Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Desafios e oportunidades para a mobilização social

A convergência digital tem sido um tema recorrente nos debates sobre comunicação. Incorporá-la como um tema articulador segue ainda como um desafio pouco discutido. Neste sentido, as atividades realizadas no fisl9.0, a nona edição do Fórum Internacional de Software Livre, revelam possibilidades de amarrar questões até então desconexas na construção de uma agenda fundamental para disputar hegemonia no século 21.


Uma das grandes dificuldades do movimento de comunicação é a falta de uma base social. Sem dúvida, só é possível defender um ponto de vista como o que aqui será exposto dentro de um contexto novo, tanto em relação às possibilidades proporcionadas pelas tecnologias digitais quanto por novas trocas sociais decorrentes dela, aliadas a um conjunto de ações do poder público e da sociedade civil que interligam princípios como emancipação, autonomia, participação popular e cultura livre.


É impressionante sentir a força criativa e inovadora de grupos organizados em torno de temas como cultura digital, economia solidária e tecnologias livres. A articulação para que pontos de cultura se transformem em incubadoras de outras relações de trabalho, que telecentros passem a atuar como produtores de cultura digital, que desenvolvedores de tecnologias livres construam soluções técnicas e ambientes para a existência dessa imensa rede de coletivos é inspiradora e precisa estar contemplada nos debates do movimento de comunicação. O caminho inverso é igualmente importante, sendo necessário, portanto, a convergência radical. De tecnologias, práticas e pessoas.


Risco de privatização


Claro que o presente é monopolizado, concentrado, unilateral, e não há qualquer possibilidade de abandonar temas analógicos em pauta na conjuntura. Mas é igualmente urgente perceber a força e a potencialidade que os temas de inclusão digital, cultura livre e articulação de redes possuem. De fato, o futuro aponta para uma disputa da hegemonia na rede e os riscos de que toda essa potência de energia se disperse é grande. Só para citar um exemplo, a Globo.com foi um dos patrocinadores do fisl9.0. Em seu estande, além de brindes diversos, um simpático cartaz exibia a frase: nós precisamos do seu talento. As grandes corporações de mídia já perceberam os ganhos financeiros e ideológicos de se juntar à turma do software livre. Seduzem técnicos em computação que aos poucos começavam a se envolver com o debate político que está por trás do desenvolvimento de uma tecnologia livre.


Outro público que precisa estar articulado é o de agitadores culturais. Empolgados com a produção e possibilidades de troca de seus conteúdos, até falam sobre ideologia dominante, monopólio e a rede como uma alternativa de difusão, mas esquecem que para se fazer uma disputa na rede é necessário ganhar batalhas importantes – como a universalização do acesso à banda larga e a concretização de experiências de rede wi-mesh e wi-fi. Essa percepção é facilmente construída a partir de debates da comunicação que trazem à tona as intenções das operadoras de telefonia em suas negociatas com o governo e apontam para um risco enorme de privatização do espectro eletromagnético pós-período de 10 anos da implantação da TV Digital.


Novo ativismo


A inclusão digital e, fundamentalmente, a existência de telecentros comunitários é outra chave importantíssima para aprofundar relações e convergir pautas. Estes espaços articulam práticas de gestão democrática e participação popular, alternativas de geração de renda que passam pela economia solidária, programas de governo eletrônico que relacionam saúde, direitos humanos, questões de gênero, raça e opção sexual. Envolvem uma juventude sedenta por cultura digital e começam, aos poucos, a se articular com rádios comunitárias, quando não improvisam rádios postes, livres e outras possibilidades via web. Muitos deles começam a se articular em rede, assim como os pontos de cultura.


Entre as propostas que perpassam essa imensa rede está a formação em multimídia, aumentando o potencial de produção cultural do país. Também extraordinário é ver o envolvimento desses novos produtores com formas diferentes de lidar com o direito autoral, desbravando-se em creative commons e outras formas mais radicais de cessão de direitos como o copy left.


A articulação de pessoas, coletivos e redes envolvidas com a comunicação digital é urgente e passa pela construção de um novo ativismo. Um ativismo que entenda a importância da regulação para o pleno exercício da liberdade em oposição à ditadura de mercado, que se aproprie das tecnologias livres para potencializar a articulação em rede, que potencialize ao máximo a troca de experiências e de material, que se organize em defesa da universalização da banda larga e que radicalize o enfrentamento às grandes corporações. Iniciativas interessantes tem surgido neste sentido. É preciso convergir. Urgente e radicalmente. 

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Jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social