Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As perguntas que precisam ser feitas

A atuação das empresas de comunicação social, em linha de princípio, não é considerada pelo homem comum assunto tão próximo quanto o são, por exemplo, a segurança pública e a saúde. Com efeito, estas tocam necessidades que o atingem num grau de concretude muito mais evidente do que aquela, que lhe parece mais remota. Para os que entendem necessário voltar a este tema os olhos, há outro a ele subjacente: o da “censura”, que toca uma dimensão extra-econômica da atividade de comunicação social, que é a de ser esta um dos principais veículos da liberdade de manifestação do pensamento.

E aí vão se colocando as perguntas: o que se entende por censura? Se como tal se entender qualquer atuação coercitiva sobre as empresas, teremos, necessariamente, de entender que as prerrogativas que a elas são asseguradas teriam caráter absolutista. E, neste caso, consideraríamos que nem mesmo os EUA, que já tinham a FCC funcionando a todo vapor (desde 1934) quando o Washington Post denunciou o caso Watergate, escapariam da acusação de perpetrarem censura.

Se, ao contrário, entendermos que não é “censura” toda atuação coercitiva sobre elas, mas sim determinados tipos de atuação coercitiva, teremos, necessariamente, de identificar quais são estes tipos e como eles se manifestam – isto é, qual a forma concreta para se configurar, efetivamente, a censura.

Sujeito ativo

Definido o que se entenda por censura, caberá identificar quem seria o possível sujeito ativo desta conduta que se mostra apta a cercear a liberdade de expressão e manifestação do pensamento. Seria somente o Poder Público? O titular do poder econômico privado poderia ou não poderia, eventualmente, exercer censura? Ou, se fosse no caso deste último, o que seria arbitrário por parte do Poder Público para ele não passaria, simplesmente, do exercício de um direito potestativo? Claro que a formulação da pergunta teria um antecedente, uma vez que, se nos meios acadêmicos não se questiona mais a existência do poder econômico privado, que pode ser objeto de uso regular, protegido pelo Direito, ou de abuso – este último, tratado como passível de repressão –, no senso comum ainda tenho ouvido algumas pessoas considerarem manifestação de hostilidade aos direitos naturais do indivíduo falar em um “poder econômico privado”, que se existe poder, só pode ser o do Estado, opressor por natureza, mas necessário para a proteção da propriedade e dos contratos.

E mais: quando se discute o problema do que configurar ou não como censura, emerge a questão de se identificar o titular do direito de liberdade de expressão e manifestação do pensamento. Porque tanto pode ele ser entendido como aberto a qualquer pessoa, quanto como condicionado às possibilidades de constituir empresa de comunicação social. Se ele for considerado como aberto a qualquer pessoa, pode ser oposto, inclusive, a titulares do poder econômico privado. Se for entendido como condicionado às possibilidades de constituir empresa de comunicação social, somente o Poder Público seria sujeito ativo da censura e falar em democratização da mídia só teria sentido em se tratando da negociação das ações das empresas que a exploram no mercado de capitais.

Todas estas questões, entretanto, vêm a assumir um caráter lateral a outras também relacionadas com o tema: qual é a natureza dos bens e serviços ofertados pelas empresas de comunicação social? Como se pode verificar a respectiva viabilidade econômica? Como elas se comportam enquanto instrumentos do poder econômico alheio? Como se exerce o poder econômico próprio de tais empresas?

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[Ricardo Antônio Lucas Camargo é advogado, Porto Alegre, RS]