Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A Rede Social é um clássico moderno

Finalmente, a geração internet é retratada no cinema. Mais do que isso: nunca o mundo dos magos modernos da tecnologia havia ganhado um filme tão contundente. A Rede Social, que estreia em todo o país nesta sexta-feira (dia 3/12), preenche essa lacuna de forma exemplar. A saga da criação do Facebook não só mergulha nos bastidores da criação do site mais bem-sucedido da última década, como traz à tona polêmicos conflitos éticos – sobram puxadas de tapete por todo lado – e a dificuldade de ser aceito num mundo de gente bonita, desinibida e endinheirada.

Baseado no livro Bilionários por Acidente, de Ben Mezrich, o filme conta a história de Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg, incrível), aluno nerd de Harvard com sérios problemas de convívio social. Um rosto impassível, fala rápida e tato próximo de zero para lidar com outras pessoas não faziam de Zuckerberg exatamente um sucesso com as garotas – ainda mais pela mania de vestir sempre moletom e chinelos, inclusive na neve. No radar de Harvard, então, universidade mais tradicional dos Estados Unidos, celeiro de ministros e presidentes, ser nerd é parada duríssima, condenação quase imediata ao ostracismo, longe, bem longe das prestigiadas fraternidades e, claro, das garotas.

Prodígio dos computadores desde a adolescência, Zuckerberg compensava a frustração bebendo cerveja e criando sistemas complexos em seu quarto no campus. Após uma ou outra confusão, o hacker apareceu, aos 19 anos, com o Facebook, verdadeira revolução nas relações humanas neste século, que só recentemente chegou com força ao Brasil – representou para os EUA e Europa o que o Orkut foi para o Brasil. O mérito da programação do site é todo do estudante, mas a ideia por trás da rede social foi contestada por Divya Narendra (Max Minghella) e os gêmeos remadores Cameron e Tyler Winklevoss (ambos vividos por Armie Hammer), estrelas em Harvard. Os três fecharam uma parceria breve com Zuckerberg para ajudá-los a desenvolver um sistema similar ao do Facebook, desfeita em pouco tempo. A disputa pegou fogo com o sucesso exponencial do Facebook e foi parar nos tribunais.

De párias em estrelas pop

Também foi esse o destino da amizade de Zuckerberg com Eduardo Saverin (Andrew Garfield, o novo Homem-Aranha), que, apesar de nascido no Brasil, ainda jovem se mudou para Miami. Como os dois eram inseparáveis, parceiros das festas sem glamour da universidade, Saverin, estudante de Economia, entrou no jogo e ajudou a colocar o Facebook no ar, financiando o início do projeto. Engomadinho, não entendia nada de computadores, mas pôs na cabeça do amigo o quanto era importante arranjar patrocinadores, levantar o empreendimento e, obviamente, aproveitar a fama repentina para se dar bem – eles não eram roqueiros, mas tinham lá suas groupies. No decorrer da história, Saverin foi para uma cidade, Zuckerberg para outra e o brasileiro viu sua participação na empresa evaporar. Uma punhalada nas costas?

O trunfo de A Rede Social em boa parte reside nesses embates. Escrito por Aaron Sorkin (ganhador de quatro Emmys consecutivos pela série The West Wing), o roteiro consegue a façanha de dar peso aos três pontos de vista – de Zuckerberg, dos irmãos Winklevoss e de Saverin. Sem querer participar da elaboração do livro nem do filme, Zuckerberg, o bilionário mais jovem do mundo, não é nenhum santo, mas se entende que ele teve seus motivos, vá lá, para fazer o que achava necessário. A narrativa, só por isso, já seria brilhante, mas Sorkin foi além: fez os acontecimentos avançarem e retrocederem no tempo, escreveu diálogos ferinos e ágeis, moldou a realidade. O que quase toda produção baseada em fatos reais faz (ou deveria fazer), mas de modo exemplar.

A direção de David Fincher (O Curioso Caso de Benjamin Button, Clube da Luta) era o que faltava para tornar o texto palpável. A dinâmica das cenas e a tensão crescente em um filme, na teoria, sobre nerds e computadores, é espantosa. Na teoria, porque A Rede Social é bem mais do que isso. Documenta uma era de gênios precoces e de moral questionável que vêm construindo o mundo digital e moldando o futuro. Gênios convertidos de párias em estrelas pop, magnatas em capas de revista e ímãs de mulheres – e não era o que eles queriam desde o início, serem aceitos?

A história se repete

Sean Parker (interpretado de modo brilhante pelo cantor Justin Timberlake), fundador do Napster e depois conselheiro do Facebook, serve de tese para essa trajetória gloriosa e sombria. É assim desde a criação do computador pessoal, com Bill Gates e Steve Jobs, no outro grande filme sobre a tecnologia de nossos tempos, Os Piratas do Vale do Silício (1999), feito originalmente para a TV norte-americana. Visto por poucos, mostra a derrocada de Jobs e da Apple na década de 1980 e a ascensão da Microsoft a um império.

A Rede Social, por outro lado, deve ter uma carreira bem maior. Candidato sério aos principais prêmios da temporada – filme, direção, roteiro, ator, ator coadjuvante e trilha sonora (composta por Trent Reznor, do Nine Inch Nails, e Atticus Ross) –, ganhou elogios dos envolvidos, como o recluso Saverin e os Winklevoss, já arrecadou US$ 180 milhões nas bilheterias e segue firme para se tornar o que merece: um clássico moderno. Zuckerberg, por sua vez, desencoraja que o público assista ao filme e ele mesmo se nega a vê-lo. Aos 26 anos, tem fortuna estimada em US$ 7 bilhões e é considerado uma das pessoas mais influentes do mundo. O Facebook, acredita-se, logo se tornará tão grande quando o Google e a Microsoft de Bill Gates, o herói de Zuckerberg. A história, feita de genialidade e traição, se repete.

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Jornalista