Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Crítica diária

23/08/07

O direito de saber

Um profundo debate sobre direito à privacidade e direito público à informação se abre hoje com o furo do Globo, sintetizado na manchete ‘Ministros do STF combinam e antecipam voto por e-mail’. Um repórter-fotográfico registrou a imagem da tela de computadores de ministros do Supremo Tribunal Federal na sessão que discutia a instauração de processo criminal contra os 40 acusados pelo mensalão. O jornal publicou o que os juízes escreviam e liam: mensagens tratando da denúncia e outros temas.

Relembro: ontem saiu na seção Painel, da Folha, uma nota intitulada ‘Online’. Dizia: ‘De tédio os membros do STF não morrerão durante as longas horas de sustentação oral dos advogados de defesa no julgamento do mensalão, que começa hoje. Segundo um conhecedor dos hábitos do tribunal, vários ministros vão passar o tempo navegando na internet’.

No domingo, ao informar a tendência de voto dos ministros em relação à denúncia contra o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, a Folha nomeou quatro a favor e quatro contra. Sobravam dois. O jornal escreveu: ‘A maior incerteza é em relação aos votos de Carmem Lúcia Rocha e Ricardo Lewandowski’ – os personagens centrais da cobertura do Globo.

Hoje, na reportagem ‘Governo espera justiça sem paixão, diz Dilma’ (pág. A6), a Folha contou: ‘Ontem, no primeiro dia do julgamento, ministros usaram a internet para consultas e para trocar mensagens. Durante as principais falas do ministro Joaquim Barbosa, relator, e do procurador-geral, autor da denúncia, ao menos dois ministros navegavam pela rede e conversavam virtualmente pelo sistema do STF. Depois de ler o relatório, Joaquim Barbosa dedicou-se a ler e escrever no laptop. E, já na fase da apresentação dos advogados, o próprio procurador também usava seu computador’. (Considero a edição São Paulo concluída às 23h51.)

Trecho da reportagem do Globo ‘Voto combinado na rede’: ‘A conversa [entre os ministros Carmem Lúcia e Lewandowski], que durou duas horas e foi captada pelas lentes dos fotógrafos que acompanhavam o julgamento […]’.

As imagens que vi hoje foram feitas apenas por um fotógrafo, Roberto Stuckert Filho, do jornal carioca. O relato introduz a hipótese de que outras publicações tenham tido acesso às conversas online, mas não quiseram veiculá-las.

Para concluir as, como diriam em juridiquês, preliminares, recordo que a primeira página e a pág. A4 da Folha de 27 de junho exibiram fotografias, feitas no plenário do Senado, de bilhete de Renan Calheiros para Arthur Virgílio. Aparentemente, sem autorização do remetente e do destinatário.

Aquela decisão editorial se assemelha à do Globo de revelar os ‘bilhetes eletrônicos’ dos magistrados.

Primeiras impressões sobre o furo do dia: as fotografias foram feitas em prédio público, com acesso público e em sessão pública. Há interesse público em conhecer as inclinações da Suprema Corte no julgamento e bastidores de episódios não esclarecidos, como a aposentadoria do ministro Sepúlveda Pertence. O repórter-fotógrafico não interceptou ilegalmente correspondência eletrônica nem se beneficiou de interceptação ilícita de autoria alheia. Ele cobriu um evento público e registrou o que era possível apurar – no caso, as informações mais relevantes do dia, a tendência de voto de alguns ministros. Cumpriu seu legítimo dever jornalístico.

O furo impõe uma série de discussões: o STF deve se pronunciar conforme o sentimento da ‘comunidade’ ou de acordo com a letra fria da lei?; a saída repentina de Sepúlveda Pertence foi uma operação política do governo, em tentativa de influir no eventual processo do mensalão?; como ocorrem as discussões sobre votos antes dos julgamentos?; quais são os grupos em um tribunal aparentemente dividido?; qual a influência dos assessores no voto dos ministros?

Os leitores ganharão se a Folha for transparente, publicando na edição de amanhã os fatos divulgados hoje pelo concorrente. Caso o jornal tenha optado por não publicar informações em seu poder (o Globo fala em ‘fotógrafos’), penso que é seu dever noticiar a decisão e seus motivos.

Primeira página

Na minha opinião, as três imagens de maior relevo jornalístico de ontem foram, por ordem: o julgamento no STF; a desocupação da Faculdade de Direito da USP; e a ‘Marcha das Margaridas’ (ainda que financiada com dinheiro público).

Não há foto de nenhum desses eventos na primeira página, dissociada dos fatos quentes da véspera.

Não considero a troca de beijos entre Lula e a ministra Nilcéa Freire, no discurso em ato com trabalhadoras rurais, como registro da ‘Marcha das Margaridas’ – cuja cobertura esteve aquém da importância da manifestação.

É o segundo dia consecutivo de imagens do presidente na capa do jornal. Título do texto-legenda de ontem: ‘Sujando as mãos’. De hoje: ‘Aquele afago’.

Acho que o jornal faz bem em dar as fotos (em primeira mão?) de Mônica Veloso na Playboy. Na edição de hoje, contudo, havia imagens bem mais importantes para a primeira página.

22/08/07

Escândalo de exportação

A reportagem ‘Empresas brasileiras têm atritos com Morales’ (pág. B8) conta que o órgão estatal da Bolívia equivalente do Dnit acusa a construtora brasileira Queiroz Galvão de ‘participar de um esquema para fraudar licitações no país’ (vizinho).

Três funcionários da estatal foram presos sob suspeita de favorecer a empreiteira. A empresa negou o envolvimento em fraudes.

O mais importante a Folha não informou: que acusações são essas? Que fraudes? Em que obras? Em que licitações e contratos?

Mais: há de fato indícios de armação ou, pelo contrário, os indícios são de que o governo local forja irregularidades para prejudicar a construtora?

O jornal previsível

Por mais que fosse um ‘registro histórico’, a manchete da edição Nacional é de uma previsibilidade avessa a uma das funções essenciais do jornal diário, contar as novidades: ‘STF começa julgamento do mensalão’. É o que se repetiu nos últimos dias.

A da edição São Paulo é melhor: ‘PF vê problemas na defesa de Renan’. Traz reportagem ausente da edição Nacional, concluída às 20h45.

Observação: ‘vê problemas’ é uma expressão jornalística fraca para constar de manchete, a não ser em declaração relevante de personagem ou instituição igualmente relevante.

Não era o caso, foi formulação do jornal.

TV pública, opinião e informação

O artigo em Tendências/Debates sobre a TV pública chama a atenção para o esquecimento do noticiário do jornal sobre a iminente instalação da rede.

É papel da Folha não apenas incentivar o debate nas páginas de opinião, mas cobrir a criação da TV pública (ou estatal) com espírito crítico e plural no espaço noticioso.

16 dias

No dia 4 foi publicado erro de informação no quadro ‘Quem é quem na família real’.

No dia 6 um leitor alertou o ombudsman.

No mesmo dia encaminhei a queixa à Redação.

Só hoje, 16 dias depois, o Erramos foi publicado.

Não basta corrigir. É preciso corrigir rápido. É direito do leitor e dever do jornal.

Folha versus Folha

O texto ‘Advogados de defesa dizem que procurador generaliza acusações’ (pág. A10) informa que o defensor de Roberto Jefferson afirmou que seu ‘cliente está saindo de uma cirurgia no olho, mas pode comparecer’ (à sessão do STF).

Logo abaixo se lê a nota ‘Ausência: operado de catarata no Rio, Jefferson não irá à sessão do STF’.

Se o jornal banca que o ex-deputado não irá, por que não esclarecer, emendando a declaração do advogado?

Para iniciados

A reportagem ‘Assembléia arquiva ação contra líder tucano’ (pág. A11) informa que o deputado Mauro Bragato foi ‘investigado pelo Ministério Público sob a suspeita de ter recebido dinheiro de uma empresa contratada para a construção de casas populares no Estado’.

A Folha não esclarece se ele recebeu ou se há indícios de ter recebido. Qual o valor que teria sido recebido? Quando? Qual é exatamente a suspeita? O que Bragato já disse especificamente sobre ela?

Só consegue entender o caso quem leu reportagens anteriores.

Todos contra a Anac

A reportagem de capa de Cotidiano, ‘CPI quebra sigilos de diretora da Anac’, afirma logo na abertura o que o título informa.

No segundo parágrafo, contudo, fala em ‘requerimento [que] pede a quebra dos sigilos’.

Afinal, a CPI quebrou os sigilos bancário, fiscal e telefônico de Denise Abreu ou pede para outro poder (a Justiça?) que os quebre?

Observação: é nítida a confluência de interesses políticos diversos para concentrar e mesmo limitar na Anac a responsabilidade pelo caos aéreo. A Folha faria bem se mantivesse o olhar vigilante em vários focos.

Tudo dá

Manchete da Folha no sábado 28 de julho: ‘Comando da Anac articula renúncia’. Os concorrentes foram pelo mesmo caminho.

Tudo o que se viu até agora foi o esforço dos dirigentes da agência para permanecer. E o empenho do governo para se livrar de pelo menos um deles.

Os fatos contradisseram a manchete, cuja chamada iniciava assim: ‘Os diretores da Agência Nacional de Aviação Civil articulam pedido de renúncia coletiva. A medida seria tomada na próxima semana’.

Zagueiros portugueses

Desconfio que Fernando Meira vá substituir Ricardo Carvalho no jogo de hoje da seleção portuguesa de futebol. A Folha cita um certo ‘Fernando Carvalho’ como zagueiro ausente.

Jabuti, critérios

A Folha informa que há 20 categorias no prêmio literário Jabuti, cujos vencedores foram anunciados ontem.

O jornal preferiu listar os três primeiros colocados de algumas categorias, em vez de privilegiar a relação dos 20 campeões.

Ou seja: o jornal contou quem foi o terceiro colocado da categoria ‘Arquitetura, Urbanismo, Fotografia, Comunicação e Artes’ em vez de dizer quem foi o primeiro em Ciências Humanas, Tradução ou Livro Infantil.

Pior, o quadro parcial com os vencedores repete muitas informações da reportagem, desperdiçando espaço.

Telefone

Leitor reafirma que o telefone da Rede Vida está errado na grade de programação televisiva. Liguei agora de manhã e ouvi que o número não existe.

Agora sim

A nota ‘Alma de release’ da crítica diária de ontem estava incompleta.

A reportagem ‘Kassab limita publicidade em teatros e cinemas’ de fato só contemplava a visão do governo municipal. Foi produzida pelo Agora e publicada pela Folha.

No Agora, contudo, foi exposto corretamente um contraponto, ‘Lei confunde comércio com cultura’, com críticas do ‘meio cultural’ à prefeitura.

A Folha ignorou os atingidos pela Lei Cidade Limpa, ao não veicular a retranca apurada e editada corretamente pelo Agora.

21/08/07

A pergunta que faltou

A Folha faz bem em publicar as opiniões de Fernando Henrique Cardoso sobre assuntos relevantes, como hoje, tratando do mensalão (‘Só julgamento põe fim ao caso, diz FHC’, pág. A10).

Mas faz mal quando não é crítica ao abordar o ex-presidente. Ele ‘lamentou que tenha demorado tanto (dois anos) para que o caso chegasse ao STF’. E acrescentou: ‘No Brasil, a Justiça é morosa’.

Por que o jornal não indagou o que o líder do PSDB pensa do desempenho do atual procurador-geral da República em comparação com o de um antecessor, indicado por FHC, que se notabilizou como ‘engavetador-geral da República’?

A dança das manchetes

A manchete da Folha, ‘Procuradores acusam 37 de desvios no mensalão’, não dá conta da novidade: o Ministério Público Federal anunciou ontem que protocolou cinco ações de improbidade administrativa. São cinco ações novas. A manchete, ao não explicitar, permite confusão com a denúncia criminal que será avaliada a partir de amanhã no STF. É preciso ler a chamada para entender. A manchete deveria se bastar para esclarecer.

A manchete do Estado, ‘MP acusa mensaleiros em novo processo’, tem o mérito de incluir o adjetivo ‘novo’. Mas trata como processo o que não é. Não há processo ainda, mas pedido do MPF para que haja.

A do Globo, ‘Ação pede a devolução de R$ 55 milhões do mensalão’, expõe o foco da iniciativa da Procuradoria da República, recuperar R$ 55 milhões supostamente desviados. Refere-se, porém, a uma ação, quando são cinco.

Minha opinião é de que a Folha formulou a manchete mais fraca, dando a impressão de ser frio o que é quente.

Susto em Okinawa

A fotografia dos passageiros correndo para longe do avião que explode no aeroporto japonês de Okinawa está nas primeiras páginas de Globo, Estado, Correio Braziliense, Estado de Minas, O Dia e muitos outros jornais brasileiros.

A Folha não publicou nem na capa nem dentro. Ontem, uma outra foto do acidente, muito longe da dramaticidade da vista hoje, saiu, pequena, em Mundo (imagino que tenha chegado pouco antes da conclusão da edição).

Penso que o jornal, mesmo sem reservar destaque na primeira página, deveria ter publicado a imagem impactante hoje, acompanhada de relato sobre o enorme susto de passageiros e tripulantes, que conseguiram escapar do avião pouco antes da explosão.

Acidentes aeronáuticos são tema próximo dos leitores brasileiros, mesmo ocorrendo do outro lado do planeta.

No jornalismo, a proximidade muitas vezes não tem nada a ver com geografia.

Os leitores da Folha ficaram sem uma ‘boa história’.

Para iniciados

Abertura de chamada na primeira página (‘Em dia menos tenso, mercados fecham em alta’): ‘A fraca agenda de eventos econômicos permitiu um dia menos tenso no mercado global e fez as principais Bolsas fecharem em alta’.

‘Fraca agenda de eventos econômicos’? O que é isso? Exigiria explicação, que não consta da chamada.

E daí?

Título na pág. A4 que chama para reportagem na pág. A6: ‘Procurador vê indícios de crime no mensalão’.

Notícia seria se não visse, já que denunciou 40 pessoas. Denunciar considerando não haver indícios, se não fosse crime ou irregularidade, seria no mínimo estranho.

As novas ações

Observações sobre a reportagem ‘Procuradoria cita 37 por improbidade no mensalão’ (pág. A4).

A linha-fina se refere ao ‘Ministério Público do DF’. Está errada. É o Ministério Público Federal, no DF.

Há referência a dois acusados que são ‘corretores’. Corretores de quê? De valores, de imóveis? O leitor não é obrigado a saber.

O título do quadro é ‘Nova ação do Ministério Público’. São cinco.

Um problema de fundo, o mais importante: não cabe ao jornal apenas divulgar as iniciativas do Ministério Público. Cabe reportá-las com espírito crítico. É preciso responder, o que não foi feito hoje, por que o MPF protocolou as ações às vésperas de o STF decidir se abre processo criminal contra os denunciados pelo mensalão. Foi para pressionar a corte?

E daí? (2)

Título do alto da pág. A6: ‘Indícios são ‘suficientes’, reitera procurador-geral’. Surpresa seria o procurador dizer que acusou 40 pessoas sem indícios ‘suficientes’.

A reportagem tem uma qualidade que deveria inspirar o jornal: explicar como funciona a Justiça. Pena que se perdeu abaixo de declarações protocolares do chefe do MPF. Ficou uma dúvida: quando haverá prescrição? Não basta explicar o que ela é, mas informar sobre o caso em questão.

Faltou transparência à Folha para reconhecer que seu texto principal de Brasil no domingo se enquadra entre os criticados em nota do Supremo, segundo o qual ‘a tentativa de antecipar o voto dos ministros é especulação gratuita, sem base em fatos reais’. Aguardemos os ‘fatos reais’.

O quadro ‘Após a denúncia’ diz: ‘Condenação – Após a condenação, o acusado pode recorrer na 2ª instância. Depois, ainda pode recorrer no STF, se a constitucionalidade é discutível’. O jornal deveria tomar cuidado com o ‘piloto automático’. Esse roteiro não vale para um julgamento que se desenrola exclusivamente no STF, devido ao foro privilegiado.

Sem padronização

É detalhe do detalhe, mas não custa o jornal padronizar a grafia do prenome do procurador-geral da República, que tanto será citado nos próximos dias: ‘Anto(ô)nio’ leva ou não acento?

Collor e o lugar-comum

Há dois modelos de apuração no jornal de hoje. Ao contar como é a atuação de deputados petistas denunciados pelo mensalão, informou-se o total de sessões da Câmara e quantas tiveram a presença deles. Perfeito.

Já no texto sobre a licença do senador Fernando Collor (pág. A13) a informação é de que ele ‘não tem sido visto na Casa’ (Senado). Sou mais o jornalismo de precisão da reportagem sobre os deputados.

Quantas sessões houve no Senado nessa legislatura, o ex-presidente compareceu a quantas?

O texto afirma que ‘Collor voltou à vida pública neste ano’. ‘Vida pública’ é um clichê que, na minha opinião, um jornal de qualidade deveria evitar. Para além do mau gosto, a informação está errada. Foi neste ano que Collor voltou a Brasília. Antes, até disputou eleição para governador em Alagoas (perdeu para Ronaldo Lessa).

Tudo bem que Brasília é a capital, mas consta que também há ‘vida pública’ longe dali.

Violência sem explicação

Texto-legenda na pág. B5 mostra confronto entre seguranças e sindicalistas em frente à Cosipa. O sindicato protestava ‘contra a violência’. Que violência? Dos seguranças? No Brasil? O jornal não informou.

As causas do acidente

Há uma informação importante que saiu abaixo da dobra da capa de Cotidiano: ‘Piloto da TAM admite ter feito procedimento não-recomendado’.

Uma das ‘caixas-pretas’ da tragédia de Congonhas é o treinamento dos pilotos da TAM. Se um comandante se sente à vontade para desobedecer às orientações do fabricante sobre pouso com reversor/reverso inativo, como devem ter sido seus períodos de instrução?

Sem padronização (2)

Mais de um mês depois do acidente com o Airbus da TAM, a despeito de apelos do autor desta crítica diária, a Folha ainda não padronizou: usa tanto reverso como reversor.

A ordem dos fatores

Diz o título de nota na pág. C4: ‘Trem atinge carro de deputado federal’. Texto: ‘O Bora de Cláudio Diaz bateu em um trem ontem, entre Rio Grande e Pelotas’. Afinal, quem bateu em quem? A diferença valeu três vidas.

Alma de release

O texto no alto da pág. C5 (‘Kassab limita publicidade em teatros e cinemas’) não é muito diferente do que seria um release de divulgação da Prefeitura de São Paulo.

Não se ouviu nenhum empresário do ramo das artes, nenhum freqüentador de cinema ou teatro. Só o governo municipal.

A Folha preconiza um jornalismo crítico.

A Folha não viu o MST

Globo e Estado contam (e provam com imagem) que dezenas de militantes do MST estão entre os invasores de uma unidade da UFRJ no centro do Rio. A Folha dá a entender que só havia estudantes (‘200 estudantes invadem federal do Rio de Janeiro’, pág. C7). O título é dúbio: não esclarece qual é a universidade, já que há mais de uma federal no RJ. Poderia informar (UFRJ) usando menos espaço. A Folha fala em 200, o Globo em 100, o Estado em 40 manifestantes.

Fundo do poço

A nota ‘Fundo do poço 2’ (pág. E6) diz que o SBT, com o programa de Adriane Galisteu, só ficou ‘atrás’ da Gazeta. Não seria ‘à frente’?

20/08/07

Jornalismo bipolar e homossexualidade – Primeiras anotações

A Folha dominical publicou em Tendências/Debates um artigo do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, sobre homofobia (‘A igualdade é colorida’). Abertura: ‘São 18 milhões de cidadãos considerados de segunda categoria: pagam impostos, votam, sujeitam-se a normas legais, mas, ainda assim, são vítimas de preconceitos, discriminações, insultos e chacotas’.

Um bem-vindo contraste com a sentença no caso Richarlyson, na qual um magistrado escreveu que ‘futebol é jogo viril, varonil, não homossexual’.

Foi a Folha que revelou a decisão judicial e se pronunciou sobre ela.

Pois ontem a Revista da Folha divulgou o resultado de pesquisa DataFolha na cidade de São Paulo, com opinião sobre 11 profissões/funções a serem eventualmente ocupadas por homossexual: ‘Um homossexual pode ou não ser…?’, indagou o instituto.

A reportagem foi acompanhada por 11 ilustrações que se enquadram na ‘chacota’ a que se referiu o ministro no caderno Brasil. O ‘jogador de futebol profissional’ gay está pelado, cheio de afetação, com o traseiro apoiado na bola. Pastor, padre, militar, presidente da República, professor – em todas as situações há caras e bocas que mais parecem saídas de programas popularescos de TV. Só faltou um chicotinho.

São desenhos que reforçam a discriminação. Para muitos leitores que me procuraram, são insultuosos.

O politicamente correto é um dos fenômenos/patrulhas mais desagradáveis da dita contemporaneidade. Mas desqualificar críticas rebaixando-as a ‘politicamente corretas’ muitas vezes é uma tentativa de fazer de escudo o que é a lança do preconceito.

Boa parte dos gays não se enquadra no estereótipo impresso na Revista da Folha – cuja tradição de tolerância e diversidade inclui uma coluna intitulada GLS.

São extremos: jornalismo avesso à homofobia, jornalismo capaz de reproduzir aberrações e lugares-comuns homofóbicos. No mesmo jornal.

Leitores e leitores

A tiragem da Revista da Folha ontem foi de 190.164 exemplares. A do jornal, 385.897. Como se sabe, cerca de metade dos leitores não recebe a Revista da Folha, distribuída para a cidade de São Paulo e adjacências. Pois metade do leitorado não teve acesso à pesquisa DataFolha relativa à homossexualidade. Nem aos números sobre preferências clubísticas de futebol na capital paulista.

Essas informações (ou parcela delas; as clubísticas estariam mais bem situadas em Esporte) deveriam ter sido divulgadas no caderno Cotidiano da edição Nacional, que preferiu sair com extrato da reportagem de capa da revista, sobre a produção caseira de pães.

Manchete encardida

Edição mais nobre da semana, com maiores tiragem e ambição jornalística, a de domingo trouxe uma manchete sem novidade, que já havia sido explicitada ou sugerida nos dias anteriores: ‘Crise diminui otimismo e ameaça investimentos’.

A manchete expressa opinião – declarações de empresários e economistas sobre os rumos da crise mundial e suas conseqüências no Brasil. Dificilmente um painel assim rende manchete forte.

Compreendo que a gravidade da turbulência indicasse destaque ao assunto. Mas, quando faltam informações relevantes, soa artificial manchetar pelo tema, sem âncora informativa de apelo.

Não faltava uma boa – e melhor, na minha opinião– opção: a vasta reportagem sobre os denunciados no mensalão (a partir da quarta, o STF avalia se abre ação penal contra eles).

Difícil extrair manchete desse material? Eis o início do texto da pág. A4, que não foi citado na primeira página: ‘Em um julgamento histórico, o STF (Supremo Tribunal Federal) deverá abrir nesta semana a ação penal do mensalão, inclusive em relação ao ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, embora ele tenha mais chances que os outros 39 denunciados de capitanear [sic] votos a seu favor’.

Vasta reportagem

A Folha publicou a melhor reportagem sobre a iminência de abertura de processo contra parte ou todos os denunciados pelo mensalão.

Foram sete altos de página.

Parafraseando um candidato derrotado em 2006, editar é fazer escolhas. O jornal fez isso no domingo: em vez de picotar as páginas políticas com um sem-número de assuntos, tratando-os superficialmente, escolheu um, para oferecer cobertura de qualidade. O resultado foi bom, a despeito de problemas citados em notas a seguir.

Reportagem-pauta

Por mais informativas que as reportagem sejam, elas ressaltam o desconhecimento que se mantém sobre as atividade de protagonistas da denúncia do mensalão: para quem trabalha José Dirceu, do que vive Delúbio Soares etc.

A maior limitação do material de domingo foi a ausência de novidades de impacto.

Faltou a gênese tucana

Omissão: faltou contar a história da gênese do valerioduto, o esquema tucano em MG (a edição de segunda-feira resolve, parcialmente, a omissão).

Reportagem é texto e imagem

O enviado da Agência Folha a Buriti Alegre (GO) viu o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares em cima de um palco, ao lado do governador de Goiás, vestindo uma camisa da seleção brasileira. Uma senhora imagem – que talvez dissesse mais sobre o país e a vida que levam os denunciados do mensalão que muitos textos juntos.

Imagem que não foi vista… A fotografia publicada é de Delúbio de terno, em abril.

A ‘absolvição’ de José Dirceu

O texto ‘STF decide se ‘quadrilha’ do mensalão vai a julgamento’ (pág. A4) diz que, ‘na cúpula do governo, avalia-se que Dirceu pode ser absolvido’.

Pelo contexto, há impressão de que nos próximos dias o Supremo vai julgar Dirceu e os outros 39 denunciados.

Nada disso: apenas decidirá se acata a denúncia e abre processo. Não fará juízo de valor sobre o mérito das acusações. Não condenará nem absolverá.

‘Processo midiático terrorista’

O jornal faz bem em publicar um outro lado amplo (‘Denúncia foi açodada e não há provas, dizem acusados’, pág. A12).

Salvo engano, contudo, o texto não esclarece que defesa prévia afirmou ser o denunciado vítima de ‘processo midiático terrorista’. Faltou dizer.

Má vontade

Não identifico importância jornalística no título ‘Ex-homem-bomba, Jefferson defende um acusado de homicídio’ (pág. A11).

E daí? Se o ex-deputado é advogado criminalista, nada mais natural do que defender… acusados de homicídio.

É a mesma pessoa?

Segundo o Globo de domingo, Fernanda Karina Somaggio dá aulas de ciências políticas em uma faculdade de Varginha (MG), onde vive com o marido e o filho.

De acordo com a Folha, que a entrevistou e fotografou, ela se separou, passou a usar o nome Fernanda Karina Ramos, mora em São Paulo, longe do filho, e trabalha em uma agência de marketing.

A falta que o DataFolha faz

Segundo vários jornais no sábado, os organizadores do Cansei estimaram em 5.000 os participantes do ato da véspera na praça da Sé.

De acordo com a Folha, a PM afirmou que eram 2.000 os manifestantes.

Para o Estado, um coronel da PM cravou 5.000, e a assessoria do comando da corporação, de 1.000 a 1.500.

No Globo, a PM falou em 1.500.

A Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, conforme a IstoÉ, calculou 4.000.

Hoje, a Folha informa que 5.000 pessoas se reuniram ontem no Ibirapuera para um evento de ioga. Ignorando todas as orientações do Manual da Redação e a tradição do jornal, não diz quem é o autor da estimativa (os organizadores, a polícia, o repórter).

Já o Estado afirma que eram 10 mil, também sem apontar a fonte.

Domingueira

O melhor da Folha no domingo, na minha opinião, foram os quadrinhos sobre a guerra no Iraque, de autoria de Joe Sacco, no Mais!.

Tradução

Título do alto da pág. B14 do sábado: ‘Mutuários dos EUA já devem mais do que emprestaram’.

O texto, tradução de reportagem do Financial Times, diz que uma família ‘emprestou’ US$ 326 mil.

Parece estar errado: a família tomou o empréstimo; foi uma financeira que emprestou.

Gol é detalhe

Um texto-legenda no sábado mostra as seleções de futebol de praia da Suíça e do Brasil, na inauguração de quadra em Zurique (‘Festa no interior’, pág. D1).

Fiquei curioso para saber quanto foi a partida. O jornal, infelizmente, não informou o placar.

Jornalismo enxaqueca

Informação valiosa que consta de texto na pág. D4 de hoje: ‘O Parapan foi um sucesso esportivo para o país e de público’.

Título: ‘Protesto fecha o Parapan no Rio’.

Linha-fina: ‘Cadeirantes e ex-atletas são barrados da festa de encerramento na Vila e criticam organizadores’.

Lupa: ‘Com faixas, cerca de 30 manifestantes reclamam da ausência de público; para Co-Rio, evento era apenas ‘congraçamento de atletas’’.

Título de subretranca: ‘Relatório aponta falha nas arenas’.

Ou seja, a Folha não destacou nada de bom (incluindo o primeiro lugar do Brasil no quadro de medalhas), só problemas. O jornalismo não é parcial apenas quando é a favor, mas também quando quer ser contra.

O espectro da Escola Base

O que faz na Folha de hoje fotografia do padrasto da menina de 12 anos que morreu e da de cinco anos que está internada? Elas podem ter sido vítimas de um vazamento de gás em hotel do Rio. Por que publicar a foto do padrasto? Ele é suspeito de homicídio intencional ou sem querer? Ainda que fosse, o jornal deveria divulgar sua imagem?’