Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Estrela Serrano

‘O mundo da comunicação é, hoje, o centro da política. (…) A profissão mais desprestigiada do mundo é a política. (…) O sistema de representação está em crise. 60% dos europeus pensam que não estão a ser governados segundo a vontade do povo e 3/4 dos cidadãos, em todo o mundo, pensam que os políticos são potencialmente corruptos e não se interessam pelos seus problemas. (…) Há que perguntar como se chegou a isto.’ Este quadro inquietante foi traçado, há dias, na Gulbenkian, pelo sociólogo Manuel Castells, em resposta a perguntas de um imenso público que acorreu à Fundação para o ouvir falar da sociedade em rede.

São, certamente, múltiplas e diversas as respostas que se poderão encontrar para as questões equacionadas por Castells. Independentemente da responsabilidade dos próprios actores políticos, a representação mediática da política não é alheia a uma discussão sobre essa matéria. As palavras de Castells revelam-se, aliás, adequadas a uma reflexão sobre muita informação política publicada em Portugal, em jornais de referência, nas últimas semanas, por definição, os mais atentos à actividade política.

Os portugueses que lêem esses jornais têm sido insistentemente ‘informados’ sobre uma intensa actividade política de bastidores no seio do Governo e dos partidos que o apoiam. Para além da remodelação de ministros que habitualmente são dados como fazendo parte de ‘listas de saída’, as notícias insistiam, até há dias, na inevitabilidade da ‘remodelação’ da ministra da Justiça. A crer nessas notícias, a ‘falta de solidariedade’ do primeiro-ministro e o ‘facto’ de a ministra se encontrar em ‘rota de colisão’ com o líder do seu partido tornavam a sua substituição inevitável. A ministra terá chegado a pedir a demissão mas foi demovida pelo PM. Uma lista de prováveis ‘substitutos’ não tardou a surgir nos jornais, entre os quais se encontrava o líder do grupo parlamentar do PSD que, segundo outras notícias, dera ‘sinal’ ao PM da sua disponibilidade para ser ministro.

A notícia de que o professor Marcelo Rebelo de Sousa seria cabeça de lista do seu partido para o Parlamento Europeu e de que o presidente do Governo Regional da Madeira substituiria o Presidente da Assembleia da República, alimentou, também, intensa discussão em jornais, rádios e televisões, ao mesmo tempo que a recondução do comissário europeu, António Vitorino, era afirmada nuns jornais e negada noutros.

Outras notícias apontam, entretanto, ‘focos de tensão’ entre membros de vários gabinetes ministeriais, de tal ordem que são já os próprios ministros e secretários de Estado a quererem sair do governo. Ao mesmo tempo, há relatos de que as relações do PM com alguns dos seus ‘mais próximos’ sofreram ‘abalos’, chegando a haver ‘discussão acesa’, por causa da notícia sobre o professor Marcelo.

A entrevista do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, ao Expresso, vem dar novo ânimo à actualidade política. Saber se a entrevista fora ‘concertada’ com o PM foi assunto que dividiu os comentadores.

Os jornais, ora admitiam que o PM soubera antes quais seriam os seus contornos, ora admitiam que, afinal, não sabia todos os pormenores. As reacções multiplicam-se, surgem debates, entrevistas e artigos. A reacção ‘oficial’ só chegaria dias depois, passando, então, as notícias a deter-se sobre o seu enquadramento e significado. A remodelação ministerial é esquecida e as notícias centram-se, agora, nas eleições presidenciais.

A crer nos jornalistas que assinam essas notícias, as fontes são todas credíveis e provêm de áreas, círculos ou núcleos próximos do Governo, ou de conversas ‘entre portas’.

Contudo, confrontando os dados, verifica-se que, na maioria dos casos, os envolvidos, ou os seus ‘próximos’, vieram numa segunda fase dizer o contrário do que eles ou outros haviam dito na primeira.

Tivemos, assim, a ‘remodelável’ ministra da Justiça a negar que se tenha demitido ou que esteja de saída; o primeiro-ministro e o líder do partido da ministra a reafirmarem-lhe confiança, e o líder parlamentar do PSD a anunciar que vai recanditatar-se ao lugar, mostrando que, afinal, não é ‘ministeriável’.

Quanto ao professor Marcelo Rebelo de Sousa, nega veementemente, no seu espaço na TVI, estar de saída para Bruxelas e acusa os ‘meninos’ do Governo de andarem ‘a brincar à política’.

Por seu lado, o presidente do Governo Regional da Madeira afirma que nunca porá os pés em S. Bento.

Indiferentes ao grau de veracidade da matéria noticiada, editorialistas e comentadores vão traçando cenários, poucos se interrogando sobre as consequências e o significado mais profundo das estratégias que orientam tão intenso fluxo de desinformação.

Se, como afirma Castells e os factos mostram, os media estão no centro da política, é forçoso concluir que o desprestígio de uma parte arrastará o da outra. Os cidadãos terão, então, razões, para se alhear de ambos, o que pode explicar o quadro inquietante apresentado pelo sociólogo.

Bloco-Notas

TELEVISÃO E POLÍTICA Se é certo que a imprensa possui responsabilidades na imagem que os cidadãos têm da política e dos políticos é, geralmente, admitido que cabe à televisão a maior responsabilidade.

Seria, contudo, redutor pensar que os jornalistas são os únicos responsáveis pela degradação dessa imagem. De facto, não apenas os programas de informação ocupam uma pequena parte na programação televisiva, como não são apenas esses programas que veiculam imagens e crenças sobre a política e os políticos. De facto, sabe-se, hoje, que os programas de humor e de variedades, como os chamados reality e talk shows, contribuem fortemente para incutir determinados valores nos telespectadores.

TELEVISÃO PRECONCEITUOSA Diversos estudos sobre a representação de políticos nos programas televisivos de entretenimento mostram um predomínio dos aspectos negativos. Por exemplo, um estudo sobre os programas transmitidos no prime time dos principais canais americanos, mostra uma visão preconceituosa do Governo, com os políticos a ser apresentados como corruptos potenciais, preocupados, em primeiro lugar, consigo próprios, só raramente se encontrando um programa que apresente o sistema político como algo que funciona em defesa dos cidadãos.

Ora, a representação negativa da política e dos políticos influencia a percepção do público sobre as instituições democráticas.

HUMOR NA POLÍTICA Num artigo publicado na revista The Harvard International Press Politics, 8 (3), Niven, Lichter e Amundson, analisam o conteúdo político de programas televisivos transmitidos no período nocturno, entre 1996 e 2000. Entre esse programas figuram Tonight Show, com Jay Leno, Late Show, com David Letterman, e Politically Incorrect, tendo sido seleccionadas mais de treze mil ‘piadas’ e ‘anedotas’ sobre políticos americanos. O objectivo era identificar os alvos e os temas do humor político e a sua influência nas eleições presidenciais americanas de 2000.

ESTEREÓTIPOS Os resultados são elucidativos: entre os milhares de ‘piadas’ e ‘anedotas’ analisadas, uma enormíssima percentagem incide sobre o presidente, os candidatos e respectivas famílias, funcionários e ‘especialistas’ na maledicência. Apesar de os temas variarem de acordo com as notícias do dia, o humor orienta-se para pessoas e não para assuntos. As ‘piadas’ são: o presidente e os candidatos são demasiado velhos, ou gordos, ou estúpidos, ou libidinosos, ou propensos a mentir. Segundo um apresentador, citado no estudo, o objectivo é reduzir as pessoas a estereótipos monossilábicos. Em resposta a uma pergunta, sobre se as coisas desagradáveis que eram ditas no programa, o incomodavam, o actual presidente, então candidato, respondeu: ‘Fico contente por você dizer o meu nome.’’