Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Big Data se abre para o mundo

Você vai ao mercado para comprar apenas o que falta para o jantar e, ao passar pelo corredor de produtos de higiene, seu celular o surpreende com uma mensagem. O remetente é o próprio varejista, que deseja atentá-lo para o desodorante em promoção na prateleira ali do lado. O SMS não diz, mas ele sabe que o seu estoque do produto está mesmo no fim e que, há duas semanas, você escreveu no Facebook o quanto gostava daquela marca.

Se a precisão da mensagem lhe é espantosa, prepara-se: a tecnologia que cruza coordenadas GPS, posts de redes sociais e todo tipo de dado em tempo real para proporcionar cenas como essa já existe e está invadindo empresas e governos do Brasil e do mundo. A promessa, segundo especialistas, é de uma revolução nas relações entre consumidores e empresas, entre a realidade sócio-econômica e os tomadores de decisões e até uma virada na ciência. A tecnologia insinua, ainda, uma nova fronteira na discussão sobre privacidade.

Trata-se de Big Data, termo de mercado para o conjunto de soluções que analisa informações em variedade, volume e velocidade inéditos até hoje – os três Vs, como chamam os tecnólogos. Ferramentas desse tipo surgiram no fim da década passada, mas este ano o conceito extrapolou de vez os limites da academia e dos setores de TI. Isso porque o preço para armazenamento de dados está despencando e diversas ferramentas baratas ou gratuitas para lidar com as informações estão surgindo. Um exemplo é o Hadoop, software de código aberto surgido dentro da Google que permite tratar grandes volumes de dados em tempo real.

Prova do alcance do conceito foi último Fórum Econômico Mundial. O austero encontro de Davos abriu espaço em sua agenda de debates sobre mercados financeiros e conjuntura macroeconômica para discutir diversos aspectos do mundo da informação. Ao fim, o fórum publicou o estudo "Big Data, grande impacto: novas possibilidades para o desenvolvimento internacional", que mostra como o Big Data pode ser uma arma contra problemas sócio-econômicos.

Um mercado de US$ 17 bi em 2015

Brad Pitt contribuiu ainda mais para a popularização da ideia: o filme “Moneyball”, protagonizado por ele e em cartaz no cinema, conta a história da mais famosa aplicação do Big Data.

Segundo a consultoria IDC, o mercado global de Big Data crescerá quase 40% ao ano entre 2010 e 2015, saltando de US$ 3,2 bilhões para US$ 16,9 bilhões. O ritmo dessa expansão é cerca de sete vezes maior do que o da indústria de tecnologia da informação como um todo. Mas essa projeção é considerada conservadora por parte do mercado por não incluir os desdobramentos da tecnologia sobre o restante da economia. Para o executivo de operações da EMC, Pat Gelsinger, o Big Data já movimenta US$ 70 bilhões e crescerá algo entre 15% e 20% ao ano daqui pra frente.

Como escreveu a Reuters, esses números deixam os fundos de capital de risco salivando. Dados compilados pela empresa que controla a agência de notícias mostram que só os venture capitalist investiram no ano passado US$ 2,5 bilhões em start-ups que atuam em Big Data.

A tecnologia envolve tanto dinheiro porque soluciona um problema inadiável para a economia global. Se você se sente atordoado com a enxurrada de posts no seu Twitter, imagine a perda de produtividade em uma empresa incapaz de compreender os dados que a inundam.

A quantidade global de dados digitais deve crescer do atual 1,8 zettabyte para 7,9 zettabytes em 2015, prevê a IDC. Zettabyte é o mesmo que um trilhão de gigabytes. Isso significa que, daqui a três anos, toda a informação do mundo poderia ser armazenada em 493 bilhões de iPads. A Gartner, outra consultoria, sustenta que esse volume de informação vai se expandir nos próximos anos a um ritmo de, no mínimo, 59%.

A centelha que aciona essa explosão é a proliferação de aparelhos e plataformas que geram dados como nunca. São os celulares, GPS, redes sociais, câmeras e sensores dos mais diversos tipos. E grande parte das informações nascidas nessas mídias são classificadas de não-estruturadas: ou seja, não é facilmente computável, sendo geralmente gerada pelo ser humano, não por uma máquina. A Gartner diz que mais de 85% das informações armazenadas pelas companhias do mundo sejam desse tipo, que, até pouco tempo, só podia ser compreendido por pessoas. Com o Big Data, as máquinas aprendem a lê-lo. Essa é, nas palavras de alguns especialistas ouvidos para esta reportagem, a beleza do conceito.

É chegada a vez da evolução no ‘I’

– Nos últimos 50 anos, toda a evolução do mercado de TI se deu, praticamente, apenas no “T” da sigla, na tecnologia. Com o Big Data, é chegada a hora de o “I”, de inteligência, guiar o avanços – afirmou Alexandre Kazuki, diretor de marketing da divisão da HP Brasil que cuida de Big Data.

O Big Data está dando os primeiros passos no mundo, mas a tecnologia apenas engatinha no Brasil, na avaliação de Kátia Vaskys, diretora de Bussiness Analytics da IBM. Como prova disso ela cita a forma como a maioria das empresas brasileiras monitora suas marcas nas redes sociais. Lá fora, essa é uma das tarefas mais caras ao Big Data, e gigantes como Walmart estão na dianteira.

– Aqui costuma-se contratar um time de estagiários para isso. Isso é basear a estratégia de marketing na intuição, mas não há intuição que resista a tanta informação! Há uma ferramenta tecnológica para fazer isso com muito mais precisão e em tempo real – comentou Kátia.

A aplicação por aqui está restrita, por enquanto, a alguns setores: varejo, financeiro (sobretudo na análise de risco), telecomunicações, petrolífero e, segundo Kazuki, começa a chegar às áreas de mídia e entretenimento.

Os clientes da Renner, por exemplo, não imaginam que a presença daquela camiseta na arara da loja é obra de tecnologia de ponta. Em parceria com a gigante Oracle, a varejista usa Big Data para identificar as necessidades imediatas dos consumidores, explica o diretor de TI Leandro Balbinot. A Renner consegue monitorar em tempo real o fluxo de mercadorias da loja ao cruzar os dados de localização GPS dos caminhões dos seus fornecedores com os níveis dos seus estoques. A rede também acompanha a aceitação dos seus produtos de forma instantânea nas redes sociais. Assim é possível saber se a roupa do comercial que acabou de ser veiculado na TV agradou ou não.

Mas a empresa quer algo mais desses dados. Balbinot adianta que em breve será possível deduzir as estratégias dos concorrentes simplesmente analisando os preços dos fornecedores. Outra possibilidade é a de trocar a seleção de produtos à venda na loja com base nas informações meteorológicas de um determinado dia. Exemplo: se os dados mostrarem que, nas últimas chuvas, os clientes compraram menos calças e mais acessórios, a rede pode dar mais destaque a eles logo que os primeiros pingos caírem na cidade.

“O Brasil só conhece o pré-sal por causa do Big Data”

– Todas as empresas já enfrentam o problema dos dados de alguma forma, mas a tecnologia ainda é aplicada por aqui de forma pouco madura, muito restrita aos dados estruturados, tradicionais – observou Maurício Prado, gerente geral de servidores da Microsoft Brasil. – Mas a expectativa de crescimento é enorme. Temos um dos principais mercados de internet no mundo, sobretudo de redes sociais, o que é um fator crucial para a adesão do conceito de Big Data.

– A gente só sabe que o pré-sal existe por causa da Big Data e da economia da nuvem – resumiu Patrícia Florissi, executiva de tecnologia da EMC para a região das Américas.

Isso porque, explica ela, a tecnologia agiliza o processamento de dados sísmicos captados pelas sondas que procuram petróleo no fundo do mar. Como são milhões as variáveis, o trabalho exige intermináveis simulações de imagens, e só o Big Data é capaz de dar conta do trabalho em um tempo razoável.

Visando esse mercado, a gigante EMC está construindo no Parque Tecnológico do Fundão um centro de pesquisas totalmente dedicado ao uso de Big Data para a indústria do petróleo. Ele ficará pronto em no máximo dois anos e empregará 35 pesquisadores, sendo apenas um deles estrangeiro, conta a executiva. O centro vai realizar trabalhos que estejam alinhados com as áreas de atuação da própria EMC, da Petrobras e da UFRJ. Segundo Patrícia, a companhia de Massachusetts vai investir R$ 100 milhões no país nos próximos quatro anos.

Há também iniciativas brasileiras de Big Data na seara dos dados governamentais, aceleradas pela proximidade da Lei de Acesso à Informação, que entra em vigor em maio. Uma parceria do Ministério do Planejamento, do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e da PUC-Rio disponibilizou na internet dados abertos dos dois mandados do governo Lula.

Privacidade e escassez de mão de obra são obstáculos

A massificação do Big Data, no entanto, ainda enfrenta obstáculos. O maior deles, como não poderia deixar de ser quando o assunto é dados, é a preocupação quanto à privacidade. Se a recomendação de links patrocinados pelo Google já parece invasiva à maioria das pessoas, o mundo e a legislação atuais não estão preparados para as possibilidades que o Big Data oferece de agregar e tirar conclusões de dados até então esparsos.

Gustavo Tamaki, gerente de vendas da Greenplum Brasil, da EMC, pondera que os usos mais invasivos do Big Data ainda não são uma realidade. Mas admite os riscos:

– Acho que toda tecnologia que surge também tem o seu lado ruim.

Para Karin Breitman, da PUC-Rio, os cientistas não devem autocensurar as pesquisas por causa da polêmica:

– Essa é uma questão ética. Cabe à sociedade impor limites à aplicação da ciência e da tecnologia, mas os pesquisadores precisam trabalhar no limite, na ponta.

Outro problema é a escassez de profissionais que reúnem habilidades em matemática, estatística e ciência da computação. O Big Data levou as empresas a uma disputa frenética por esse perfil e tornou a IBM a maior empregadora de matemáticos PhDs no mundo. O instituto McKinsey Global prevê que faltarão entre 140 mil e 190 mil desses profissional em 2018.

– Já há carência desse profissional no Brasil hoje. Se houver uma explosão do Big Data, certamente teremos problemas – advertiu Alexandre Kazuki, da HP, que prevê para 2013 a massificação da tecnologia por aqui.

De ‘Moneyball‘ para ‘Minority Report’

Em 2008, o físico e editor da revista Wired, Chris Anderson, escreveu que a era Big Data representaria o fim da teoria, já que não era preciso especular sobre o melhor modelo, pois bastaria aplicar um algoritmo sobre os dados empíricos. Os críticos do Big Data não discordam disso, mas dizem que o uso dessa estatística turbinada pode levar a conclusões erradas.

Soma-se a isso o fato de as ferramentas de Big Data ainda não serem suficientemente boas. Karin Breitman, da PUC, observou que há carência de recursos semânticos eficazes, que compreendam o contexto e a mensagem dos dados na medida das necessidades.

Apesar dos desafios, a expectativa sobre o Big Data é enorme. A revista Economist escreveu que ele pode transformar os modelos de negócio de empresas centenárias. A RollsRoyce, sugeriu a publicação, pode deixar de vender turbinas para alugá-las cobrando de acordo com o uso. Sensores e o histórico do cliente dariam o preço.

A medicina também pode dar um salto. Com soluções de Big Data, decifrar o genoma humano dura apenas semanas, em vez da década que custava no passado. A colocação de sensores no corpo, que já está em curso em centros de pesquisa e algumas start-ups, vai presentear o mundo com uma variedade totalmente nova de dados que pode ser explorada com Big data para identificar problemas de saúde.

Patrícia Florissi, da EMC, diz que ainda é incipiente o uso da presciência da tecnologia. Por exemplo: como são capazes de entender imagens, softwares de Big Data poderiam monitorar as câmeras de uma cidade e acionar a polícia antes de um crime acontecer com base em padrões que antecedem assaltos e assassinatos. Sairíamos de “Moneyball” para cair em “Minority Report” – com os prós e contras disso.

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[Rennan Setti, de O Globo]