Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ação antitruste na UE pode alterar a cultura da empresa

A União Europeia escalou uma investigação antitruste de cinco anos sobre o Google Inc., apresentando formalmente acusações contra o gigante americano de buscas, em uma ação que pode resultar em multas bilionárias e restrições severas na forma como ele faz negócios na Europa.

O regulador de concorrência da UE também formalizou uma investigação sobre práticas de negócios do Google ligadas ao sistema operacional para celulares Android.

A decisão dos reguladores da Europa de apresentar acusações formais contra o Google por violar regras de concorrência pode levar a uma disputa de anos, obrigando a empresa a mudar suas práticas. Mas um exame da ação legal de peso mais recente movida pelo bloco europeu contra uma empresa de tecnologia de consumo supostamente dominante a Microsoft Corp. revela que o processo pode também ter um efeito duradouro em uma questão menos tangível: a cultura da empresa.

Quase 20 anos de uma disputa antitruste deixaram um grande impacto na Microsoft, dizem pessoas próximas à empresa. A contratação de uma legião de advogados e a adoção de um processo rigoroso para aprovar e elaborar produtos, entre outras coisas, fez com que a observância das leis e, segundo alguns, até conservadorismo se infiltrasse no DNA da companhia.

“A Microsoft tem agora uma mentalidade muito séria, não apenas antitruste, mas de cumprimento geral das leis”, diz Thomas Vinje, advogado antitruste que trabalhou contra a Microsoft durante o caso e agora trabalha para um grupo patrocinado pela Microsoft que vem desafiando o Google. “A companhia mudou em relação a esta questão.”

Algumas pessoas dentro e fora da Microsoft dizem que a mudança é para melhor, um sinal que a empresa se tornou mais madura e aceita suas obrigações legais. De fato, as autoridades europeias raramente têm se queixado da Microsoft, enquanto o Google e o Facebook estão sempre na mira dos reguladores.

Outros argumentam que a mudança deixou a Microsoft menos competitiva. A decisão de colocar advogados no processo de tomada de decisão sobre quais produtos comercializar não apenas tornou as coisas mais lentas mas dificultou o lançamento de produtos integrados que os usuários poderiam achar úteis, disse um ex-­funcionário.

Embora os detalhes dos casos do Google e da Microsoft sejam diferentes um é sobre reprodutores de mídia e servidores, enquanto o outro é sobre mecanismos de buscas e anúncios on­line eles permanecem atados a algumas queixas fundamentais. Nos dois casos, os críticos alegam que as empresas abusaram de uma posição dominante para impulsionar seus próprios serviços em detrimento dos rivais.

A News Corp., editora do The Wall Street Journal, se uniu, na terça-­feira [14/4], a um grupo de empresas que entrou com uma queixa formal contra as práticas de competição do Google junto à comissão, disse um porta-voz da News Corp., sem dar mais informações.

Os executivos do Google tentaram aprender com a experiência da Microsoft, segundo pessoas a par do assunto. A empresa trabalhou por quase cinco anos para fechar um acordo antes de a União Europeia decidir acusá­-la. A Microsoft, ao contrário, só começou a negociar um acordo depois de quatro anos e duas rodadas de acusações formais.

O Google, porém, também começou a fazer algumas das mesmas mudanças internas em resposta às mesmas questões regulatórias que a Microsoft. Em torno de 2007, quando questões antitruste começaram a surgir nos EUA, os advogados ficaram mais envolvidos nas decisões de produto antes do lançamento para evitar queixas antitruste, segundo pessoas a par do assunto. Por exemplo, a empresa vetou um projeto de começar a mostrar resultados de busca de contas pessoais do Gmail quando os usuários estivessem fazendo consultas na web porque os advogados ficaram preocupados com o potencial impacto antitruste de vincular a divisão de e­-mails à principal atividade de busca da empresa, disse uma das fontes.

Hoje, “o volume de preocupação [sobre o cumprimento das regras antitruste] é enorme”, diz uma pessoa próxima ao Google.

“Há certas coisas que você sabe que não pode fazer e que outras empresas podem”, diz Jean-­François Bellis, advogado que representa a Microsoft na UE. “Quando você recebe o rótulo de ‘posição dominante’, passa a ter regras que deve obedecer sempre que tiver um novo produto.”

É certo que tanto o Google quanto a Microsoft continuam lançando novos produtos e serviços. A Microsoft investiu em um assistente pessoal controlado por voz chamado Cortana e também revelou um novo HoloLens que permite que os usuários interajam com imagens holográficas.

O caso da Microsoft começou em 1998 quando a Sun Microsystems Inc. abriu uma queixa de “interoperabilidade” contra a empresa. A UE também fez queixas formais 18 meses depois, o que levou a uma batalha ferrenha, com o bloco ampliando suas queixas, adicionando mais tarde alegações de que a Microsoft agia injustamente ao incluir seu reprodutor de mídia em todos os computadores com o sistema operacional Windows.

Em 2004, a Microsoft pensou que havia fechado um acordo com o então diretor antitruste Mario Monti. O então diretor­-presidente Steve Ballmer foi a Bruxelas para ajudar a selar o acordo. Mas, em vez disso, Monti informou ao executivo que a comissão iria acusar formalmente a Microsoft de violar a lei, segundo fontes próximas à empresa.

A Microsoft entrou com um recurso na Justiça e brigou contra as multas subsequentes. Mas em 2007, quase uma década após o processo ter começado, a Microsoft perdeu o pedido de recurso. Em vez de ficar lutando na Justiça, a empresa decidiu tentar um acordo de paz. Ela retirou o pedido de recurso e mesmo quando tentou anular as multas mais tarde, ela adotou uma postura mais discreta, dizem os advogados.

“Em determinado ponto, você tem de decidir pagar e seguir em frente”, diz Georg Berrisch, advogado externo que trabalhou para a Microsoft no caso. “É muito difícil para alguém que sempre foi criticado na imprensa. Você só quer seguir adiante.”

A Microsoft foi multada em um total de 2,2 bilhões de euros (US$ 2,33 bilhões) na UE entre 2004 e 2013. Além disso, ela foi forçada a lançar uma versão especial do Windows e entregar a rivais milhares de páginas de especificações internas.

Alguns advogados questionam se as soluções que a EU aplicou tiveram muito efeito na Microsoft, já que poucas pessoas compraram aquela versão do Windows. Além disso, o mercado se aperfeiçoou, reduzindo a importância da Microsoft com a ascensão do browser Chrome, do Google.

O impacto cultural, contudo, deve ser duradouro. “Eles ainda acham que foram processados injustamente”, diz o advogado Vinje. “Mas agora entendem que, como empresa dominante, eles precisam seguir a lei.”

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Sam Schechner, Alistair Barr e Rolfe Winkler, do Wall Street Journal