Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A traição do Instagram

A semana foi do Instagram, que teve a péssima ideia de mudar o seu TOS (Terms of Service, termos de uso) dando a entender que passaria a ter o direito de usar as fotos dos usuários, receber dinheiro por elas e não repassar nada aos autores. Óbvio que essas condições não agradaram a ninguém – e a reação nas redes sociais foi de absoluta indignação. Eis o que dizia o parágrafo que revoltou os usuários: “Para nos ajudar a oferecer conteúdo interessante pago, patrocinado ou promoções, você concorda que empresas ou outras entidades podem nos pagar para exibir o seu nome, imagem, fotos (juntamente com todos os metade dos associados), e/ou ações que você faz em relação ao conteúdo pago, patrocinado ou promoções, sem qualquer compensação para você” (tradução da Globo.com).

A grita foi geral. A revista Wired chegou a publicar um post ensinando aos leitores como baixar suas fotos e liquidar a conta no serviço. Milhares de usuários caíram fora, outros fecharam suas contas para o público, milhões postaram imagens e/ou textos de protesto. No final da tarde de terça (18/12), Kevin Systrom, um dos fundadores do Instagram, veio a público dizer que o texto fora “mal interpretado”. Sua presença era mesmo necessária. Desde que o Instagram foi adquirido pelo Facebook, há grande desconfiança a seu respeito. Mas o que ele disse não chegou a tranquilizar ninguém. O caso é que não havia “má interpretação” do texto – apenas não havia outra leitura possível. Ali estava claramente escrito que o Instagram podia receber dinheiro pelas fotos dos usuários sem remunerar os autores. Ponto.

Quando um texto está só mal redigido e dá origem a más interpretações, há sempre um número razoável de interpretações diferentes. Neste caso, todos – de publicações especializadas a advogados de direitos autorais, passando por usuários das mais diferentes formações e nacionalidades – interpretaram o texto da mesma forma.

Má-fé

A respeitadíssima revista National Geographic (@NatGeo), que conta com 650 mil seguidores e que não tem por hábito agir intempestivamente, postou um quadrado preto, no qual se lê: “@NatGeo está suspendendo novos posts no Instagram. Estamos muito preocupados com a orientação dos termos de uso propostos e, se ela permanecer inalterada, poderemos fechar a nossa conta.” Escrevo às 4h28 de sexta-feira e até agora este post continua lá – embora Kevin Systrom tenha se manifestado mais uma vez, agora mudando o tom, pedindo desculpas, voltando o TOS ao que era antes e dizendo que o novo texto estava “mal redigido”.

A National Geographic tem toda a razão em estar com as barbas de molho; no lugar dela, eu estaria também. Suas fotos valem ouro. Ao contrário do que escreveu Systrom, o texto não estava mal redigido; estava claro até demais. É o máximo da ingenuidade imaginar que ele foi produzido por uma pessoa bem intencionada mas confusa; os advogados que redigem essas coisas passam por excelentes universidades e sabem muito bem o que estão propondo. A verdade é que o Instagram agiu de má-fé. Queria se tornar uma nova Corbis ou Getty Images às custas do trabalho dos usuários, e esperava que ninguém desse por isso, numa das manobras mais safadas que já vi na internet.

Não vou apagar a minha conta. Gosto do Instagram e gosto de ver as fotos dos meus amigos. Mas perdi a confiança e aquela sensação de que o Instagram era, de certa forma, “meu”. Já passei pelo trauma de perder o Fotolog, o que me faz pensar duas vezes antes de apagar a conta, mas que me ensinou também que a vida continua. Baixei o novo Flickr, que está muito bom, e começo a olhar a concorrência do Instagram. Nenhum motivo real para isso, apenas um coração partido.

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[Cora Rónai é colunista de O Globo]