Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Quanto vale ou é por bit?

Quando um estudante, funcionário ou pesquisador de uma universidade pública ou um instituto de pesquisa nacional acessa um e-mail, assiste a um vídeo do Youtube ou realiza qualquer transmissão de dados pela internet, talvez não pense na infraestrutura necessária para realizar essas ações corriqueiras. Mas, sem ela, seria bem mais complicado fazer pesquisas de ponta no Brasil ou manter campi universitários em regiões remotas do país. 

Uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) avaliou justamente a importância da existência de uma rede nacional de alta capacidade para atender as demandas da comunidade científica brasileira – a rede Ipê. Para isso, o estudo promoveu uma extensa análise dos investimentos da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa(RNP), entidade responsável por operar a rede Ipê, e dos impactos de sua atividade em diversos setores da economia. Além dessa análise quantitativa, foi feito um levantamento qualitativo sobre os benefícios da atuação da RNP do ponto de vista de seus diferentes usuários.

Na parte quantitativa, a pesquisa mediu os impactos diretos e indiretos das operações da RNP em mais de 50 setores econômicos que compõem a cadeia produtiva do setor, tendo como referência dados de 2010 fornecidos pela própria entidade e pelo Sistema Nacional de Contas.

Segundo a avaliação, a RNP teve um valor de produção total de R$ 114 milhões em 2010, indicador que considera serviços contratados, salários, investimentos em infraestrutura e todos os demais custos e investimentos para a operação da rede.

Considerando os impactos diretos e indiretos da RNP em todos os setores econômicos, as atividades da entidade geraram a movimentação total de R$ 224 milhões na economia, cerca de R$ 102 milhões do PIB, quase R$ 21 milhões em impostos e cerca de 1.500 empregos. “Isso quer dizer que cada R$ 1 do valor de produção da RNP movimentou quase R$ 2 na economia, algo muito significativo”, avalia Marcelo Cunha, economista da Unicamp e um dos responsáveis pelo estudo.

O Brasil em três casos

Complementar à análise econômica, a avaliação do impacto social da RNP teve como base o estudo de três casos que ilustram a diversidade de usos da rede no país. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais(Inpe) representou os centros com atividades de alta complexidade e grandes demandas de tráfego de dados. O núcleo da Rede Universitária de Telemedicina(Rute) na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) é emblemático da necessidade de serviços avançados de internet para o ensino. Por fim, o campus de Benjamin Constant da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) foi escolhido para simbolizar os campi no interior do Brasil, com acesso restrito à infraestrutura de rede. Os dados foram coletados a partir de reuniões e entrevistas com pesquisadores e estudantes.

O Inpe atua na pesquisa espacial e no estudo do clima e dos sistemas terrestres. Para atender suas demandas, a infraestrutura de rede deve possibilitar a comunicação entre as estações de recepção de dados de satélite e suas unidades de processamento, inclusive o supercomputador Tupã, além de viabilizar o acesso da sociedade aos dados.

“Os serviços do Inpe são fundamentais para economia, agricultura, ocupação urbana, proteção ambiental e muitas outras áreas”, ressalta Marcus Vinicius Mannarino, gerente de desenvolvimento organizacional da RNP. “O papel da rede Ipê para essas atividades é crítico, pois é a única infraestrutura no país capaz de proporcionar o fluxo de dados necessário para suprir as demandas.”

A Rede Universitária de Telemedicina tem o objetivo de auxiliar na capacitação dos profissionais da área da saúde (médicos, enfermeiros, odontologistas, fonoaudiólogos, entre outros) em diversas especialidades, por meio de debates, discussões de caso, aulas e diagnósticos à distância. A iniciativa, considerada a maior do mundo na área, conta com mais de 60 núcleos pelo país.

Segundo o estudo, a atuação da RNP, que coordena a Rute, é fundamental para constituir essa rede de disseminação de conhecimento e promoção da saúde. Além disso, o trabalho da entidade torna mais eficiente a alocação dos recursos públicos, pois reduz custos de deslocamento de profissionais e dissemina instrumentos de gestão das políticas públicas.

Conexão remota

O terceiro caso estudado foi o do Instituto de Natureza e Cultura (INC), unidade da Ufam em Benjamin Constant, município de 33 mil habitantes localizado no Alto Solimões, uma das regiões mais pobres do país, a mais de mil quilômetros de Manaus, na fronteira com o Peru e a Colômbia. O acesso é feito por barco – três dias de viagem rio acima a partir de Manaus – ou de avião, via aeroporto de Tabatinga (um dos nove municípios que compõem a região). Além da Ufam, o Alto Solimões conta com unidades da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e do Instituto Federal do Amazonas (Ifam), ambas em Tabatinga.

Em atividade desde 2006, o INC conta com 1.350 alunos e oferece seis cursos de graduação (administração, pedagogia, antropologia, ciências agrárias e do ambiente, letras e ciências: biologia e química). 

Essa unidade da Ufam representa a outra ponta da cadeia a ser atendida pela RNP: os mais de 300 campi universitários espalhados pelo interior do país que estão sendo integrados à rede Ipê. A entidade, que assumiu a gestão da internet do campus de Benjamin Constant em 2010, aumentou recentemente a capacidade de transferência de dados ofertada de 1Mb/s para 4Mb/s. “É fundamental fornecer não só a conexão, mas também melhorar a qualidade da rede e oferecer serviços para proporcionar um ambiente de colaboração, uma das principais características das atividades de ensino e pesquisa atualmente”, afirma o diretor-geral da RNP, Nelson Simões.

Apesar de ainda ser bastante limitada, a internet do INC é considerada por professores e alunos a melhor da região, superior à oferecida pelos provedores privados que atuam na cidade – e cobram caro. “Em Benjamin, assim como em grande parte da região amazônica, só existe a possibilidade de conexão via satélite, o que aumenta a complexidade do serviço”, diz Mannarino.

Segundo o estudo, o campus tem desempenhado papel fundamental no desenvolvimento socioeconômico da região, ao gerar conhecimento sobre a realidade local e permitir o acesso a uma formação superior gratuita e de qualidade em área tão distante. A pesquisa destaca, ainda, a relevância da internet para o desenvolvimento das atividades acadêmicas e projetos de pesquisa que têm trazido uma série de benefícios sociais e econômicos para o Alto Solimões.

“Trata-se de um exemplo muito rico e simbólico da importância socioeconômica da integração de instituições localizadas em regiões remotas e do potencial humano espalhado pelo território nacional”, avalia Mannarino. 

Direto da fronteira
A convite da RNP, a Ciência Hoje On-line viajou até Benjamin Constant para conhecer de perto o trabalho realizado pela Ufam no município. Nos próximos dias, você vai conferir outras reportagens especiais sobre a visita, que vão mostrar o impacto da instalação da universidade na região, discutir a importância da internet para garantir a viabilidade do campus e apresentar alguns dos projetos realizados pelos professores e alunos na região.

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Marcelo Garcia e Thaís Fernandes, do Ciência Hoje On-line