Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Por uma ética hacker

No mundo cada vez mais informatizado em que vivemos, saber lidar com a tecnologia de computação, mesmo que apenas como usuário, é um fator de extrema importância. Mas como fazer a inclusão digital – permitir que toda a população se torne fluente nessa nova linguagem?

Respostas para essa questão são parte dos estudos do físico e educador Nelson De Luca Pretto, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador do grupo de pesquisa em Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC). Ele também foi o co-organizador do livro Inclusão digital: uma polêmica contemporânea, lançado em dezembro último.

Pretto trabalha com uma definição mais ampla do tema. Nesta entrevista a Ciência Hoje, ele explica que inclusão digital não é apenas dar à população computador e conexão à internet; é fazer com que o indivíduo possa ter acesso a todos os elementos do mundo digital de maneira a tornar-se um produtor de cultura e não um mero consumidor. Por isso, ele e seu grupo defendem uma ética hacker. “Em essência, é uma ética que trabalha a partir dos princípios da colaboração, da horizontalidade e da descentralização”, explica. Pretto fala ainda das consequências de não se investir em inclusão digital, da situação do Brasil, de software livre e do seu projeto Tabuleiro Digital.

“Cria-se uma segunda exclusão, mais grave”

O que é inclusão digital? É simplesmente dar computadores e conexão à internet para as pessoas?

Nelson De Luca Pretto– Existem duas grandes perspectivas sobre a inclusão digital. Uma é essa à qual você se referiu, que é colocar computadores e internet disponíveis para a população. É óbvio que isso, para nós, não se configura como uma política correta para esse fim – ela não é suficiente, apesar de ser um aspecto muito necessário. Precisamos entender o que se quer dizer com inclusão: incluir em quê? O que efetivamente queremos quando discutimos inclusão digital é que o cidadão tenha acesso a todos os elementos do mundo digital para fortalecer a sua dimensão de produtor de culturas e conhecimentos, e não de mero consumidor de informação. Esse é o foco central das pesquisas desenvolvidas pelo nosso grupo e, em particular, do segundo livro que acabamos de publicar.

Como a inclusão digital se relaciona com a social? Ela é um veículo para a inclusão social ou as duas são apenas aspectos da mesma questão?

N.L.P.– Elas estão absolutamente relacionadas. A inclusão digital é um fator de inclusão social, mas isso só será verdade se compreendermos a inclusão digital nessa perspectiva mais ampla que estamos defendendo. Por que os filhos das famílias privilegiadas socioeconomicamente participam da cibercultura e do mundo digital? Porque eles têm acesso à internet nos seus quartos, com banda larga de qualidade, serviço de suporte gratuito e liberdade de navegação para efetivamente se constituírem como membros daquilo que chamamos de geração ‘alt+tab’.

Se eu tenho programas de inclusão digital na linha de telecentros e infocentros que não compreendam essa dimensão, estou criando uma política perversa que disponibiliza para os filhos das camadas mais populares máquinas ruins para dar aula de software proprietário [aqueles cuja cópia ou redistribuição depende da permissão do proprietário]. Essa dicotomia entre o acesso privilegiado e o mais restrito cria uma segunda exclusão mais grave ainda, pois dá a ideia de que a pessoa está imersa nesse universo cibercultural, mas, na verdade, ela é apenas um coadjuvante reproduzindo a pirâmide de desigualdade que vemos em todos os outros campos.

“Em 2050, 95% do nosso conhecimento será novo”

E quais seriam as consequências para o país de não se investir nessa inclusão?

N.L.P.– Seriam graves. Por um lado, o sistema educacional não daria conta dos desafios contemporâneos, porque o mundo hoje está articulado por essas tecnologias digitais. Por outro lado, não se conseguiriam formar cidadãos plenos que pudessem participar do desenvolvimento científico, tecnológico e cultural do país. Estaríamos construindo uma nação onde os poucos privilegiados seriam os criadores e produtores de conhecimento, enquanto uma grande maioria seria apenas consumidora. Podemos ir mais longe e dizer que essa é a crise da universidade. Ela está excessivamente voltada para o mercado, que é volátil e está em plena transformação. Dados recentes liberados pelo programador australiano Reto Meier, chefe da equipe de desenvolvimento do sistema operacional Android, no Google, mostram que, em 2050, 95% do nosso conhecimento será novo. Ou seja, hoje só conhecemos 5% do que saberemos daqui a 40 anos. De onde virá esse conhecimento novo? Dos países que investirem pesado em ciência e tecnologia, em educação e no fortalecimento da cultura.

Você leu apenas o início da entrevista publicada na CH290.

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[Fred Furtado, Ciência Hoje, RJ]