Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Carla Rodrigues

‘Desde que começou a se expandir na sua versão comercial, há pouco mais de 10 anos, a Internet tem sido classificada como um tipo de mídia, concorrente ou complementar, mas sempre comparada aos jornais, à televisão e ao rádio. No entanto, com suas inúmeras possibilidades de serviços como banco, shopping e pesquisa, a Internet é muito mais do que uma plataforma de distribuição de conteúdo. É o que o francês Dominique Wolton sustenta em ‘Internet, e depois? – uma teoria das novas mídias’ (232 páginas, R$ 34), um dos três bons lançamentos da editora Sulina sobre cibercultura. Sociólogo do Centro Nacional de Pesquisas da França, Wolton faz questão de não ser apocalíptico em relação às novas tecnologias, numa oposição evidente a seus conterrâneos Jean Baudrillard e Paul Virillio, ambos críticos ferozes da presença da tecnologia de informação na sociedade contemporânea.

O autor prefere chamar a rede de ‘sistema de informação’ por três razões fundamentais. Primeiro, pelas suas funções. Wolton lembra que a Internet agrupa tipos e estatutos diferentes de informação, e oferece inúmeras possibilidades de expressão, como fóruns e chats, coisa que jornais e TVs não fazem. Em segundo lugar, ele aponta a inserção social. Enquanto a grande imprensa é regulada por leis que remontam há mais de 50 anos, os códigos da tecnologia de informação ainda estão em construção. Por fim, a terceira diferença é o que ele chama de ‘falta de prestígio cultural’ do universo dos computadores. Com essas três distinções, Wolton é crítico sem ser virulento. Por isso, o melhor capítulo do seu livro trata do indivíduo diante das novas mídias. É coisa para fazer o leitor se identificar de imediato: ‘Milhares de indivíduos saem assim, celular à mão, correio eletrônico conectado e secretária eletrônica ligada como última medida de segurança. Como se tudo fosse urgente e importante, como se fosse morrer caso não pudesse ser encontrado a qualquer instante.’

Ainda que preste atenção na influência do celular como tecnologia de informação capaz de transformar completamente os hábitos sociais, Wolton é mais um dos autores que olha com mais atenção para a rede mundial de computadores do que para esses pequenos aparelhos tão enfiados na rotina que já passam despercebidos. É exatamente essa transparência da mudança radical que o telefone celular trouxe que faz dele uma tecnologia tão revolucionária. Ser encontrado em qualquer lugar, a qualquer tempo, independente do suporte físico de uma linha telefônica, foi certamente a inovação mais radical que as tecnologias de informação produziram nas últimas décadas. Não por acaso, a tão falada convergência das mídias já é realidade nos pequenos telefones que fotografam, enviam email e exibem vídeo, e ainda não conseguiu se materializar em equipamentos mais completos, como o computador ou a TV.

De qualquer modo, uma das grandes qualidades do livro de Wolton é a sua capacidade de expor um pensamento crítico sem ser obrigatoriamente contra. ‘Internet, e depois?’ preenche a lacuna de pensar a rede de computadores não exclusivamente de um ponto de vista – o de mais uma mídia – para refletir sobre sua ampla e cada vez maior presença na vida cotidiana.

O pós-sujeito

É na coletânea ‘Olhares sobre a cibercultura’ (231 páginas, R$ 23, organizado por André Lemos e Paulo Cunha) que está o artigo ‘Os diários íntimos na Internet e a crise da interioridade psicológica’, da antropóloga argentina Paula Sibilia. Formuladora de questões ligadas à tecnologia, ela se aventurou no maravilhoso mundo dos blogs para tratar das transformações da subjetividade em tempos de vida online. O primeiro mérito da autora é não depositar na tecnologia a ‘culpa’ das mudanças. Numa apropriada comparação entre as correspondência confessionais do século 18 e os diários online do século 21, Sibilia mostra como, há três séculos, o relato das experiências de vida através da escrita era um convite à introspecção, uma forma do sujeito mergulhar numa existência interior obscura e, ao mesmo tempo, marcada pela singuralidade da experiência individual. Os blogs são exatatamente o oposto disso: relatos públicos de vivências que pretendem expor essa ‘interioridade psicológica’ a que Sibilia se refere, para alcançar o bem supremo da pós-modernidade, a visibilidade.

‘Todas essas tendências de exposição da intimidade que proliferam hoje em dia vão de encontro e prometem satisfazer uma vontade geral do público: a avidez de bisbilhotar e ‘consumir’ vidas alheias’, diz Sibilia. Ela não atribui o fenômeno do interesse pela vida dos outros a um aprofundamento do narcisismo nem do voyeurismo – explicações encontradas diariamente no senso comum -, mas a um movimento de distância do modelo de subjetividade que ‘se desmancha e se altera de forma gradativa, porém veloz.’ É o que a autora chama de ‘espetacularização do eu’, que põe o sujeito em marcha pelo ‘reconhecimento nos olhos dos outros.’ Para explicar esse momento pós-subjetividade, Sibilia recorre a uma definição do psicanalista Benilton Bezerra Jr.: ‘Na cultura das sensações e do espetáculo, o mal-estar tende a se situar no campo da performance física ou mental que falha, muito mais do que numa interioridade enigmática que causa estranheza.’

A idéia de que a intimidade está em franco declínio foi detectada na pesquisa ‘Noites nômades – um perfil das jovens tribos urbanas’, de Maria Isabel Mendes de Almeida e de Kátia Tracy (Editora Rocco, 2003). Ao investigar o trânsito noturno dos jovens cariocas – que vão ‘para a night’ não como um lugar, mas como um tempo durante o qual os deslocamentos se impõem -, as duas pesquisadoras descobriram que o ambiente doméstico é o lugar do tédio. Estar dentro de casa é estar excluído do lugar onde ‘as coisas estão acontecendo.’ O que a juventude quer, a qualquer custo, é ‘estar lá’, pouco importa se o ‘estar’ será mutante ao longo de toda a noite. Por isso, são significativas as vezes em que estar em casa é associado com a ‘impossibilidade de rolar alguma coisa. Entre as atividades favoritas da garotada quando está em casa, as autoras identificaram os chats, forma de comunicação instantânea com a vida lá fora. Ou seja, no pós-sujeito, só há vida possível no mundo exterior.

Clamor pela ética

Se a subjetividade está em baixa, o mesmo não se pode dizer da ética. Em ‘Metamorfoses da cultura liberal’, do filósofo francês Gilles Lipovestsky (88 páginas, R$ 22) dedica o primeiro capítulo à ética. Pensador da pós-modernidade, ele defende a idéia de que, apesar do excesso de individualismo do nosso tempo, existe uma nova maneira de propor e exigir ética. Não mais um sacrifício a ser feito em nome do outro, a ética está revigorada. ‘Um grande número de homens e mulheres pensa que não há mais moral e que por toda parte avançam o cinismo, o egoísmo e a anarquia de valores. Contudo, ao mesmo tempo, a ética ganha, cada vez mais, as primeira páginas: nossa época vê multiplicarem-se os questionamentos éticos, as comissões de bioética, a luta contra a corrupção, a ética nos negócios, a filantropia, as ações humanitárias’, diz Lipovestsky. É exatamente essa aparente contradição que ele tenta explicar e, para isso, sustenta que o nosso tempo é o do pós-moralismo.

A definição é relativamente simples: a sociedade pós-moralista, segundo o autor, exalta mais os desejos do ego, a felicidade, o bem-estar individual, do que o ideal de abnegação. ‘Nossa cultura cotidiana desde os anos 1950 e 1960 não é mais dominada pelos grandes imperativos do dever sacrificial e difícil, mas pela felicidade, pelo sucesso pessoal, pelos direitos do indivíduo, não mais pelos seus deveres.’ O pensamento de Lipovestsky é instigante justamente pelo que traz de surpreendente: não nega as transformações da sociedade contemporânea, mas nem adere incondicionalmente ao céticos, nem celebra a nova ética como uma espécie de salvação aos tempos difíceis. Apenas tem a coragem de estabelecer distinções.

‘Por um lado, existe um declive, inegavelmente perigoso, que leva do individualismo ao ‘cada um por si’, ao culto do sucesso pessoal por qualquer meio, à negação dos valores morais, à delinqüência. Todos esses fenômenos se vinculam ao que chamo de ‘individualismo irresponsável’, equivalente ao niilismo, ao ‘depois de mim, o dilúvio’, reconhece o filósofo. Os exemplos enchem todos os dias as páginas dos jornais. Em contraposição, Lipovestsky identifica o que chama de ‘individualismo responsável’, e explica: ‘a tolerância, a ecologia, o respeito pelas crianças, a exigência de limites, o voluntariado, a luta contra a corrupção, as comissões de ética. O que faz sentido, hoje, não são mais os grandes projetos nem os grandes sacrifícios, mas o ideal de responsabilização humana, a ambição de fazer retroceder o individualismo irresponsável.’ Dependendo de que lado se está, parece tão animador ver Lipovestsky afirmar: ‘Não é verdade que o mundo neo-individualista seja equivalente de cinismo generalizado, de irresponsabilidade, de decadência geral dos valores.’

A coleção de livros sobre cibercultura é uma ponta importante do pensamento sobre comunicação e pós-modernidade. ‘Internet, e depois?’ chegou ao Brasil só três anos depois de lançado na França, ‘Olhares sobre a cibercultura’ reúne autores nacionais que, nas mais diversas disciplinas, estão dedicados à pensar o tema, e ‘Metamorfoses da cultura liberal’ é um pequeno livro de um grande filósofo. O selo dedicado à cibercultura é parte da estratégia do editor Luis Gomes para renovar a tracional editora gaúcha Sulina, que existe há 58 anos. É, digamos assim, a pós-Sulina, que começou a mudar em 2000, pós-fechamento da rede de lojas e da distribuidora, e hoje tem outros sócios e incorporou uma nova e importante agenda de temas.’



APARTE
Marcos Sá Corrêa

‘Contra a notícia de todo dia’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 7/04/04

‘Cansado de José Dirceu, Carlinhos Cachoeira, Zeca Pagodinho, João Pedro Stédile, Duda Mendonça, Waldomiro Diniz, José Albucacys e toda a trupe que atua diariamente no disse-me-disse dos jornais? Então anote o endereço de um lugar onde eles não entram: http://www.ie.ufrj.br/aparte/. É lá que está nascendo o ‘Aparte’, um site criado por economistas, sociólogos, antropólogos, geógrafos e pedagogos para escrever o que eles não conseguem ler no noticiário.

A página onde eles publicam seus artigos, comentários e trabalhos acadêmicos ainda está meio escondida na internet. Foi lançada sem qualquer publicidade em meados de março. Por enquanto, renova-se às segundas, quartas e sextas. Até o fim do mês, terá atualização diária. Ela passou por turbulências técnicas nas primeiras semanas de vida na rede. E ainda tem seções cujo título – ‘Polêmica’, por exemplo, ou ‘Cartas dos Leitores’ – leva a uma tela em branco, sob o aviso de que o espaço está ‘em construção ou aguardando o grupo enviar material’.

Não parece, mas é bom sinal. Quer dizer que é coisa de amador, que ali a equipe trabalha de graça. E que equipe. É um grupo de vinte e tantos professores, onde o nome deste colunista entrou de gaiato. Reuniu-se para trocar dúvidas e indignações em meados do ano passado, quando a popularidade inaugural do governo Lula caramelava qualquer discussão sobre problemas brasileiros numa grossa calda de conversa fiada. Foi ao ar logo depois do Carnaval, quando o crescimento negativo da economia em 2003 e o caso Waldomiro, embora tonteando todo o elenco de Brasília, nem por isso conseguiram alterar o enredo do espetáculo.

Em outras palavras – as próprias – ‘Aparte’ é ‘um site acadêmico, voltado para o debate sobre os rumos da política social brasileira e as formas de promoção da inclusão social’. Nasceu numa sala do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas é feito por ‘especialistas com distintas formações, pertencentes a instituições dentre as mais destacadas para debater questões cruciais da realidade brasileira’. E se anuncia também como ‘um esforço de diálogo com a imprensa, ampliando a participação das universidades e centros de pesquisa na formação da opinião pública do país’. Em suma, promete que ali ‘o leitor vai encontrar a opinião qualificada do mundo acadêmico sobre os assuntos em pauta, relatórios de pesquisa de maior fôlego, entrevistas e muito mais’.

Esse ‘muito mais’ é, por exemplo, um debate marcado para a segunda-feira, dia 19, 11 horas da manhã. Ele juntará em mesa-redonda, no velho prédio da Reitoria (Auditório Pedro Calmon, Avenida Pasteur, 250), em torno dos economistas Claudio Dedecca e João Sabóia, os interessados em saber até que ponto o aumento do salário mínimo – que, entra regime, sai regime, continua a gerar as mesmas manchetes no 1.o de maio – desarruma mesmo as contas nacionais.

Dedecca, da Unicamp, é autor de um estudo favorável a um sistema de correção permanente para o valor do salário mínimo. E, como colaborador do site, publicou ali um ensaio onde afirma que a geração de emprego, arma da campanha eleitoral de 2002 que disparou pela culatra em 2003, negará fogo em 2004, mesmo o governo atingindo sua meta de crescimento. Uma expansão de 3,5% no PIB, diz ele, ‘com um aumento da população brasileira de 1,7%, deverá permitir uma elevação de 2% da renda per capita em 2004. Esse mesmo crescimento deverá viabilizar um incremento máximo do emprego formal de 1,5% contra um crescimento da População Economicamente Ativa, ao redor, de 2,4%. Isto é, o crescimento do emprego formal será insuficiente para induzir uma redução do desemprego, necessitando-se, portanto, de um aumento do trabalho informal, geralmente observado em períodos de recuperação econômica’.

Quase tudo em Aparte soa como um contraponto ao noticiário vigente. Os jornais falam muito na tal herança maldita? O economista Márcio Pochmann, secretário doDesenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da prefeitura de São Paulo, conta que pelo menos naquela administração petista, deu para obter ‘resultados imediatos’ nas políticas sociais, baixando dramaticamente seus custos só pela arrumação da casa. Receita: ‘uma secretaria enxuta, com não mais de 70 funcionários’, evitando a contratação dos 7.000 servidores que seriam necessários para operar programas desarticulados. Com isso o gasto operacional, que em geral consome até 50% do dinheiro que os administradores públicos põem na conta da assistência ao pobre, caiu no município para ‘não mais que 6%’.

Por falar em soluções possíveis, a economista Lena Lavinas lembra que não é tão difícil quanto se pensa estender a cobertura da Previdência Social aos brasileiros que a retração do emprego expulsa do mercado formal. Basta criar um sistema flexível para a contribuição dos autônomos, sem excesso de prazos e multas, contando com a certeza estatística de que no Brasil gente humilde não tem o hábito de dar calote. E o economista Cláudio Salm bate forte na velha cantilena de que o Brasil não gasta pouco com programas sociais, gasta mal. ‘Vamos destinar uns cinco bilhões de reais ao Programa Fome Zero’, diz ele. Ou seja, cerca de ‘1% de nossa carga tributária’. Assim, como o próprio governo afirma que o Fome Zero se destina a atender pelo menos 22 milhões de famintos prioritários, no fim das contas sobram ‘dois pãezinhos’ por dia para cada boca.’