Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

A virtude de observar

Não é improvável que algum leitor, deparando-se com três artigos de um autor, numa mesma edição, considere o teor do presente escrito um texto ‘chapa-branca’. Tudo bem. Assumo o risco, em função da convicção de que nada me liga a este Observatório, a não ser a livre e isenta condição de simples (e secundário) colaborador. Isto posto, vou ao que, efetivamente, move a abordagem seguinte.

Se algo me motiva, há anos, escrever, com regularidade e gratuidade, para este veículo, é o fato de, afora a seriedade dos profissionais à frente do projeto, reconhecer, no OI, espaço tanto para pluralidade ideológica quanto diversidade temática, a despeito da obrigação de tudo convergir para a ação da mídia.

Para melhor traduzir a avaliação anterior, ilustro a edição anterior (457 – 30/10/2007), na qual figuram dois primorosos artigos sobre temas que a mídia oficial parece ignorar. A princípio, pensei em registrar comentários nos textos dos respectivos autores: Luciano Martins Costa (‘A praga dos googlectuais e wikieruditos‘) e José Rodrigues Filho (‘Voto eletrônico é banido na Holanda‘). Todavia, logo percebi que a necessidade de alongar reflexões não caberia nas limitações operacionais destinadas aos comentários, além do fato de o OI ter sido alvo do ‘ataque’ de hackers. As duas razões cruzadas, portanto, determinaram esta terceira inserção na presente edição.

Googlectuais e wikieruditos

Primeiramente, destaco a providencial observação crítica, pontuada pelo articulista Luciano Martins Costa, ao advertir quanto ao processo crescente de falsificação intelectual por tantos que, dispondo de acesso a ‘ferramentas tecnológicas’, se fazem passar pelo que não são. O tema me é sensível, considerando que havia escrito e publicado, neste Observatório, uma série de quatro artigos em torno do binômio ‘cultura e tecnologia’. Assim, o artigo de L.M.C. ampliou o que, em meus artigos, era preocupação embrionária.

Quem milita na esfera acadêmica sabe quanto o apoio de ‘ferramentas eletrônicas’ estimulam o estelionato intelectual. Quem orienta monografias, dissertações e teses sabe do alto risco que, no contexto brasileiro (e em escala mundial), a disponibilidade de tais fontes alimenta fracos espíritos.

Não foi menos importante o alerta do autor quanto à inserção de práticas fraudulentas em espaços geradores de opinião pública. Nesse sentido, se alguma contribuição possa dar, é a de o leitor perceber se as fontes mencionadas para efeito de qualquer sustentação argumentativa acerca do que pretenda afirmar vêm acompanhadas da devida autenticação editorial (editora, ano e, principalmente, o número da página da citação). O detalhe da paginação é importante, por saber-se que a edição da obra-livro não corresponde à formatação PDF, em geral disponível online. Não quer dizer, porém, que estará amaldiçoado aquele que, eventualmente, lance mão de e-book, desde que o tenha lido.

O que o artigo de L.M.C. alertou é para a ‘(in)cultura’ dos fraudadores. É uma pena que a mídia de alcance nacional despreze tão importante tema, ou seja, a proliferação – dentro e fora das universidades – de falsos agentes promotores de conhecimento cujas fontes não passam de horas em meio a sites do Google e, pior ainda, da inconfiável Wikipedia.

Sobre a urna eletrônica

A segunda (e não menos importante) contribuição adveio do escrito do pesquisador José Rodrigues Filho, no artigo ‘Voto eletrônico é banido na Holanda’. O assunto abordado consistentemente pelo autor expôs as fragilidades de um sistema que, desde a implantação pioneira no Brasil, causa mal-estar a uma infinidade de eleitores nacionais – ao menos aqueles que não se seduzem pela rapidez com que votam. Há muito tempo, aqui mesmo no OI, fiz comentário a respeito. Devo declarar que, desde a implantação do sistema eletrônico no Brasil, voto nulo. A atitude deriva do reconhecimento da inconfiabilidade total no sistema. Ele é tão prático para o eleitor quanto frágil a fraudes.

Infelizmente, trata-se de outro tema que a mídia oficial jamais dele se ocupou criticamente, embora, em democracias mais enraizadas, tal expediente não tenha logrado êxito. A importância do texto de J.R.F. reside, exatamente, em relatar a recusa de países de diferentes continentes quanto à adoção do sistema eletrônico, em detrimento do voto tradicional e material: o voto-cédula. A mídia brasileira, habituada a noticiar rapidamente a marcha das apurações, negligencia a alta probabilidade de fraudes.

Devo, por outro lado, esclarecer que a implementação do sistema se deu na gestão de Fernando Henrique Cardoso e consolidada nas eleições seguintes. O comentário serve para deixar claro que a fragilidade do sistema eletrônico terá servido a todas as facções partidárias. Minha expectativa crítica é que, ante a recusa de países expressivos na defesa da democracia ao uso de urnas eletrônicas, o exemplo sirva para urgente repensar sobre o que cada um de nós faz com seu voto, ao aplaudir o falso ‘eficiente’ sistema de votação. No mais, que os artigos de Luciano Martins Costa e José Rodrigues Filho tenham, na mídia nacional, a repercussão que merecem.

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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da Facha (Rio de Janeiro)