Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A imprensa e os negócios da política

 

Reportagem publicada na edição de sexta-feira (24/2) do Estado de S.Paulo revela um esquema de formação de vereadores pela internet que exemplifica claramente a crise de representatividade do sistema político brasileiro. De acordo com o texto, é possível comprar por menos de 20 reais, pela internet, pacotes de propostas legislativas de qualquer tipo, além de modelos para a criação de casas de cultura, turismo, ouvidoria e orientação sobre normas urbanísticas, leis de ocupação do solo e editais em geral. Assim o candidato pode se apresentar ao eleitorado munido de “ideias” convincentes, adaptadas à realidade local.

O serviço de assessoramento para quem ambiciona um posto bem remunerado, com muitas mordomias, prestígio e direito a aposentadoria, nada tem de ilegal. Trata-se de um sistema que oferece obviedades capazes de transformar em indivíduo clarividente o mais tosco dos candidatos, como projetos completos para bibliotecas públicas ou cursos sobre os fundamentos da legislação orçamentária.

De quebra, o freguês pode adquirir também discursos prontos, adaptados ao linguajar regional, e cursos completos sobre como falar em público.

Toma lá, dá cá

Os empreendimentos citados são legais, e seus responsáveis, entrevistados pelo jornal, apresentam razões que não aparentam esbarrar em ilegalidades. Mas essa é apenas uma ponta do sistema. A realidade nos municípios envolve esquemas menos inocentes, como grupos de assessoria vinculados a empresas controladas por políticos e até mesmo por chefes do crime organizado.

Em municípios ao sul e a oeste da capital paulista, por exemplo, já foram identificados pela polícia vereadores ligados ao grupo conhecido como Primeiro Comando da Capital. Uma de suas associações permitiu a um operador do crime organizado se tornar sócio de dezenas de postos de gasolina, que a polícia acredita ser parte de um sistema de lavagem de dinheiro.

No Rio de Janeiro, o noticiário esparso, principalmente veiculado pelo jornal O Globo, tem dado conta das relações entre políticos e chefes de milícias, que ocupam os lugares e o poder deixado para trás pelos narcotraficantes acossados pelas forças de segurança.

Com base nesse esquema são eleitos vereadores e deputados, que em contrapartida garantem às quadrilhas a exploração de serviços como o transporte público ou a distribuição de gás.

Partidos pragmáticos

Também está no Estadão de sexta-feira uma reportagem informando que um grupo de oito partidos (PMDB, PSDB, DEM, PP, PR, PTB, PPS e PMN) está atuando para bloquear o crescimento do PSD, partido criado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, para ser, segundo ele mesmo, uma representação sem coloração ideológica.

Com a “vantagem” de não ser, como o define Kassab, nem de esquerda, nem de direita, e muito menos de centro, a nova sigla já nasce com a vocação para amplos negócios, podendo sem qualquer impedimento estatutário grudar-se ao poder em todas as instâncias.

Esse pragmatismo sem tintura ideológica definida é o retrato do sistema político, que, com exceção do partido Democratas – lídimo representante do conservadorismo de direita – e das siglas mais à esquerda, como o PSOL, o PSTU e o PCO, mistura todas as propostas numa ação concreta: o exercício do poder.

Os partidos que se preocupam com o crescimento da sigla criada por Kassab fazem uma ação de “guerrilha”, de acordo com o jornalão paulista, atuando no Congresso e junto à Justiça Eleitoral para evitar novas defecções.

Com a possibilidade de aderir a qualquer grupo no poder, o PSD se transforma em grande atrativo para esse tipo de representante do povo cujo objetivo é fazer negócios no mercado do orçamento público. Trata-se de um produto híbrido com grandes possibilidades de ganhar espaço nesse mercado, reduzindo as margens dos partidos já estabelecidos.

A principal preocupação dos concorrentes é ver o PSD abocanhar uma grossa fatia do tempo de exibição no horário de propaganda política, já considerado por eles muito reduzido. A conversa gira em torno do direito da sigla sobre a candidatura, de modo a assegurar para os partidos de origem o tempo destinado aos donos de mandato que migrarem para outra agremiação.

Também não parece haver banditismo explícito nessa disputa, mas o evento serve para demonstrar, mais uma vez, que o Brasil precisa de uma reforma que estimule o surgimento de representações mais autênticas – ou que se mude o sistema, facilitando o protagonismo político pelo próprio cidadão.

Mas essa é uma conversa que não cabe nos jornais.