Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Debate, só na internet

Como ficam os leitores de jornais quando uma notícia provoca indignação? Podem, no máximo, escrever ao jornal ou revista que divulgou o fato e torcer para que sua carta seja publicada sem cortes. Era assim, até o surgimento da internet. Hoje, como está sendo muito bem ilustrado pelo episódio da censura pública à psicóloga que promete ‘curar’ a homossexualidade, os leitores têm onde se manifestar. Fazem isso sem censura e com a tranquilidade de poderem preservar sua identidade. Embora os sites tenham a identificação do leitor (por meio do seu endereço eletrônico), o nome pode ser substituído por um pseudônimo.

E foi o que aconteceu no caso da psicóloga. No mesmo dia em que divulgou a notícia, o portal UOL publicou 383 comentários de leitores – a favor ou contra a decisão do Conselho de Psicologia de punir a profissional. Jornal algum, a menos que decidisse fazer um especial sobre o assunto, teria espaço para divulgar tudo. Mas os jornais poderiam, ao menos, ter sensibilidade para usar a internet para perceber os assuntos que realmente mobilizam os leitores – e usar isso a seu favor.

‘Decisão é uma vitória’

A notícia que motivou tantos comentários foi esta:

‘O Conselho Federal de Psicologia (CFP) decidiu, nesta sexta-feira (31/7), aplicar uma censura pública à carioca Rozângela Alves Justino, psicóloga, que oferecia terapia para curar o homossexualismo. Ela já havia sido condenada à censura pública no Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro em 2007. Resolução do CFP de 1999 proíbe os psicólogos de tratar a homossexualidade como doença, distúrbio ou perversão e de oferecer qualquer tipo de tratamento.

A terapeuta estava sujeita à suspensão do exercício profissional por 30 dias ou, até mesmo, à cassação do registro. Entretanto, os conselheiros decidiram, por unanimidade, que a censura pública era a medida mais adequada no caso. O advogado Paulo Fernando, contratado pela psicóloga, disse que vai recorrer na Justiça Federal contra a decisão do CFP. Para Toni Reis, presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais), `a decisão é uma vitória´, ainda que parcial. `Foi cumprido o código de ética da profissão´, disse.

A ABGLT também fez representação junto ao conselho de ética do CRP do Rio, requerendo a cassação do registro de Rozângela. `Precisamos que essa senhora pare de atuar. Já temos, inclusive, notícias de outros profissionais que têm atuado de mesma forma que ela, principalmente ligados a religiões´, apontou Igo Martini, presidente do Centro Paranaense de Cidadania, um das entidades filiadas a ABGLT.’ (UOL, 31/7/2009)

‘Santa Inquisição para heterossexuais’

De diferente, os jornais acrescentaram:

‘Evangélica, Rozângela havia sido punida com censura pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio (CRP-RJ), onde é registrada. Ainda assim, confirmou ontem que pretende continuar com o trabalho. A censura pública é o terceiro grau de punição a um profissional. Mais graves são a suspensão por 30 dias ou mais e a cassação do registro. Apesar de ter violado a resolução da entidade de que a homossexualidade `não constitui doença nem distúrbio nem perversão´, o presidente do Conselho, Humberto Verona, explicou que a entidade não poderia ter agravado a pena imposta pelo CRP-RJ porque foi Rozângela quem recorreu ao CFP. Mas a situação pode mudar se a psicóloga seguir com o trabalho. Se for denunciada novamente e for aberto processo, Rozângela pode perder o registro. Segundo o CFP, psicólogos não podem sugerir mudança da orientação da pessoa nem oferecer tratamento, mesmo se procurados por clientes em sofrimento psíquico decorrente da opção sexual. À Agência Brasil, Rozângela afirmou que vai continuar a oferecer a `cura´. `As pessoas têm direito de procurar esse apoio.´ Também disse que vai recorrer à Justiça Federal’ (O Estado de S. Paulo, 1/08/2009)

Nem mesmo a Folha de S.Paulo, que irritou profundamente a psicóloga ao publicar uma entrevista dela no dia 14/07/2009, aproveitou o trabalho feito por sua empresa coligada UOL para voltar às declarações anteriores da psicóloga – que acabaram provocando a censura. Na entrevista, que a psicóloga desmentiu, ela teria dito:

** Sobre homossexualismo:

‘É uma doença. E uma doença que estão querendo implantar em toda sociedade. Há um grupo com finalidades políticas e econômicas que quer estabelecer a liberação sexual, inclusive o abuso sexual contra criança. Esse é o movimento que me persegue e que tem feito alianças com conselhos de psicologia para implantar a ditadura gay. Há vários projetos no Congresso para cercear o direito de expressão, de pensamento e científico. Eles foram queimados na Santa Inquisição e agora querem criar a Santa Inquisição para heterossexuais.’

O pensamento dos intolerantes

** O tratamento:

‘É um tratamento normal, psicoterápico. Todas as linhas psicológicas consagradas e vários teóricos declaram que a homossexualidade é um transtorno. A psicanálise a considera como uma perversão a ser tratada. À medida em que a pessoa vai se submetendo às técnicas psicoterápicas, vai compreendendo por que ficou presa àquele tipo de comportamento e vai conseguindo sair. Não há nada de tão misterioso e original na minha prática. Sou uma profissional comum.’

A divulgação desta entrevista pelos jornais ajudaria os leitores a entender por que o Conselho Federal de Psicologia resolveu punir a psicóloga. E ajudaria a conhecer melhor o pensamento dos intolerantes que, como bem mostrou o fórum da UOL, existem, e não são poucos. Fica faltando a discussão do assunto pela mídia impressa.

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Jornalista