja, poucos meios de comunicação de massa – impressos, rádio e TV – são os únicos pólos de emissão para uma ampla audiência. Essa constituição extremamente verticalizada facilita a censura.


Aliás, informações de censura é o que exatamente recebemos de fontes independentes de notícias. Em 29 de junho, algumas estações foram impedidas de transmitir pelo novo governo central. Até mesmo a CNN em espanhol não teve o seu sinal permitido pelos militares. O que restou foram apenas veículos amigáveis aos contra-Zelaya, que pedem insistentemente à população que deixem de protestar e que continuem a sua rotina normal.


Possibilidade emancipadora da internet


Ora, se Honduras possuísse uma disseminação de informação mais horizontalizada, tal aquela proporcionada por um amplo acesso à internet, o rumo midiático poderia tomar outra direção, inclusive na cobertura brasileira. Quanto mais horizontalizado o sistema de comunicação social, mais difícil censurá-lo e mais fácil de apurar os diversos lados da notícia.


Quando falamos que, na internet, a multidão pode ser jornalista, nos pautamos por uma simples diferenciação. No meio digital, todos podem escrever, todos podem ser blanquis de suas causas. Ora, tal como o velho revolucionário socialista que acreditava que precisava apenas de um pequeno grupo determinado e armado para tomar o poder francês, os internautas parecem dispor de todos os recursos para reportar eles mesmos a sua realidade. O monitor e o teclado viraram a faca e o queijo na mão digital.


O acesso à internet tem que ser tratado como crucial dentro dos direitos à liberdade de expressão. Muito modismo corre na rede, incluindo flashmobs inúteis, no entanto, seria muito enriquecedor ver os hondurenhos saírem da contra-web-revolução posta em marcha muito antes do golpe de Estado contra Zelaya. Com certeza, a revolução pela liberdade e igualdade dos direitos à comunicação não será televisionada, mas poderá ser interneticamente falada.

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Jornalista e Mestrando em Ciências da Comunicação da ECA-USP