Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Convivências na internet, blogs e orkut

Sou defensor convicto de que a grande rede é a maior revolução na escrita desde Gutenberg, de que nem os mais ousados pensadores internéticos são capazes de mensurar as mudanças que a web provocará na sociedade do futuro, de que a web é uma ferramenta ‘do bem’ não obstante o mau uso que eventualmente se faz dela.

Dizer que a net só serve como instrumento da globalização, de interesses imperialistas e comerciais, ou para propagar pornografia, ocultar criminosos e servir a interesses escusos, é como acusar Einstein de ser o culpado pela construção da bomba atômica ou dizer que a televisão não passa de uma ferramenta de controle (e alienação) das massas.

Mesmo como defensor da grande rede (e até mesmo por isso) sou obrigado a questionar os rumos que a vejo tomar em determinados instantes de sua curta e vertiginosa história.

Então, falemos de duas das mais fortes tendências da atualidade: blogs e sites de relacionamento. Para tanto, pego carona em três artigos publicados recentemente neste Observatório.

Dois deles, assinados por Carlos Castilho (‘A mudança de comportamento dos leitores de blogs‘) e Claudio Weber Abramo (‘A irresponsabilidade de todos‘), abordam o universo dos blogs.

Castilho reflete sobre a transformação da rede (tendo nos blogs o principal meio para tanto) em um canal de comunicação pessoal à parte do controle de órgãos governamentais e dos veículos de comunicação licenciados. E, ainda, sobre o fenômeno do crescente desejo de ser ouvido a qualquer preço. Isso nos remete à obsessão de querer aparecer a qualquer custo, que nos remete ao culto à celebridade, que nos remete aos reality shows da vida e por aí vai.

Abramo, por sua vez, adverte para uma crise coletiva de irresponsabilidade, que encontra na falta de compromisso de grande parte dos blogueiros um terreno fértil para a semeadura de inverdades, meias-verdades e informações parciais que têm como objetivo único servir a interesses de grupos ou indivíduos e não à sociedade como um todo.

Juntando uma coisa e outra, percebemos que as linhas de raciocínio são convergentes (talvez até complementares). Se a internet tornou-se um meio que valoriza a liberdade de expressão de uma forma jamais vista, por outro lado transformou-se no pivô de uma crise (que extrapola os limites da própria rede) na qual aparecer e ser ouvido a qualquer preço são necessidades supremas dos indivíduos de uma nova sociedade emergente, que alguns chamam de sociedade da informação, mas que bem poderíamos apelidar de sociedade da Nova Babel Contemporânea ou algo assim.

Vida real

Fora da rede é assim também: todos precisam falar (falar muito, sobre si mesmos, suas próprias idéias, seus umbigos) e raramente estão dispostos a ouvir. O que vemos são tsunamis de informações diante dos quais somos incapazes de alguma articulação. Acabaremos afogados.

Falando sobre redes de relacionamento, especificamente sobre o Orkut – maior ícone deste tipo de portal – Edilton Siqueira (‘Efeito Katilce, primeiras impressões‘), também neste OI, tece comentários sobre os efeitos online da subida de Katilce Miranda ao palco do U2, num dos shows realizados pela banda, em São Paulo. Siqueira revela que, pouco depois do espetáculo, a página da moça beirava a marca de 1 milhão de recados (scraps), resultado de sua súbita ascensão ao status de celebridade por 15 minutos.

Grande parte daqueles que postaram recados achincalhava Katilce e seus amigos. Muitos outros pediam a atenção dos visitantes, aos berros, desesperados para serem ouvidos, para saírem do anonimato, ainda que por alguns poucos segundos, ainda que pela porta dos fundos. Siqueira observa ainda que ‘a velocidade com que o efeito Katilce propagou-se por uma rede fechada é assustadora’. É verdade: a turba movia-se no espaço virtual de forma semelhante às multidões enfurecidas (manipuladas ou não) no mundo real, que se movem de maneira idêntica aos rebanhos tangidos pelo homem ou por forças da natureza.

Seja em blogs ou em portais de relacionamento (vale também para o mundo real), o efeito é o mesmo: ‘ouça-me (leia-me) pelo amor de Deus!’; ‘veja-me (note-me), pelo amor de Satanás!’.

Tanto como profissional da área de comunicação, quanto como escritor, não estou disposto a pagar o preço para ser ouvido seja como for. Mas adoraria que as comunidades que povoam o espaço virtual, que produzem blogs e que atolam os sites de relacionamento me ouvissem.

A vida real acontece lá fora, não aqui na internet nem na telinha na TV. E para sermos ouvidos é preciso ouvir, pensar, falar com qualidade, em voz baixa, com calma e, acima de tudo, com muito conteúdo.

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Webwriter e roteirista multimídia