Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A impotência dos poderosos

Nos Estados Unidos, os ativistas do Tea Party das áreas fora dos centros urbanos perseguem e esbravejam contra as elites liberais de Nova York, Washington e Hollywood. Na Europa, demagogos populistas, como o holandês Geert Wilders, investem contra os ‘apaziguadores’ elitistas do Islã. Na Tailândia, manifestantes de camisas vermelhas, do nordeste rural do país, bramam ira contra a elite política, social e militar de Bangcoc.

O primeiro princípio da democracia é que o governo tem de ter por alicerce o consentimento popular, mesmo se for formado por partidos nos quais muitas pessoas não votaram. Essa ira mundial contra governos eleitos mostra que esse consentimento está se tornando perigosamente cada vez mais raro. Nos países democráticos, cada vez mais pessoas sentem não ter uma representação, estão nervosas e encolerizadas. E acusam as elites.

Novas tecnologias e populismo

O fenômeno é mundial, mas as causas diferem de um país para outro. O populismo americano não é igual ao populismo tailandês. Cultura e raça têm um importante papel nos Estados Unidos – a cultura de carregar uma arma, por exemplo, e o desconforto de se ter um presidente negro, formado em Harvard, que se expressa como um professor de Direito. Na Tailândia, a cólera provém do desprezo pelos pobres das zonas rurais por parte de uma classe dirigente apoiada pelas grandes empresas, pelo Exército e pelo rei. O bilionário populista e ex-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra parecia ser diferente. Distribuiu prodigamente uma parte da sua enorme riqueza nas áreas rurais. Os camponeses, gratos por essa liberalidade, votaram nele duas vezes. Autoritário, bruto e um tanto megalomaníaco (quase como se fosse o próprio rei), Thaksin era a versão tailandesa de Silvio Berlusconi, o primeiro-ministro italiano. Foi destituído do cargo em 2006, depois de um golpe militar sangrento apoiado pela classe média de Bangcoc, que saiu às ruas usando camisas amarelas (cor da monarquia tailandesa). Hoje a rebelião dos camisas vermelhas em favor de Thaksin é uma forma de vingança.

Na Europa, o poder da União Europeia, a imigração descontrolada e a globalização econômica desafiam o sentimento de se pertencer a uma nação, de ser representado por governos nacionais, ou partilhar de uma cultura nacional. Os demagogos que denunciam o multiculturalismo e alertam para uma ‘islamização’ do Ocidente, exploram o temor de uma perda da identidade nacional.

O sentimento de que a globalização está criando novas classes de ricos e pobres é um fator que inflama muitas formas atuais de populismo, independente das diferenças nacionais. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias, sem as quais a globalização não seria possível, também estão sendo usadas para mobilizar as pessoas para as causas populistas.

Imigração desordenada

A heroína do movimento do Tea Party nos Estados Unidos, Sarah Palin, é tanto uma criatura do Twitter e da vasta blogosfera, como da TV e do rádio – talvez até mais. Com efeito, a mudança do debate público da imprensa tradicional para a internet ajudou a derrubar a autoridade das elites tradicionais: editores de jornais, analistas da ordem política, acadêmicos, políticos.

No ciberespaço, qualquer um pode opinar. É mais democrático, sem dúvida, mas ficou mais difícil para as pessoas separarem a tolice da verdade, ou a demagogia do debate político racional.

O tom dos movimentos populistas, tanto na Europa como na Ásia ou nos Estados Unidos, sugere que as elites estão excessivamente poderosas, que dominam os mais pequenos, cujas vozes são sufocadas pelos liberais, os multi-culturalistas e os espertalhões das cidades. Esta é uma forma comum de paranóia populista, promovida nos Estados Unidos pelos apresentadores de programas de entrevistas no rádio e na Fox Television, e na Europa por homens como Wilders.

Até certo ponto, as elites têm culpa disso. A imigração na Europa tem sido desordenada e os que se queixam a respeito são imediatamente taxados de racistas. Depois que apoiaram um golpe militar para se ver livre de Thaksin, os camisas amarelas de Bangcoc dificilmente podem acusar os camisas vermelhas de usar táticas antidemocráticas para forçar a queda do atual governo. Os liberais americanos, também, são culpados de olhar com desprezo para os costumes e hábitos dos seus concidadãos do campo.

A democracia condenada

No entanto, existe uma outra maneira de examinar esse avanço mundial do populismo. O problema real das elites tradicionais pode não ser o poder excessivo, mas o pouco poder. A falta de confiança nas elites políticas está ligada à suspeita, que não é totalmente irracional, de que os governos eleitos têm pouca autoridade. O poder real, é o que se desconfia, pertence a outros – a Wall Street, à burocracia não eleita da União Europeia, ao Exército Real Tailandês e ao Palácio Real.

O que as pessoas anseiam em tempos incertos é por uma liderança forte de figuras carismáticas que prometam fazer uma limpeza geral, acabar com a corrupção e defender o homem comum contra políticos egoístas e estrangeiros que nos ameaçam com hábitos e religiões estranhas. São tempos perigosos para a democracia, porque colocam em risco o consentimento popular aos governos democráticos.

Para reconquistar o respeito, nossos políticos eleitos terão de mostrar mais autoridade, não menos. O presidente Barack Obama está certo quando insiste numa maior regulamentação dos mercados financeiros. Na Europa, ou a União Europeia se torna mais democrática, o que levará muito tempo, ou os governos nacionais precisam delegar menos poder para os burocratas em Bruxelas.

A Tailândia enfrenta os problemas mais difíceis. Confiar num magnata que gosta de autopromoção, como Thaksin, não é a melhor maneira de fomentar a democracia, como também não é o caso de depender de golpes militares ou da intervenção do rei. Muitos tailandeses concordariam no caso do Exército. E é ilegal até mesmo iniciar uma discussão sobre o papel do rei. Mas sem discussão, a democracia com certeza está condenada.

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Professor no curso de Democracia e Direitos Humanos no Bard College; seu livro mais recente é Taming the gods: religion and democracy on three continents (‘Domando os deuses: religião e democracia nos três continentes’, em tradução livre)