Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Aventuras de um blogueiro acidental

No dia 8 de março de 2004, às 20h57, começava com um ‘Bem-vindos ao meu Blog’ a saga do jornalista Ricardo Noblat na internet. ‘Nunca tinha usado a internet extensivamente. No Correio Braziliense [jornal do qual foi editor-chefe], tinha uma secretária tão eficiente que chegava a imprimir meus emails. Nem isso eu fazia!’, diz.

Ricardo Noblat passou a maior parte da sua vida profissional em redações de jornais e revistas. Paradoxalmente, foi o trabalho com mídia impressa que o fez criar um blog . ‘Eu escrevia uma coluna dominical sobre política n’O Dia. E acontecia muito de apurar notas no começo da semana que envelheciam, não se sustentavam até domingo’, explica. ‘Comentei isso com o André Falcão, amigo e editor de O Dia. Foi ele quem sugeriu que eu colocasse essas notas num blog.’

Noblat achou que era brincadeira. ‘Perguntei ao Falcão: ‘Mas essa história de blog não é coisa de adolescente?’ Ele me explicou que não era bem assim, que nos Estados Unidos havia muitos blogs de notícias e coisa e tal’. Um trecho do segundo texto do blog do Noblat dá uma idéia do quão novo era aquele ambiente para ele. ‘Sou da época da velha e boa Olivetti nas redações. Meu avô me legou uma Royal 1934 – hastes de metal, tudo de metal, uma beleza. Funciona até hoje’.

Em 23 de abril deste ano, às 21h59, um novo ‘post’ (como os leitores de blogs chamam cada um dos textos publicados) mostrava quanta coisa mudou desde o remoto (para os padrões da internet) ‘bem-vindos…’ de mais de um ano atrás. Noblat respondia a um internauta que o perguntava se pensava em desistir. ‘Logo agora que o blog está às vésperas de ser reformado e de ganhar patrocínio? De jeito nenhum’.

Mas não foi sempre assim. Noblat já pensou, sim, em desistir. Em 4 de junho de 2004, às 18h58, ele informava aos freqüentadores de seu espaço na internet: ‘A coluna que há pouco mais de dois meses eu vinha publicando sempre aos domingos [no jornal O Dia], quero avisá-los de que ela deixou de existir. Na semana passada, mudou a direção do jornal. E ontem fui informado de que a coluna está cancelada. Este blog nasceu a partir da coluna. Sem a coluna será difícil mantê-lo. Era a coluna que me remunerava. Tenho de procurar emprego. E não está fácil. Espero reencontrá-los’.

‘A reação das pessoas foi imediata’, diz Noblat. O epitáfio de sua aventura eletrônica recebeu 38 comentários. Muitos desejando boa sorte ao colunista na sua busca por um novo posto. Alguns foram mais incisivos. Um leitor que identificou-se como Wilson ordenou: ‘Você é o único jornalista com quem nós, anônimos, podemos nos comunicar. Está proibido de acabar com o blog. Se vira para arranjar patrocínio’.

Padrão Ana Paula

A bronca do Wilson, relida hoje, parece uma premonição: Noblat conseguiu, o blog virou seu emprego. ‘Quando o blog fez um ano eu cheguei para o pessoal do iG e falei ‘estou fornecendo conteúdo para vocês e quero receber, senão vou para outro lugar’’, lembra. O iG não quis perder seu colunista e resolveu pagá-lo por mês, em um contrato que Noblat classifica como ‘razoável’. Questionado se o valor que ganha do portal de internet chega perto do padrão do salário da Ana Paula Padrão no SBT, após uma longa gargalhada ele deu uma pista: ‘Não chega a 10% disso’. No próprio blog, Noblat aposta que a mais nova contratada de Silvio Santos receberá no SBT 250 mil reais por mês.

Mas não é só do iG que virá o sustento de Noblat. O jornalista também pretende captar anúncios. Em 16 de março, um post começava a explicar: ‘Aos que me pedem notícias sobre a anunciada reforma do blog: ela ficou pronta. E acho que vocês gostarão. Foi concebida pela Digital Mediavox, empresa aqui de Brasília, comandada por Danielle Fonteles e Andriana Moya desde 2001. Levou em conta os resultados da pesquisa que no ano passado ouviu pouco mais de 300 freqüentadores do blog. Este espaço ficará mais rico em matéria de conteúdo. E se tornará mais fácil navegar’.

Sobre a data de estréia, Noblat informa que falta pouco. ‘Como trabalho só, ajudado por uma estudante de jornalismo, preciso de algum tempo para aprender a mexer com as novas ferramentas do blog. Estou indo muito bem e, com otimismo, acho que estrearemos ainda em maio’.

O novo blog terá um controle maior sobre comentários, uma rádio virtual, enquetes e a possibilidade de pesquisa no conteúdo. A ferramenta que possibilitará isso foi desenvolvida gratuitamente pela Digital. O trabalho será pago com uma comissão sobre a venda de anúncios na página. ‘Eles vão ficar com uma porcentagem do que conseguirem vender’, diz Noblat.

Jornais vs. internet

Um dia normal de trabalho de Ricardo Noblat começa por volta das 9h. ‘Levanto e vou ler os jornais. Assino seis deles. Mas raramente me trazem novidades. A maioria das notícias já vi no dia anterior. Claro, se houver algo importante, transcrevo e já comento em seguida. Aí começo a navegar pelos sites e dar meus telefonemas’.

O trabalho segue até pouco antes do Jornal Nacional. ‘Paro para assistir, e se tiver algo de importante volto para o blog’. Depois do jantar, Noblat retorna para a internet e olha os jornais do dia seguinte, que começam a ser publicados na web. ‘Agendo algumas coisas fixas, como colunas, a frase do dia, a música do dia, escrevo as últimas notas e vou dormir.’

No seu livro A arte de fazer um jornal diário, lançado antes do surgimento do blog [veja remissão abaixo], Noblat faz críticas ácidas a falta de competência dos jornais em atrair novos leitores. ‘Depois de um ano de blog vejo como é maior [do que supunha] o desafio que os jornais têm para enfrentar a concorrência.’ E há saída?. ‘Uma das saídas é aprofundar as notícias, apostar em assuntos próprios, construir a própria pauta, e não simplesmente reproduzir tudo o que está na internet e na televisão no dia anterior.’

Para Noblat, os jornais também enfrentam problemas que vão além do conteúdo. ‘A cultura do jovem hoje é muito diferente. A cada velhinho que morre o jornal perde um leitor, mas, na outra ponta, quando nasce uma criança, se eu tivesse que apostar, diria que ela não será uma leitora de jornal. Tenho três filhos, entre 20 e 25 anos. Eles têm dois jornalistas como pais. Nossa casa é cheia de jornais e revistas que eles não lêem. Não que eles não leiam. Fazem isso na internet, porque é muito mais atraente. A própria notícia analisada, aprofundada, você encontra na internet. Eu pergunto, entre ler sobre a segunda guerra num calhamaço de papel que suja suas mãos e só tem texto e fotos e ler na internet, com recursos de multimídia, qual você prefere?’

E o jornal, resistirá à ofensiva? ‘O jornal como o conhecemos hoje desaparecerá sim. Não digo que ele desaparecerá como meio, mas esse formato atual não vai durar para sempre.’

A ilha do blog

A maior audiência do blog de Noblat ocorreu dia 3 de março deste ano. Um post com o título ‘Sujou!!!!!!’ dizia que ‘o compositor Chico Buarque está ameaçado de morte. Ele está na capa das revistas Quem e Contigo! abraçando e beijando uma mulher dentro do mar de Leblon, no Rio de Janeiro. Ocorre que a felizarda é casada. O marido viu a foto e, para descontar sua raiva, quer pegar o Chico de toda maneira. Os amigos mais próximos de Chico tentam convencê-lo a sair de casa por questão de segurança’.

‘Alguém me contou quem era a morena que acompanhava Chico na capa das revistas. Fiquei sabendo da ameaça e a publiquei’, explica Noblat. O assunto trouxe mais de 51 mil visitantes únicos ao blog do colunista.

[Cada computador, ao conectar-se à internet, tem um identificador, um ‘número IP’. Há casos, como o de redes de computadores de empresas, em que várias máquinas compartilham o mesmo IP. Já em computadores que acessam a internet por meio da linha telefônica ou de planos mais simples de serviços de banda larga, a cada vez que se conecta o computador ganha um número IP diferente. Medidores de audiência na internet são capazes de identificar os números IP de cada computador que acessa a página. A soma de todos os IP’s diferentes que acessaram uma página é o número de visitantes únicos. Esse número não tem uma correspondência direta com o número de visitantes, mas é um caminho para se auferir a audiência de uma página.]

O risco pelo qual passava o medalhão da MPB alavancou a audiência do blog, fazendo com que, em março, o número de visitantes únicos chegasse a 239 mil, o maior até hoje. ‘Só comecei a medir a audiência do site a partir de outubro do ano passado. Começamos com 151 mil visitantes únicos; era um mês de eleição e, como o blog é essencialmente político, tivemos muitas visitas’, explica Noblat.

Em novembro e dezembro pouco mais de 100 mil pessoas visitaram o blog mensalmente. ‘Em janeiro, caímos para 87 mil. É um mês de férias e a audiência cai. Mas em fevereiro, que eu não tinha muitas expectativas, por causa do número menor de dias e do carnaval, tivemos mais de 127 mil visitantes’, diz.

Depois do pico de março, abril registrou quase 150 mil visitas e maio pode ser ainda melhor. ‘Até o dia 14 tínhamos mais de 136 mil visitantes únicos.’ Neste mês os dois assuntos que mais geraram interesse foram a separação do Ronaldinho – que rendeu mais de 29 mil visitas num só dia – e a contratação da Ana Paula Padrão pelo SBT. ‘No caso da Ana Paula, eu posso ter uma idéia melhor do impacto. Publiquei a nota às 20h07. Até ali, tinha pouco mais de 7 mil visitantes. Neste dia fechamos com quase 23 mil visitas.’

As celebridades são uma ótima isca para leitores. Atraem mais público do que, por exemplo, um especial sobre o período de internação de Tancredo Neves, em que Noblat, numa maratona de 24 horas ininterruptas, atualizou o blog como se estivesse em 1985, cobrindo a doença do mineiro eleito presidente da República [remissão abaixo].

Daí a dúvida: o foco vai mudar para celebridades? ‘O blog começou como um adendo de uma coluna de política. eu sempre tive o interesse de diversificar, sem perder a característica de ser um blog de Brasília, sobre os bastidores do poder’ explica. ‘Mas se eu fico sabendo de algo em primeira mão, como foi o caso do Chico Buarque, vou publicar e isto não quer dizer que teremos a ‘Ilha do Blog’’, brinca Noblat, em alusão à manjada Ilha de Caras.

Não há blogs no regimento

O fato de estar em Brasília, segundo o blogueiro, é fundamental para o seu trabalho. ‘Quando escrevi [uma coluna sobre política] no Jornal do Brasil, vi o desespero que é cobrir política fora da capital. Você consegue as coisas que todo mundo tem, mas informação que interessa, essa só te dizem olhando no olho. Tive uma dimensão do quando sofriam os jornalistas que ficavam no Sudeste.’

‘Quando mudaram a capital, o Castelinho [Carlos Castello Branco] mudou para cá. Já o Villas-Bôas Corrêa resolveu ficar no Rio. O Castelinho se deu melhor. Eram dois colunistas de excelente qualidade, mas estar aqui fez toda a diferença para Castelinho’, diz Noblat, exemplificando: ‘O blog começou a acontecer quando eu dei uma nota, na época da polêmica sobre a expulsão do correspondente do The New York Times [Larry Rohter]. Numa reunião da cúpula do governo disseram ao Lula que a Constituição não permitia a expulsão. Ele respondeu ‘Foda-se a Constituição’. Não dá para saber isso por telefone.’

A nota gerou repercussão, foi lida no plenário da Câmara dos Deputados. Mas isso não quer dizer que seja fácil ser um blogueiro cobrindo Brasília. ‘Fui almoçar com o Sarney outro dia, no meio do almoço ele vira e me pergunta: ‘Noblat, mas o que exatamente é um blog?’’. O jornalista continua: ‘Na eleição do Severino, por exemplo, eu fui ao Congresso com uma credencial vencida do tempo que trabalhava n’O Dia. Me deixaram entrar, já me conhecem de muito tempo. Depois disso, resolvi tirar uma credencial pelo blog. Mas não consigo. Não há, no regimento da Câmara e no do Senado, nenhuma especificação sobre o credenciamento de jornalistas que têm blogs. Pedem para que eu me cadastre por outro veículo qualquer, mas eu quero pelo blog’.

Na Presidência da República foi mais simples. ‘Na coletiva do Lula, liguei para o [André] Singer e disse que gostaria de estar lá. Ele foi muito solícito e no ato autorizou. Disse que eu seria seu convidado. Mas é claro que isso se deve ao fato de eu ser um jornalista conhecido, há muito tempo cobrindo o poder’.

Noblat encerrou a entrevista dizendo o que muda na sua carreira com essa nova experiência. ‘A linguagem é diferente. Ainda uso o que aprendi no jornal para escrever. Não sei direito o que é isso. Estou tentando descobrir. Mas está sendo ótimo aprender’.

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Subeditor de Política do DCI.