Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Alvo de hackers em Pequim

Demorei a me dar conta da realidade – e dos meus receios.

Amigos e colegas vinham reclamando havia semanas que eu não respondera seus e- mails. Eu jurava que não os havia recebido. Meu programa de e-mail começou a entrar em pane quase diariamente. Mas foi apenas quando todos os meus contatos sumiram pela segunda vez que a desconfiança me levou a agir.

Pesquisei minhas configurações do Yahoo! e estremeci. As mensagens que chegavam estavam sendo encaminhadas a um endereço de e-mail que eu desconhecia, presumivelmente digitado por invasores. Eu tinha sido vítima de hackers.

Essa frase vem sendo repetida com frequência ultimamente em bate-papos on-line e jantares na China, onde dezenas de jornalistas estrangeiros descobriram invasões de suas contas de e-mail.

Diferentemente, porém, dos softwares que procuram extrair senhas de contas bancárias, esses ciberataques parecem ser inspirados pela velha e boa espionagem.

Pressões da segurança

Investigações recentes de ciberdetetives da Universidade de Toronto trouxeram à tona grupos de espionagem eletrônica que roubam documentos e correspondências de computadores em cem países. Foram detectados alguns padrões comuns: muitos dos ataques tiveram origem em computadores situados na China, e os espiões parecem ter predileção pelo Ministério da Defesa da Índia, por defensores dos direitos dos tibetanos, pelo dalai-lama e por jornalistas estrangeiros que cobrem China e Taiwan.

Embora os relatórios das investigações tenham tido o cuidado de não atribuir os incidentes aos chineses, não foi difícil discernir o que ficou implícito: alguém na China vem praticando vigilância high-tech e roubo de dados, e os alvos são pessoas vistas como inimigas do Estado. Se isso estiver acontecendo de fato, representa um novo capítulo na longa história das tentativas chinesas de controlar os jornalistas (hoje mais de 400) que vivem e trabalham na China.

Nart Villeneuve, pesquisador canadense que ajudou a analisar os ataques, incluindo uma mensagem de e-mail infecciosa criada para enganar os assistentes de jornalistas estrangeiros em Pequim, fez uma ressalva: disse que não há provas suficientes para atribuir os ataques a chineses, ou, pelo menos, ao governo chinês.

‘Os atacantes tendem a mascarar sua localização’, disse Villeneuve, investigador-chefe da SecDev.cyber, empresa de segurança na internet. ‘Por outro lado, vale se indagar quem tem tempo e interesse em gerar esse tipo de ataque com alvos certos.’

Aqueles de nós que vivemos e trabalhamos na China poderíamos ser perdoados por suspeitas que focam nossos anfitriões, ou, pelo menos, a multidão de chamados hackers patriotas que se sentem ofendidos com a cobertura que fazemos e empregam suas habilidades em informática para reagir.

Para falar com clareza, a situação dos jornalistas estrangeiros na China melhorou muito nos últimos anos. Mas há um viés inegavelmente contencioso em nosso relacionamento com a China, algo que tem suas raízes na história e na convicção de muitos chineses de que os jornalistas são espiões dotados da capacidade de escrever bem. Mesmo que tenha poucas provas disso, a maioria de nós já presume que terá suas conversas telefônicas monitoradas. Aprendemos a tirar os chips de nossos celulares quando temos encontros com dissidentes.

Frequentemente, no escritório, abaixamos a voz quando falamos de tópicos ‘politicamente delicados’.

Mesmo hoje, os grupos noticiosos ocidentais reclamam quando seus funcionários são convocados para sessões com funcionários de segurança que lhes fazem perguntas sobre as reportagens nas quais estão trabalhando.

‘Violada e revoltada’

A maioria dos jornalistas que trabalha na China hoje concordaria que os sinais externos de vigilância diminuíram muito. Alguns, porém, afirmam que o monitoramento se tornou mais sofisticado e sutil, o que nos traz de volta à onda recente de hacking.
Como o Yahoo! se nega a comentar a natureza dos incidentes, não está claro exatamente o que aconteceu. A empresa disse a algumas das vítimas que suas contas tinham sido invadidas, mas se negou a ser mais específica. Suas mensagens de e-mail foram lidas? Suas fontes foram postas em perigo? Eles não sabem.

Mesmo que não compreendamos inteiramente o que aconteceu, as invasões dos e- mails deixaram muitos jornalistas inseguros e nervosos. Uma repórter disse que se sentiu violada e revoltada ao descobrir que sua conta de e-mail estava comprometida.

‘Preocupo-me com meus amigos chineses que podem ter escrito coisas que podem vir a lamentar’, disse ela, pedindo anonimato. ‘Eu ficaria mais aliviada se tivessem apenas roubado os dados de meu cartão de crédito.’

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Do New York Times