Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carta aberta aos presidenciáveis

Organizações da sociedade civil divulgaram carta com 21 reivindicações a ser endereçada a todos os candidatos à Presidência da República. O texto foi divulgado no último dia da 5ª Oficina para a Inclusão Digital, onde também foi acordada a formação de um Fórum Nacional de Inclusão Digital, primeiro passo para um futuro Conselho, que funcionaria nos moldes dos órgãos existentes em outras áreas, como o Conselho Nacional da Infância e Adolescência.

A Oficina para a Inclusão Digital reúne há cinco anos diversas ONGs, representantes de telecentros e de diferentes órgãos governamentais para discutir alternativas de acesso a novas tecnologias de comunicação e informação para a população brasileira. Este ano, o evento reuniu cerca de 200 participantes em Porto Alegre (RS).

A principal reivindicação dos assinantes da Carta de Porto Alegre é a elaboração, pelo próximo presidente, de uma política nacional de inclusão digital. ‘O Brasil precisa de uma política pública unificada que inclua a cidadania na sociedade da informação’, diz o texto.

A carta afirma que houve avanços no programa de inclusão digital, mas ainda pouco diante da necessidade do país. ‘Desde a realização da primeira Oficina (…), em 2001, podemos dizer que alcançamos pequenas metas que propusemos. Avanços se deram na construção do discurso e em algumas iniciativas’, diz o texto.

O documento traz 20 reivindicações, entre elas a adoção de software livre em todas as iniciativas governamentais, a adoção de uma política nacional de desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação e a criação de conselhos, com a participação de todos os setores sociais, para a administração de recursos como o do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que hoje possui cerca de R$ 4 bilhões.

O primeiro passo para que as demandas sejam atendidas foi dado com a formação do Fórum Nacional de Inclusão Digital. Ele deve ser composto por representantes de diversas organizações e conselhos gestores de telecentros de todo o país. Sua função será formular sugestões de políticas públicas e fortalecer associações locais para depois reivindicarem a formação e o reconhecimento, pelo governo federal, de um Conselho Nacional de Inclusão Digital. Este, por sua vez, opinaria sobre ações de Brasília nessa área.

Para os participantes da oficina, o fórum é uma antiga necessidade do movimento de telecentros e inclusão digital. Para eles, o órgão pode garantir a sustentabilidade política e a freqüência do intercâmbio entre as unidades. ‘Um conselho fez falta em São Paulo’, exemplifica Maurício Falavigna, da ONG Sampa.org e ex-participante da equipe que levou adiante o projeto dos telecentros do município de São Paulo. Segundo Falavigna, a ausência de um conselho enfraqueceu politicamente os telecentros quando houve mudança na administração – e essa preocupação está presente na Carta de Porto Alegre. O programa paulistano, no entanto, teve continuidade. ‘O mesmo processo está começando a acontecer em nível nacional, por isso precisamos formar logo um conselho deliberativo atuante em todo o país’, continua.

Para Ilton Freitas, coordenador do projeto de telecentros de Porto Alegre, o fórum precisa fazer reivindicações imediatas ao atual governo e ir além de recomendações. ‘É preciso construir uma entidade pretensiosa, que vá além do oferecimento de diretrizes’, alertou. Esse poder, no entanto, está ameaçado pela ausência de um movimento forte o suficiente para dar sustentação política ao fórum. É o que alerta Luiz Antônio Carvalho, consultor da Rits. Para ele, é preciso, antes de criar um conselho nacional, fortalecer os locais.

Na Câmara de Vereadores de São Paulo tramita atualmente um projeto de lei que institui um conselho municipal de telecentros, cuja composição seria paritária.

Papel das empresas

O texto exige uma ação mais forte do governo nas ações de combate à exclusão digital, área em que grandes empresas de informática têm investido bastante. Recentemente, as duas maiores fabricantes de processadores, a Intel e a AMD, anunciaram programas de venda de computadores de baixo custo em países em desenvolvimento. Durante a oficina, no entanto, houve muitos questionamentos em relação à capacidade do mercado para atender a demanda de áreas muito carentes e afastadas.

Para as ONGs, a iniciativa privada não é capaz de resolver essa questão. As empresas, porém, garantem que podem ao menos ajudar, desde que algumas mudanças aconteçam. ‘Depende do modelo de negócios adotado por cada empresa e sua atuação em cada localidade’, afirma Otto Stereatau, diretor de projetos da AMD, única empresa privada a participar da oficina. Para ele, o mercado é capaz de oferecer soluções para o problema da exclusão digital no país. ‘Basta o governo colaborar, promovendo, e não impondo, restrições à atividade empresarial’, reclama.

A crítica é direcionada ao programa Computador para Todos, do governo federal, que dá incentivos fiscais a empresas que ponham no mercado máquinas com configuração mínima estabelecida por Brasília. A AMD possui o PIC, computador equipado com menos memória (75 MB) do que a estabelecida pelo governo (128 MB), HD menor (10 GB contra 40 GB) e rodando sistema operacional Windows, quando o programa exige Linux, entre outras diferenças.

O diretor da AMD reconhece, porém, que sua empresa encontra dificuldades. O PIC deveria ter vendido 40 mil unidades por mês desde dezembro, de acordo com os planos da companhia. No entanto, até agora, apenas dez mil computadores foram comercializados. ‘Ficamos muito aquém do que planejamos’, lamenta. A culpa, segundo Stereatau, foi da falta de condições adequadas de financiamento. ‘Falta uma política empresarial e de governo para oferecer boas parcelas de pagamento à população sem travar livres iniciativas’, critica.

O programa Computador para Todos oferece empréstimos para lojas que vendam computadores que se encaixem nos seus requisitos. Os recursos vêm do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Software livre

Questão de honra para todas as entidades presentes, o uso de software livre também foi reivindicado. As organizações exigem que todos os programas de inclusão digital usem softwares de código livre e aberto. Para as entidades, eles são mais confiáveis, baratos e ainda trazem a possibilidade de melhoria colaborativa. A carta reconhece os esforços feitos pelas diferentes esferas do poder público na adoção desse tipo de aplicativo, mas faz ressalvas em relação ao tamanho das iniciativas: ‘O software livre foi compreendido por setores importantes do governo brasileiro como estratégia para a inclusão digital, para economia de recursos públicos e também como ponto de apoio para geração de trabalho e novas oportunidades para cidadãos, e para pequenas e médias empresas brasileiras. A inclusão digital está em ações pontuais do governo federal, mas com pouca integração entre os projetos em curso’.

Apesar de não ser polêmico na oficina, o uso de programas livres está longe de ser unanimidade fora dela. Recente pesquisa da Positivo, uma das maiores fabricantes de computadores do país, mostra que 75% dos compradores de máquinas do programa Computador para Todos, que exige o uso de sistema operacional Linux, migram para softwares proprietários em até três meses. Não foi divulgado se as cópias eram piratas ou autorizadas.

Outra questão levantada pela Carta de Porto Alegre foi a necessidade de fazer com que os projetos de inclusão digital estimulem a economia local e atividades de geração de renda, além de conhecimento. Entre as citações, propostas de adoção de ‘meta-reciclagem’, idéia adotada recentemente pelo governo do Estado de São Paulo em algumas de suas iniciativas. A meta-reciclagem é uma das formas de reaproveitar máquinas, maneira econômica de fazer inclusão digital. A Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento aproveitou para apresentar o primeiro Centro de Recondicionamento de Computadores, idéia anunciada na segunda Oficina para a Inclusão Digital, em 2004, mas que só agora teve sua primeira unidade inaugurada, em Porto Alegre. Ela usará máquinas descartadas pelo Banco do Brasil, entre outras empresas públicas. Estima-se que sejam recicladas cem máquinas por mês, com perspectiva de crescimento.

Houve ainda menções às questões de gênero e a um sistema brasileiro de TV digital que garanta a participação, a produção e a difusão de conteúdos livres pela sociedade civil.

Foi a primeira vez que a Oficina para a Inclusão Digital produziu um documento a ser entregue às autoridades. As outras edições aconteceram em Brasília (2001 e 2003), São Paulo (2004) e Rio de Janeiro (2005).

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Jornalista da Rede de Informações para o Terceiro Setor