Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A telebarriga de 1997: atualização

Todos que acompanharam a publicação da Lei 9.472, a Lei Geral das Telecomunicações (LGT), em julho de 1997, certamente devem lembrar das inúmeras entrevistas concedidas na época pelo então ministro Sérgio Motta e demais integrantes de sua tropa de choque, exaltando supostos superpoderes que passariam a ser exercidos pela agência reguladora das telecomunicações, a Anatel, graças ao insólito status de ‘autarquia especial’, com independência administrativa e ausência de subordinação hierárquica – concedidas a ela pela nova lei.

Na ampla campanha de desinformação promovida pelo nosso não tão saudoso ministro, o próprio Ministério das Comunicações tornar-se-ia descartável porque, segundo Serjão, a LGT havia transferido à Anatel toda a competência em assuntos regulatórios de telecomunicações. Anteriormente, isso era atribuição de seu ministério. Desta forma, bastaria que os assuntos relativos à radiodifusão também fossem transferidos à nova agência reguladora, e o Minicom poderia deixar de existir para que o mundo se tornasse mais feliz.

Acontece que, pela simples leitura da Constituição Federal e das leis específicas que dispõem sobre a organização da administração federal e a organização dos ministérios, qualquer cidadão podia constatar facilmente que o ministro estava se utilizando da credibilidade do cargo para mentir descaradamente. Com o claro objetivo de confundir a opinião pública, repetindo a mesma manobra utilizada em 1995 para burlar a Portaria 525/88. Tudo para emplacar a imoral Portaria 148/95. Recorrendo ao ridículo pretexto de ‘evitar o monopólio das teles’ para inventar o provedor de acesso e fazer com que os usuários de serviços de comunicação de dados tivessem de pagar pulsos de telefonia nas conexões de rede internet.

Com casca e tudo

A nova manobra do Serjão foi bem mais ousada, porque diante da impossibilidade legal de transformar a Anatel numa espécie de quarto poder da República, ele decidiu afrontar a ordem jurídica, montando uma farsa na qual os dirigentes da agência teriam poderes suficientes para fazer o que bem entendessem com a regulamentação da área de telecom e, a exemplo do que ocorreu em 1995, criar um fato consumado, difícil de ser desenrolado.

No entanto, para que a armação tivesse sucesso, seria preciso convencer meio mundo, incluindo os partidos de oposição, o Judiciário, o Ministério Público e demais cabeças coroadas do poder tupiniquim, fazendo-os acreditar que o papo-furado do ministro era pura verdade, o que tornava decisiva a participação da grande mídia e dos jornalistas especializados em telecom. Pois, como formadores de opinião, caberia exclusivamente a eles definir o destino da nova trapaça de Serjão e, conseqüentemente, do novo modelo regulatório das telecomunicações, livre do monopólio estatal, que deveria ser implementado pela LGT.

E foi aí que o bicho pegou. Por conivência ou mera incompetência, nossos meios de comunicação fizeram exatamente aquilo que o senhor ministro queria. A grande mídia, como era de se esperar, limitou-se a repassar os releases do Minicom com casca e tudo à população, sem a mínima preocupação de averiguar a veracidade dos fatos, enquanto a maioria dos jornalistas especializados, cuja obrigação moral era desmascarar a farsa, estranhamente tentou legitimá-la em artigos que recorriam a argumentos completamente furados para justificar a porralouquice de Serjão.

Barulho alheio

Resultado: a cobertura dos atos do Minicom acabou rendendo uma barriga histórica, logo quando os usuários mais precisavam de informação de qualidade, deixando o caminho livre para a Anatel criar a regulamentação paralela que transformaria o antigo monopólio estatal nos atuais oligopólios privados das telecomunicações. Agora, apenas quatro empresas dominam mais de 90% do mercado de telefonia e comunicação de dados em nosso país.

Mas nem tudo estava perdido. Em julho de 2003, o pedido do deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) para uma CPI de investigação da Anatel já contava com 242 assinaturas, bem mais do que as 171 (êpa!) necessárias para sua aprovação.

No entanto, alegando querer preservar a ‘governabilidade’ do país, o PT acabou comprando um barulho que não era dele ao convencer o Congresso a manter a CPI da Anatel na geladeira, assumindo um risco completamente desnecessário que poderá até trazer problemas futuros para a imagem do partido, pois tudo indica que por trás da regulamentação paralela da Anatel pode existir uma bolada de aproximadamente 60 bilhões de reais, que foi parar nos cofrinhos das concessionárias graças à cobrança de uma estranha tarifa de assinatura mensal pela ‘manutenção do direito de uso’ – plantada irregularmente pelos dirigentes da agência nos atuais contratos de concessão da telefonia.

Doutor Severino assinou

Como esta bomba pode estourar a qualquer momento, independentemente da desapossada CPI, porque as evidências são óbvias demais, de repente ficaria complicado para o presidente Lula explicar aos 30 e tantos milhões de usuários de telefonia fixa, supostamente lesados pelas concessionárias, que o objetivo da travada na CPI da Anatel não era encobrir a encrenca. Além do mais, como a intenção dos autores da trapaça era justamente criar um fato consumado, pegaria muito mal para o atual governo admitir esse tipo de derrota de forma tão passiva e, pior ainda, tentar transformá-la em segredo de Estado.

Também não faz nenhum sentido a alegação do governo de querer preservar a ‘governabilidade’, pois, caso a CPI comprove que houve cobrança irregular de uma tarifa de assinatura fajuta, praticamente toda a responsabilidade pelo reembolso dos usuários eventualmente lesados recairia sobre as concessionárias e os governos estaduais, que ficaram com a maior parte da grana. Cabe ao atual governo federal o dever de apurar responsabilidades e recompor o cipoal regulatório das telecomunicações, eliminando todo o lixo que esteja em desacordo com a legislação vigente. É assim que se preserva a ‘governabilidade’, e não empurrando o problema com a barriga até o fim de 2005, quando os atuais contratos de concessão serão renovados por mais 20 anos, o que embolaria ainda mais o meio-de-campo.

Daí surge então uma excelente oportunidade para os nossos prezados especialistas em telecom redimirem-se perante os usuários pela barriga de 1997. Basta apenas que ajudem a tirar a proposta da CPI da Anatel da geladeira e dêem a ela o merecido destaque em seus futuros artigos, lembrando que consta da lista a assinatura do doutor Severino Cavalcanti entre os deputados que a apóiam. A transparência agradece.

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