Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A ‘webcatarse’ do cidadão desiludido

Pelo andar da carruagem, os blogs serão a grande atração da próxima campanha eleitoral, ano que vem. Isto ficou claro com a quantidade de comentários colocados por internautas nos blogs que tratam de temas políticos, principalmente os dos jornalistas Ricardo Noblat e Jorge Moreno.

Os brasileiros começam a descobrir os comentários em textos postados nos blogs como uma catarse política e uma ferramenta de participação bem mais cômoda e livre do que os tradicionais comícios, reuniões ou passeatas. É uma matéria-prima inédita para pesquisas de cientistas políticos e sociólogos – isto porque o ativismo político cibernético, no Brasil, ganhou um perfil diferente do dos Estados Unidos, cujo o povo mais usou a internet para fins políticos, até agora.

Lá existem muito mais blogs políticos do que aqui. É impossível saber quantos são, mas há uma lista de pelos menos 20 blogs norte-americanos considerados sérios pela regularidade das postagens, pela qualidade das informações e análises, e pelo currículo de seus responsáveis. Embora tenhamos por aqui vários comentaristas políticos que também têm blogs, Noblat e Moreno são os que levam o formato blog mais a sério.

Exclusão digital

Há duas outras grandes diferenças entre os blogs políticos brasileiros e os norte-americanos. Lá, eles usam muito pouco a ferramenta do comentário – especialmente os blogs conservadores, como o Instapundit – enquanto aqui ela é um acessório quase obrigatório. Além disso, a quantidade de comentários feitos por visitantes comuns aqui é muito maior do que lá.

Na quinta-feira (16/6), por exemplo, o blog de Ricardo Noblat recebeu 3.671 comentários para os 40 textos postados ao longo de 24 horas (O blog só ficou inativo entre as duas da madrugada e as sete da manhã). Dois dias antes, data do depoimento de Roberto Jefferson à Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, foram 3.961 comentários em 75 textos postados.

Uma avalancha de participação política se compararmos os dados com os comentários inseridos no blog norte-americano Daily Kos, de tendência liberal, um dos mais conceituados em matéria de informação política e também um dos raros a aceitar opiniões de leitores. No mesmo dia 16/6, o Daily Kos publicou 15 postagens e 1.835 comentários.

A comparação ganha um significado especial quando se sabe que a exclusão digital no Brasil é 28 vezes maior do que nos Estados Unidos. Lá, mais de 200 milhões de pessoas têm acesso regular à internet enquanto aqui pouco menos de 18 milhões podem fazer o mesmo [dados do Internet World Stats].

Ferramenta do barulho

No dia do depoimento de homem-bomba Roberto Jefferson, o blog de Ricardo Noblat recebeu 72.240 visitantes, recorde absoluto de visitas em toda sua história. Esses visitantes são em sua esmagadora maioria pessoas de classe média alta, porque quase 70% dos acessos a blogs são feitos a partir de conexão em banda larga, cujos preços são três vezes maiores, em média, ao da conexão discada. Segundo o Ibope, mais de 5,3 milhões de brasileiros têm acesso à banda larga.

A leitura por amostragem dos comentários colocados no blog de Ricardo Noblat mostra que a maioria não se prendeu ao texto postado e simplesmente procurou expressar a sua frustração e desilusão. O blog funcionou muito mais como um muro de lamentações do que como um fórum de discussão política e troca de idéias.

As opiniões contrárias ao governo Lula predominaram, incentivadas pelo criticismo de Noblat em relação ao PT. Já no blog de Jorge Moreno, hospedado no portal do jornal O Globo, os comentários são bem mais moderados, indicando um público com maior nível de informação política.

Sem acesso aos veículos de comunicação convencionais, a classe média está descobrindo a internet como uma ferramenta capaz de fazer muito barulho na política brasileira. É algo inédito no país em matéria de campanhas eleitorais e pode provocar muitas dores de cabeça aos políticos, pois eles não estão acostumados ao debate direto com internautas.

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Jornalista, autor do blog Código Aberto, neste Observatório