Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O ‘ouro da internet’ ainda causa incerteza

“Vende-se uma BMW por 1,5 mil bitcoins.” Anúncios como esse, publicado no início de abril no Facebook, podem se tornar cada vez mais comuns, caso o ambicioso projeto da moeda virtual e descentralizada criada em 2009 se afirme no mercado. Mas nos últimos dias, o bitcoin deu sinais de como sua instabilidade pode atrapalhar os ideais de quem vê o “ouro da internet” como alternativa ao dinheiro fiduciário. Sem regulação central, a moeda supervalorizou até a marca dos US$ 266, perdeu metade do valor no dia seguinte, e retomou o curso positivo na semana seguinte. A montanha russa preocupa entusiastas, mas anima investidores de olho na onda especulativa.

Muitos especialistas apontam a crise de Chipre como um dos fatores mais importantes para a escalada do valor do bitcoin, que ganhou aspectos de bolha. Em tese, o temor de um congelamento de saques na Europa fez com que mais pessoas considerassem adquirir moedas virtuais. A cobertura na mídia também atraiu a atenção de investidores e contribuiu para a valorização.

Problemas de segurança

A intensa flutuação atrapalha os planos de quem projetou o bitcoin para ser uma forma efetiva de pagamento. Amir Taaki, desenvolvedor britânico fortemente envolvido com o projeto, afirma que a integração do bitcoin à economia real já começou a acontecer em diversas partes da Europa, inclusive em Londres, mas a instabilidade é preocupante.

– A taxa de câmbio importa, porque quando o preço é volátil, é mais difícil oferecer serviços em bitcoin. Mas se o preço dobrar ou cair à metade não me preocupa muito. O que importa é um preço estável – diz o programador.

Outro efeito colateral dos holofotes sobre o bitcoin é a atração de ladrões virtuais. Como não há contas bancárias para armazenar o dinheiro eletrônico, as moedas são guardadas no próprio computador do usuário, facilitando ataques de hackers mal intencionados. Além disso, os sistemas de compra e venda ainda são vulneráveis aos chamados ataques de negação de serviço, orquestrados com o objetivo de desequilibrar o sistema.

No dia 11 de abril, um dia após a moeda virtual alcançar a marca de US$ 266, o site de negociações japonês MtGox, que concentra 80% das operações em todo o mundo, saiu do ar e informou que sofreu um ataque “mais forte do que o normal”. No dia 18, o site voltou a sofrer quedas. Supostamente, os ataques seriam uma forma de forçar a chamada “panic sale”, que costumam derrubar os preços.

– Provavelmente, o sistema ficará mais forte, conforme tiver mais poder computacional, análise e revisão. Mas o aumento do valor do bitcoin tem aumentado o interesse de grupos maliciosos. Eu esperaria um aumento da sofisticação dos ataques – analisa Fergal Reid, especialista em segurança da Universidade College Dublin, na Irlanda, que pesquisa o assunto desde 2011.

Mercado brasileiro é pequeno

Ainda não se sabe se a bolha da moeda realmente estourou e se a moeda caminha para a estabilidade. Para Mikko Hypponen, especialista de segurança da empresa finlandesa F-Secure e investidor em bitcoin, nada é previsível.

– Não ficaria surpreso de ver o bitcoin chegar aos US$ 1 mil – aposta.

No Brasil, poucos investidores viveram a emoção do aumento da bolha. A já rarefeita comunidade nacional está há meses órfã do maior site de negociações, o Mercado Bitcoin, alvo de invasões hackers no ano passado. De acordo com Leandro César, fundador do portal, a previsão é de que o site volte a funcionar na próxima semana. O serviço conta com cerca de 2 mil clientes.

O bancário Rodrigo Batista, de 32 anos, continou investindo em dólar durante o crescimento da bolha, mas resistiu à tentação de vender seus cerca de 100 bitcoins na alta. Segundo ele, é preciso ter cautela e compreender a novidade.

– Entrar no mercado pensando em ganho imediato é besteira, porque o bitcoin é imprevisível no curto prazo. Depende muito do comportamento das bolsas e da atuação dos hackers. Pensando nele como uma tecnologia nova, aí ele tem seu valor – conta Rodrigo, que acabou se tornando sócio do Mercado Bitcoin na última sexta-feira.

O futuro do bitcoin ainda é incerto. A engrenagem matemática por trás do projeto prevê o controle do valor da moeda por meio de alguns artifícios, como a emissão limitada. Atualmente há cerca de 11 milhões de bitcoins em circulação no mundo e a quantidade máxima é de 21 milhões, uma forma de evitar inflação. Mas o fator humano ainda é essencial para fazer com que o projeto funcione.

Para Mikko Hypponen, da F-Secure, a moeda precisa lidar com muitas falhas.

– Qualquer moeda concorrente poderia tomar seu valor. Acho até provável, no longo prazo. O bitcoin tem vários problemas técnicos, alguns que foram resolvidos em outras moedas digitais De qualquer forma, acredito que alguma moeda digital vá se tornar algo comum ao longo da próxima década – prevê.

Já Amir Taaki acredita no amadurecimento da moeda e reconhece a necessidade de mais infraestrutura.

– Precisamos que serviços do dia a dia, como comida, viagens e habitação possam ser comprados com bitcoin. Precisamos criar uma economia completa com tudo que as pessoas precisam e esperam – defende Taaki.

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Marcello Corrêa, do Globo