Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Conselho apaga ditadura dos livros escolares

O Conselho Nacional de Educação do Chile (CNED), atuando informalmente como mandatário do presidente Sebastián Piñera, resolveu retirar a palavra ditadura do ensino elementar de 1ª a 6ª séries e substituí-la por “regime militar”. A medida causou tanto furor na imprensa e sociedade que o próprio conselho pediu ao Ministério da Educação que reveja a matéria. O Mercúrio(05/01) online explicou a situação: “Alexandro Goic, um integrante do Conselho, disse que apesar da modificação ter sido aprovada pelo órgão, este o fez sem saber, e que a disposição deveria reverter-se”, explicou o conselheiro, que acrescentou:“O novo texto foi redigido pelo Ministério da Educação”, enfatizando que a dita Secretaria de Estado“não nos advertiu que ia fazer esta mudança e nós não avisamos a mudança porque estávamos focados em conteúdos curriculares”.

“Aqui não se trata de utilizar eufemismos quando se fala da História do Chile. A democracia deve ser chamada de democracia e a ditadura de ditadura”,disse o especialista. No mesmo dia, o correspondente Ariel Palácios comentou, no programa Em Pauta, da Globonews, que “a coisa toda partiu do próprio presidente”, que vem enfrentando forte oposição da sociedade chilena em geral. O presidente chileno tem apenas 30% de aprovação popular. Estão todos insatisfeitos com o governo de Piñera, um dos homens mais ricos do Chile e de perfil extremante conservador. Seu governo é um desastre em quase tudo o que faz. Não haveria de ser diferente com a tarefa mais difícil para qualquer presidente naquele país: arrefecer diferenças políticas irreconciliáveis que existem no interior da sociedade chilena e que dividem o país até os dias de hoje.

Ódios herdados da era Pinochet

O Chile tem o melhor registro de avanços sociais da região. No mapa anual da liberdade de imprensa, o país aparece (junto com Uruguai e Guianas) como tendo uma das poucas imprensas realmente livres na América do Sul.

Mas ainda abriga ódios herdados da era Pinochet. Neste ponto, o país é ainda uma República atrasada da América do Sul. Uma boa olhada nos comentários na página do periódico chileno vai explicar melhor ao leitor o que estou a dizer.

Dois caminhos separados

A morte e a condenação mundial do ditador não são suficientes para que o homem seja esquecido naquele país. Muita gente ainda apoia os anos de chumbo chilenos e a política de massacres do ditador. Piñera, atuando por trás do Conselho, com esta tentativa de esconder a ditadura das novas gerações, somente acirrou as divergências que dividem o país. O ministro da Educação Harald Beyer piorou o cenário ao dizer que foi mal interpretado. Condescendente, declarou que “os professores podem continuar a usar a palavra ditadura nas aulas”. Mas o Mercúrio continuou a investigar e descobriu que agora existem duas linhas editoriais no marco curricular chileno: a que usa a palavra ditadura e a que usa a expressão “regime militar”. Os livros serão vendidos com ou sem a palavra ditadura. Vai depender da escolha da escola.

Mais uma vez, o Chile encontra-se diante de duas escolhas. Dois caminhos separados. Dois países, dois projetos para o Chile que se enfrentam há bastante tempo sem que a imprensa mundial divulgue o bastante sobre a triste herança de Pinochet. O ditador morreu, mas seus admiradores e de suas ideias e métodos, não.

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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]