Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Conteúdo e qualidade na televisão brasileira

A chamada baixaria na televisão brasileira não constitui um dado novo, já que ciclicamente a popularização dos conteúdos televisivos se acirra, decorrente da aceleração das dinâmicas de disputa por audiência. Recente é a reação da sociedade no combate à programação desrespeitosa com o ser humano, em sua dignidade e capacidade de raciocínio. Nessa reação, ainda tímida, mas existente, o Ministério Público tem exercido um papel fundamental, dando forma às demandas sociais, ao apresentar à Justiça pleitos reparadores das ações mais desrespeitosas das indústrias culturais.

O Brasil ainda tem muito a avançar em termos de mobilização social, principalmente quando o tema é comunicação, que, via de regra, conquista o público de tal forma que ele tem uma relação mais de admirador que de crítico. No entanto, é inegável que hoje já haja alguma pressão dos movimentos sociais, articulados com especialistas, contra a proliferação de violência, sexo, anomalias e outros elementos nesse mesmo sentido presentes na TV. Além do Ministério Público, o Ministério da Justiça tem esboçado cobranças contra a má qualidade da televisão, mas, como é praxe no Executivo, tem dificuldade em desafiar a mídia.

Há denúncias e ações impetradas contra o apresentador João Kleber (cujo espaço foi retirado do ar), o programa Domingo legal, as novelas da Globo e tantas outras atrações televisuais. Na essência, trata-se de uma luta pelo direito a uma televisão brasileira que respeite o povo, para isso tendo sido tomadas ações efetivas visando a mudança desse patamar que tenta captar o público a partir de referentes simplistas. Claro, esses movimentos isolados não resolvem o problema do televisual brasileiro, extremamente concentrado e carente de controle público sobre os processos midiáticos, mas podem servir de pressão para que o Estado se volte à regulamentação dessas questões, aí sim atacando a questão no seu âmago.

Primeiro passo

Para a expressão da sociedade frente ao posicionamento não raro arbitrário da mídia, a internet tem sido um mecanismo importante, como em outras áreas. Assim, o projeto Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, uma campanha da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em parceria com organizações sociais, conta como seu principal instrumento de diálogo com um sítio na web, onde os internautas podem fazer denúncias, sugestões, acessar a legislação de regulamentação televisiva e ler notícias relativas ao tema veiculadas na imprensa. Aqui se trata de uma iniciativa do poder público, mas que se desenvolve na interação com a sociedade civil.

Numa linha semelhante de fiscalização televisiva, essencialmente através da internet, está o site do Projeto Criança e Consumo, que objetiva a conscientização social do impacto da mídia e do marketing (crescente) no público infanto-juvenil. Também se volta à fiscalização da produção de TV, porém dando enfoque à publicidade e à propaganda, analisando quais delas ferem o Código de Defesa do Consumidor e quais estão em desacordo com as normas técnicas do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar). Além do controle interno, o site também conta com uma linha aberta para denuncias por e-mail e telefone.

A esses dois exemplos somam-se outros tantos, como das organizações Mídia da Paz e TVer. O importante é que a mobilização e a integração da sociedade civil e do setor público estão em andamento, utilizando-se de uma mídia relativamente nova como a internet para divulgar suas idéias e propor debates. Porém, é bom destacar que a internet é ainda muito restrita, ficando a discussão também pouco acessível. Mas o primeiro passo contra a baixaria e o abuso do meio televisivo foi dado. Dessa união da sociedade civil com o setor público têm surgido boas propostas e alguns atos concretos, restando muito a caminhar em direção a uma TV com mais qualidade de conteúdo, o que passa por medidas mais ousadas.

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Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA; graduando em Comunicação Social – Jornalismo da Unisinos