Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O que há de errado com o jornalismo online?

O nome dele é Ryan Holiday, tem 25 anos e recentemente foi muito citado como fonte por inúmeras publicações online nos Estados Unidos, desde a blogosfera até os principais veículos da mídia do país. Holiday não é especialista em nada, mas conseguiu influenciar e publicar suas ideias na mídia social e até nas melhores publicações dos Estados Unidos. Ele se autodescreve como “manipulador da mídia” e sua intenção, segundo ele mesmo, foi provar que a mídia publica qualquer coisa com muito pouca, ou nenhuma, investigação consistente. Holiday foi longe com suas mentiras para a imprensa. A revista Forbes (18/07) apresentou uma pequena mostra do alcance das histórias do rapaz:

“Na Reuters, ele foi o garoto do pôster da geração ‘Yiekes’ (jovens investidores desiludidos com o mercado de ações). No ABC News, ele foi membro de uma nova geração de insones de longo prazo. Na CBS, ele inventou uma embaraçosa história de escritório, na MSNBC, ele fingiu que alguém que trabalhava no Burger King espirrou nele. No Manitouboats.com, ele opinou sobre como preparar seu barco para o inverno.”

Seu feito máximo na imprensa envolveu uma matéria no New York Times (18/4) sobre toca-discos que, em plena era digital, retornaram como opção para reprodução mais fiel de áudio. Holiday comentou sobre esses aparelhos (que são decodificadores fonográficos das mídias de vinil) sem nunca ter tido um.

Espalhando absurdos

Ele queria provar um ponto: o jornalismo online é suportado por bases frágeis, quando se trata de fontes. E que uma determinada organização de notícias, a Haro, é parte do problema: “Eu queria provar que a organização ‘Ajude um repórter’ (Help a repórter out – Haro) representa bem o que há de errado com o jornalismo contemporâneo”, escreveu ele em e-mail a Romanesko.com. “Engenharia reversa de matérias obtidas por motores de busca, nenhuma checagem de fatos, descuido com a autopromoção etc.”, criticou o mentiroso.

Holiday é um sujeito criativo e ousado. Associou-se ao serviço, que supostamente deveria colocar repórteres em contato com as fontes. A firma usa “especialistas” que respondem por e-mail às consultas feitas pelos repórteres. As melhores organizações da mídia americana utilizam o serviço: “A ABC, a NBC, a CBS, o New York Times e a Reuters estavam entre os veículos de notícias que encontraram Holiday através do site”, informou o Lookout, blog de notícias do Yahoo (19/7).

Holiday infiltrou-se na Haro e começou a espalhar os maiores absurdos sem que nenhum repórter tenha tido a preocupação de checar se ele era fonte confiável, se tinha qualificações e quais eram. A única pessoa a pedir algum tipo de confirmação apenas perguntou se ele era ele mesmo. Ele disse que sim.

Produto que depende de escândalo

A imprensa reagiu. O New York Times, depois da matéria dos toca-discos, foi humilhado e obrigado a acrescentar um parágrafo para explicar por que publicou as opiniões de um leigo que nunca teve um disco de vinil nem tampouco toca-discos para tocá-los:

“Nota do Editor, 18 de julho, 2012

Uma versão anterior deste artigo incluía citações de Ryan Holiday de New Orleans a discutir por que ele preferia discos de vinil. O repórter encontrou Holiday através de um site que conecta repórteres a fontes em vários tópicos.

Holiday, que escreveu um livro sobre manipulação da mídia, subsequentemente reconheceu que reconheceu que mentiu para o repórter do Times e a outros jornalistas em uma variedade de assuntos, fabricando respostas para suas consultas online.”

Foi um momento embaraçoso para a mídia. E a briga ficou feia. Peter Shankman, fundador e dono da Haro, chamou Holiday de “idiota em busca de autopromoção”. Afirmou que o sujeito estava a escrever um livro sobre como mentir e enganar a mídia. Afirmou que Holiday não fez nada por altruísmo e o que ele fez não é tampouco experiência alguma. Shankman o acusou de promover seu livro. Ele disse mais ainda: “Como jornalista, foi sempre seu trabalho fazer a pesquisa e checar as fontes, seja a que você encontrou na rua, na Craiglist ou na Haro. Se você não está fazendo isso, não está fazendo seu trabalho”, sentenciou o dono da empresa de venda de fontes.

O site de notícias Lookout do Yahoo também apostou na hipótese da autopromoção. Holiday realmente publicou um livro (19/7) chamado Trust me, I’m Lying. Confessions of a Media Manipulator(New York, N.Y. Ed. Portfolio, 2012). O autor considera-se um vigilante num mar de blogueiros que não sabem tratar a informação. Em suas palavras, “num mundo onde os blogs controlam e distorcem as noticias, meu trabalho é controlar blogs – tanto quanto possa uma pessoa”, diz ele em seu livro.

A melhor crítica contra ele veio não propriamente através da mídia convencional. Foi o site eclético de Maria Popova, o Brainpickings, que publicou (20/7) a argumentação mais compreensiva do estrago que Holiday fez na mídia. A autora ponderou que o próprio livro de Holiday é também um produto que depende de uma boa dose de escândalo para sua venda. Fora isso, ele funciona então como “jogo limpo e meta comentário no próprio sistema que Holiday opera”, afirmou Popova.

“Com as calças na mão”

A crítica é boa e atingiu o alvo. Ao mesmo tempo, reconheceu as virtudes e limites do trabalho de Holiday. Mas nem as versões de autopromoção da imprensa ou a interpretação da autora conseguem tirar a força da argumentação de Holiday sobre a ausência de critérios profissionais devidos e obrigatórios na confirmação de fontes no jornalismo online contemporâneo. Os novos sistemas de coletas de informação da era digital afastam o jornalista incauto de suas fontes confiáveis, tornando-as remotas e incertas. O uso de motores de busca, somado a repetição de conteúdos nos informativos online e as matérias excessivamente resumidas são males reais do periodismo online. Os repórteres perdem a perspectiva das ruas. Recorrem a mapeamentos digitais. Enxergam o mundo das alturas.

A busca de notícias deve ser um processo cuidadoso e meticuloso. Não deve orientar-se por bancos de dados, motores de busca ou artifícios que levam a uniformidade dos relatos escritos. Deve trazer relatos humanos com fontes comprovadas. O jornalismo online – seja através dos blogueiros, ou das maiores organizações de notícias, sofre de carências básicas em comprovação de fatos, identificação positiva de fontes e da prática tediosa de “requentar” a notícia já publicada. Holiday pode andar em busca de promoção para seu livro. Pode ele mesmo andar à procura de autopromoção, coisa que ele acusou a imprensa online de praticar.

Mesmo se for este o caso, o homem é um gênio de marketing: conseguiu a promoção de três grandes veículos da web para seu livro: o New York Times, a Forbes, e o Lookout, da Yahoo. Sua crítica à mídia foi um embaraço publico que está publicado em página do New York Times. O registro ficou, e ficará para sempre gravado na história da mídia como um dos maiores embaraços provocados por um autor leigo de 25 anos decidido a provar as fragilidades da mídia contemporânea.

Ninguém pode deixar de reconhecer que Ryan Holiday também é, como disse Maria Popova, “um comentarista justo e necessário do próprio meio onde vive”. Ele pode fazer parte do jogo. Ninguém é santo, ou completamente puro em intenções. A óbvia promoção de seu livro embutida em sua crítica não invalida seus feitos. Holiday joga o jogo, mas não tem medo de virar a mesa e apresentar os fatos como eles são. Foi isso que o levou a surpreender a mídia americana “com as calças na mão”.

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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]