Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A oportunidade dos tablets substituírem os PCs

Depois de ter apresentado o iPad em um centro de conferências em San Francisco, no início de 2010, o falecido Steve Jobs passou alguns minutos pedindo às pessoas que, então tinham o aparelho nas mãos pela primeira vez, para dizer o que pensavam dele. Um repórter sugeriu que [o iPad] poderia fazer os consumidores esquecerem por que precisavam de um computador portátil. Jobs encolheu os ombros e disse, modestamente: “Vamos ver.” Jobs era um mestre não apenas em prever mudanças de paradigma, mas também em criá-los. Se os tablets viessem a eclipsar as empresas de computadores portáteis ou de mesa, Jobs estava determinado a fazer com que fosse a Apple a colher esses frutos inesperados.

Esse dia chegou. Em 19 de março, mesma data em que o sucessor de Jobs, Tim Cook, declarou que a Apple iria desembolsar parte de sua pilha de US$ 98 bilhões em dinheiro, a título de dividendos, a empresa anunciou ter vendido 3 milhões de unidades do novo iPad em seu fim de semana de lançamento. A expectativa é que o produto some US$ 38 bilhões em vendas neste ano, de acordo com Gene Munster, analista do banco de investimento Piper Jaffray.

No quarto trimestre de 2011, a Apple vendeu 15,4 milhões de iPads, mais que o número de PCs vendidos pela Hewlett-Packard (HP), maior fabricante mundial de PCs Wintel (combinação do sistema operacional Windows com os processadores da Intel). Se você considerar que o iPad como um substituto dos PCs – e muitos consumidores certamente pensam assim –, então a Apple, que também produz o iMac e MacBook, é agora o maior fabricante de PCs no mundo.

Qual é a dificuldade para criar um tablet?

A coisa mais surpreendente na era do iPad é como a Apple ainda a controla completamente. Havia uma profusão de smartphones no mercado quando o iPhone apareceu pela primeira vez, em 2007, e rapidamente atraiu novos concorrentes, especialmente aparelhos baseados no sistema Android. A trajetória do iPad tem sido diferente. Apesar do grande número de novos tablets da Samsung, HTC, Motorola Mobility, HP, Dell e outros, o iPad ainda detém 66% do mercado, de acordo com a empresa de pesquisa Gartner. “O setor inteiro está pirando, tentando descobrir como competir com a Apple”, diz Robert Brunner, um ex-diretor de design da Apple e atualmente no comando da empresa de design Ammunition Group. “Dá pra ver o medo nos olhos deles.”

O predomínio da Apple no espaço dos tablets certamente representa um duro golpe para o ego dos fabricantes de PCs. Mas o iPad, pela combinação de engenhosidade técnica e apelo ao mercado de massas, está fazendo mais do que simplesmente corroer os lucros de algumas das empresas de computadores mais bem-sucedidas do mundo.

A ideia da computação em tablets circula há décadas. A Microsoft fez um grande esforço no ano 2000. Na fase pré-iPad, as coisas não foram muito bem e ninguém tinha muita certeza de que uma grande massa de usuários utilizaria os tablets. O iPad mostrou que existe de fato um mercado gigantesco e suculento para esses dispositivos. No entanto, as melhores mentes criadoras no mundo da computação fora de Cupertino, onde fica a sede da Apple, não conseguiram criar um verdadeiro rival. Qual é a grande dificuldade para criar um tablet?

Poucos adversários para o iPad

Parte do problema enfrentado por todos, à exceção da Apple, é a bagagem histórica. Grandes fabricantes de celulares, como HTC e Samsung, nunca foram especialistas em computação. Quanto às empresas de PCs, nos anos 80 e 90, quando a Intel e a Microsoft dominavam, os fabricantes tinham poucas alternativas a não ser se concentrar em reduzir os custos para obter lucro depois de pagar pelos chips Pentium e pelas licenças do Windows. Kerry Chrapliwy, um ex-executivo de PCs na HP, diz que se um produto não se transformasse em um enorme sucesso do dia para a noite na HP ou na Dell, com frequência ele era extinto. “Estávamos sempre lutando contra a filosofia da HP: 'Como fazer para levar um produto ao mercado pelo menor custo possível ao maior volume de pessoas?' Não havia foco suficiente em oferecer a experiência certa às pessoas.”

“A Apple, em contraste, tinha uma visão de mundo que dizia: 'Vamos amadurecer as ideias durante uns três ou quatro anos e fazê-las acontecer'”, diz Roger McNamee, cofundador da Elevation Partners, uma empresa de investimentos em tecnologia. A Apple, na realidade, começou a pensar em um tablet nove anos atrás, quando Jobs viu o progresso que seus engenheiros estavam fazendo com telas sensíveis ao toque. Os usuários poderiam realizar várias tarefas – ler um artigo ou verificar a cotação de uma ação, sem a necessidade de iniciar a máquina ou de digitar qualquer coisa. O projeto do tablet foi arquivado quando Jobs optou por concentrar-se primeiro no iPhone. Foi uma decisão inteligente. Quando a Apple retornou a seu tablet, pode aproveitar o mesmo software iOS e a infraestrutura da loja App Store usados no iPhone. Combinado aos avanços na duração das baterias e na qualidade de tela, o iPad era a um só tempo familiar e radicalmente novo para os consumidores – um sucesso instantâneo.

Existe apenas um punhado de adversários potenciais para o iPad. A Amazon.com tem tido sucesso com seu Kindle Fire, que, vendido por apenas US$ 200, tem a metade do preço do iPad mais simples. Mas trata-se menos de um aspirante a iPad que um veículo para a Amazon oferecer serviços. Caso a fusão do Google com a Motorola Mobility seja aprovada [pelas autoridades], o Google poderia combinar o sistema Android e serviços como o YouTube e o Google Maps com os equipamentos da Motorola, garantindo um controle de todo o ecossistema, semelhante ao da Apple.

Apple monopoliza componentes

Outro possível concorrente para o iPad poderá vir do mais antigo antagonista da Apple: a Microsoft. Até o fim do ano, a gigante do software planeja lançar o Windows 8, uma radical reformulação de seu principal produto, projetado para rodar tanto em PCs como tablets. A Microsoft parece estar mantendo sua política focada em PCs, licenciando o Windows 8 para fabricantes de equipamentos. Mas a empresa teve êxito ao mesclar software e aparelho próprios na criação do [console de videogame] Xbox, que perdeu dinheiro durante anos, mas agora é lucrativo. A companhia poderá ser capaz de adaptar esse modelo para produzir um tablet competitivo. “Podemos pelo menos imaginar a Microsoft desenvolvendo algo nesse sentido”, diz McNamee.

Para o restante do setor de PCs, porém, a era do tablet poderá ser catastrófica. Em anos recentes, os fabricantes de PCs passaram a depender fortemente dos consumidores empresariais para impedir uma redução de sua participação de mercado. Agora, até isso está sob pressão. Entre as grandes empresas, como a United Airlines, que está equipando seus pilotos com iPads, a Apple está abrindo terreno.

A Apple tem usado suas reservas de dinheiro para monopolizar o suprimento de componentes cruciais para tablets, com uma forte economia de escala. E, o que é pior para os concorrentes, a companhia não deixou nenhum guarda-chuva de preços capaz de lhes dar abrigo. A empresa consegue uma margem bruta de 20% em cada iPad vendido, diz Anand Srinivasan, analista de tecnologia da Bloomberg Industries.

“A mesma droga de sempre”

Embora os fabricantes de smartphones tenham algum espaço para oferecer preços inferiores ao do iPhone, vendido com ampla margem bruta de 56%, os aspirantes a rivais do iPad não têm tal luxo. Mesmo que um concorrente chegasse a produzir um tablet superior ao iPad, não seria fácil conseguir lucrar. “É difícil cobrar o mesmo preço que a Apple e querer vender muito”, diz Shaw Wu, analista da corretora Sterne Agee & Leach.

Os donos de iPads sabem como o aparelho permite reduzir o tempo à frente de seus PCs. Com o crescimento da computação em nuvem – pela qual música e imagens são armazenadas em servidores na internet – o tablet poderá por fim à era dos PCs como centro focal do consumo de tecnologia. Levando em conta a excelência do marketing da Apple e seu vasto ecossistema de aplicativos móveis, não será exagero dizer que o maior obstáculo à supremacia do iPad é a capacidade das fábricas da Apple.

É possível que alguma empresa idealize algum produto radicalmente inovador capaz de suplantar o tablet, como Jobs costumava fazer a cada poucos anos – embora Brunner, o consultor de design, não veja prenúncios disso. “Ninguém nunca parece aprender com o exemplo da Apple”, diz ele. “Eu continuo tendo as mesmas reuniões com executivos que simplesmente não percebem. Eles continuam fazendo a mesma droga de sempre.”

Em algum momento, as Dells e Lenovos do mundo poderão se dar conta de que a fornecedora de brinquedos cobiçados tornou-se uma ameaça existencial.

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[Peter Burrows e Jim Aley, da Bloomberg Businessweek]