Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O “fenômeno Luiza”

Luiza estava no Canadá fazendo intercâmbio. Na televisão brasileira, foi citada em um comercial na Paraíba e virou febre na internet: “É por isso que eu fiz questão de reunir toda a minha família, menos Luiza, que está no Canadá”, disse o pai de Luiza.

É por essa frase que Luiza não está mais no Canadá. Quem ainda não está nas redes sociais, conheceu a estudante hoje logo cedo. Ela chegou ao Brasil e está na televisão aberta, no telejornalismo da Rede Globo. No Bom Dia Brasil e no Jornal Hoje de quinta-feira (19/01), Luiza é tema de reportagens e entrevistas exclusivas e, por alguns minutos, permite que a audiência respire aliviada depois de escândalos como o caso de suposto estupro no Big Brother Brasil. A história de Luiza é engraçada, contraditoriamente banal e despretensiosa – começou na pretensão de seu pai em vender apartamentos de luxo. Toda essa leveza contrasta com o tom das reportagens sobre o episódio do reality show. A televisão brasileira reacende polêmicas sociais:

Polícia: houve estupro?

Feminista: houve consentimento da big sister?

Racial: a expulsão ocorreu porque o big brother é negro?

Televisiva: onde está a função social da TV?

Hit de visualizações e comentários

Semana passada, um dos principais ex-diretores da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, voltou a criticar o programa no formato importado e herdado por seu filho Boninho, atual diretor do BBB. Boni afirmou que não aprova bebida alcoólica em rede aberta. A declaração repercutiu nas emissoras concorrentes, que exaltaram a legitimidade de Boni para falar de televisão. Há algo de contraditório nesse posicionamento de concorrentes que sempre acompanharam diariamente os acontecimentos da “casa mais vigiada do Brasil”, para depois reproduzi-los e comentá-los em seus programas, revistas, jornais.

Nessa discussão sobre a programação televisiva e a função social da mídia, Luiza chega ao Brasil na hora certa: ela consegue aliviar ou gera mais tensão no debate sobre a decadência da televisão e do jornalismo? Ou ainda, diante da notícia de que o suposto caso de estupro alavancou os índices do Ibope, cabe uma segunda pergunta: é a audiência que mantém o BBB e exige a Luiza na televisão? Essas indagações fundamentam a questão da audiência x programação na mídia, debate tão produtivo quanto entrar no dilema da causalidade do ovo x galinha.

Dilema vive a multimídia Luiza. Em alguns momentos, se diz assustada e nervosa; em outros, diz que está levando na brincadeira. Na publicidade, nasce tímida e aparece em foto. Na internet, vira hit de visualizações e comentários. No jornalismo, dá entrevista exclusiva. Luiza é nossa criação e resulta da crescente participação do brasileiro nas redes sociais: no compartilhamento de vídeos no YouTube, links no Facebook e hashtags no Twitter. O “fenômeno Luiza” não está descolado deste contexto.

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[Andressa Pesce é jornalista e mestranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação e Informação da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS]