Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

‘Estamos em uma situação de crise’

Fernando González Urbaneja (Burgos, Espanha, 1950) é o presidente da Associação de Imprensa de Madri. Até o mês de setembro, era também o presidente da Federação das Associações de Jornalistas da Espanha, a Fape. Licenciado em Ciências Políticas e Jornalismo, atuou como diretor, redator-chefe e redator em publicações espanholas importantes, como El País e Cinco Días, e trabalhou na revista Cambio 16 e na Antena 3. Atualmente, é articulista do jornal ABC e professor de Jornalismo na Universidade Carlos III, em Madri.

A Associação de Imprensa de Madri foi fundada em 1895 e a Fape, criada em Santander, em 1992, agrupa quarenta e cinco associações regionais de imprensa, com doze mil e quinhentos membros, e três associações setoriais de jornalistas, que somam três mil associados. A entrevista com Urbaneja foi na sede da Associação, na capital espanhola. O resultado da conversa foi uma análise acurada sobre a situação da imprensa na Espanha de hoje.

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É possível medir a influência e o poder da mídia espanhola de hoje?

Fernando González Urbaneja – Temos, no universo de meios convencionais, um desenvolvimento potente das televisões, todas com um componente importante de espetáculo e entretenimento, mas também com uma parte informativa de expressão. Temos um universo de televisões nacionais, regionais e locais com um nível razoável de concorrência. A metade é pública, estatal, autonômica (das diferentes províncias espanholas, chamadas de comunidades autônomas) ou local, e a outra metade é privada. Dessa metade privada, uma parte é privada espanhola e a outra parte é privada européia, fundamentalmente italiana.

O nosso mapa de rádios é muito diversificado. Há quatro rádios nacionais em cadeia, com programas muito potentes e que desempenham um papel muito importante de informação. Sessenta por cento da população segue o rádio diariamente. E noventa por cento segue a televisão diariamente.

Quanto à mídia impressa, temos seis ou sete jornais nacionais, editados em Madri ou Barcelona, com distribuição em todo território nacional, que tendem a cobrir cerca de trinta e cinco por cento da população, que é a que lê jornais, e uma centena de jornais regionais e locais que cumprem um papel em cada localidade. Não há cidade de mais de cinqüenta mil habitantes na Espanha que não tenha dois jornais. Ainda que a sua difusão seja baixa, são sempre um elemento de referência local.

A imprensa teve um grande crescimento de influência e reputação na Espanha entre os anos 70 e 90 e desde o ano de 95 há grandes problemas de credibilidade e reputação. Estamos neste momento em uma situação de crise.

Nível de leitura é baixo

Devido a quê?

F.G.U. – Por um lado, há uma queixa na sociedade sobre a trivialização dos conteúdos. Eles são muito voltados para o mundo das celebridades, fazem pouca verificação de fontes e possuem pouca qualidade; por outro lado, muitos meios apresentam alto nível de politização, tem uma coloração política muito acusadora e portanto são muito previsíveis quando assumem sua posição.

É possível dizer que há um certo grau de partidarização da imprensa espanhola?

F.G.U. – Sim, partidarização e previsibilidade. É possível intuir à noite o que os jornais vão falar no dia seguinte. Sabemos que terão posição pró-PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) ou pró-PP (Partido Popular). Temos aí um problema de viés, que em si não é mau porque é legitimo que os meios de comunicação tenham um viés. O que não é legitimo é que esse viés condicione o conteúdo informativo.

E a mídia digital, a internet?

F.G.U. – Experimenta um desenvolvimento intenso. Neste momento, todos os meios convencionais também atuam por internet. Não é apenas um suporte adicional que se une aos suportes clássicos. É um suporte que transforma os meios. Já temos televisão por internet, os jornais clássicos podem ser lidos por internet. Depois, ainda há o desenvolvimento da própria rede, muito intenso, muito opinativo, às vezes muito enviesado, muito valorativo, com pouco rigor ou com muito rigor, depende. Mas é um setor pujante, neste momento. Tanto em rádio, como em televisão e em internet, estamos na média européia.

Em imprensa escrita estamos mais atrasados que a média européia porque o nível de leitura é mais baixo na Espanha, historicamente.

50% das televisões são públicas

Como o espanhol se informa, em termos gerais?

F.G.U. – O espanhol se informa por várias vias. Há fenômenos curiosos. Um mesmo leitor pode utilizar vários jornais ao longo do mês. A informação é muito aberta, muito plural, e as pessoas se informam fundamentalmente de forma grátis, ou pelo rádio ou pela televisão ou por internet, e têm oportunidades razoáveis para se informar.

E os jornais gratuitos, são um fenômeno também na Espanha?

F.G.U. – É um fenômeno novo, de sete anos. Foi um fenômeno muito intenso, que amadureceu muito rápido, que se segmentou em quatro jornais de alcance nacional com tiragens hoje de quatro milhões de exemplares, distribuídos em todas as cidades de mais de cinqüenta mil habitantes. Há também um fenômeno de jornais gratuitos locais, ou de bairro, também muito intenso, que não está quantificado, mas que é também um setor que amadureceu muito rápido, que faz uns produtos de razoável qualidade e que provavelmente é dos mais avançados na Europa.

Como o Estado regula a atuação da imprensa na Espanha de hoje?

F.G.U. – Temos o artigo 20 da Constituição espanhola que é muito claro, muito rotundo, clássico como o artigo quinto da Constituição alemã, que estabelece um marco muito amplo de liberdades; temos uma ampla jurisprudência do Tribunal Supremo e do Tribunal Constitucional; e temos leis positivas, concretas, sobre o direito à retificação, o direito à honra, contra injúrias e calúnias, que funciona razoavelmente. Não há intervenções públicas. O que há, sim, é uma presença pública muito potente nos meios audiovisuais. Cerca de cinqüenta por cento das televisões são públicas, o que é muito típico da Europa, mas que dá um pouco uma sensação de equilíbrio instável.

Desafio é credibilidade e reputação

Como se dá a formação do jornalista espanhol?

F.G.U. – Aqui funciona uma fórmula das chamadas faculdades de Ciências da Comunicação, já há trinta anos. Elas são muitas. Temos quase quarenta, atuando em dois âmbitos, o de jornalismo e o do áudio-visual, que inclui televisão e cinema. A imensa maioria das redações está cheia de pessoas que estudaram para exercer essa profissão, cerca de noventa por cento. E há muita gente que tem a titulação, mas que nunca se dedicou ao jornalismo e que se dedica a outras coisas. Essas pessoas são metade dos graduados em jornalismo. É uma profissão bastante aberta.

E a qualidade do ensino de Jornalismo, como é?

F.G.U. – É deficiente. Há pesquisas que mostram que a qualidade do ensino do jornalismo é melhor avaliada pelos estudantes e pelos professores que pelos profissionais do mercado.

E o futuro? Quais são os desafios da imprensa espanhola?

F.G.U. – O desafio para a imprensa espanhola agora é o de recuperar a credibilidade e a reputação. É o de recuperar padrões de qualidade jornalística mais altos. Temos um problema de padrões de qualidade, de informação mais contrastada, de melhorar fontes, fontes mais depuradas, mais confiáveis. Melhorar a qualidade e estabilizar projetos editoriais que não estão estabilizados. Agora estamos numa situação muito crítica porque há uma situação econômica muito ruim nos meios de comunicação, o que, nestas últimas semanas, tem levado a demissões.

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Jornalista e advogado, doutorando em Direito Internacional na Universidade Autônoma de Madri