Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Guálter George

‘A manutenção da figura do ombudsman por um jornal representa, em si, um sinal de intolerância com o erro que se aponta ter para o seu leitor específico e a comunidade em geral. Mesmo assim, mesmo considerados aqueles poucos veículos que se dispõem a manter uma instância crítica de tal nível, a verdade é que os jornais erram muito acima do que se poderia definir como tolerável. Considerado o erro no seu sentido mais amplo, sem qualquer nível de contemplação derivada de um conhecimento prévio sobre o que é uma Redação, suas rotinas e dificuldades. Para um jornalista como eu, a vida toda preso a este processo e às muitas limitações dele derivados, a descoberta de que os erros são tantos no caso do O Povo, com a qualidade que muitos apresentam, termina sendo o principal aprendizado que a experiência de ser ombudsman tem possibilitado até o momento. Dificilmente, acredito, seja possível voltar à Redação sem rever uma série de conceitos a partir do que se experimenta fazendo a leitura do jornal dentro de uma perspectiva diferenciada, necessariamente rigorosa. Fechei a quarta semana no exercício da função sob o claro sentimento de que as Redações precisam alertar para a gravidade do quadro e trabalharem para revertê-lo. A nossa, pelo menos, vivencia o debate diário possibilitado pelo dedo em cima da ferida que o ombudsman, como função, precisa manter.

Problema e solução complexos

O problema gramatical é, feita uma escala qualitativa dos erros, o mais urgente a ser atacado. Ao contrário do que faz sugerir, porém, a solução passa por um intenso processo de treinamento dos profissionais que hoje estão na Redação, exige que a empresa mude critérios de contratação de pessoal, especialmente para o setor que abriga os jornalistas e afins, mas não pode ficar apenas nestas providências. Os erros não são resultado direto, em muitas situações, de maior ou menor conhecimento do português ou mesmo das técnicas jornalísticas pelos profissionais encarregados de escrever ou editar. É comum que na origem do problema esteja uma postura de relaxamento, por exemplo, com a operação editorial. Ou seja, estaríamos diante de um outro tipo de erro. É o que se dá quanto à hifenização, problema corriqueiro nas nossas edições e que não tem a ver, excetuadas situações raras, com o texto original do repórter. Uma atenção que falte depois dele posto na página pode resultar na perda de todo o cuidado que se teve até aquele momento para oferecer o melhor português. Considero importante ressaltar para o leitor comum, do qual não se pode exigir que tenha tal compreensão, que muitos dos problemas que ele detecta no exemplar que lhe chega às mãos resultam mais de equívocos operacionais do que propriamente como resultado de uma provável falta de conhecimento da melhor regra de gramática. Até porque, se assim o fosse, o caso seria muito mais grave e não comportaria ações pontuais. É impossível imaginar, afinal, que um jornalista seja capaz de escrever Fortaleza hifenizando assim – ‘Fort-aleza’. Para citar um exemplo de muitos que acabamos detectando a cada dia de leitura das nossas edições.

Do diálogo aos resultados

As críticas internas produzidas no âmbito do ombudsmato, minhas e de todos e todas que me antecederam, colocam em debate problemas que diariamente as edições apresentam. Dos hífens mal postos, como os exemplos anteriormente citados, às palavras grafadas erradas por desconhecimento, puro e simples, de textos mal construídos a abordagens equivocadas, ou discutíveis, de informações incompletas a notas incompreensíveis, porque cifradas, ali estão os problemas se repetindo, um dia após o outro em muitos casos. O surpreendente no processo de resistência do erro é que o diálogo com a Redação existe, a conversa flui, os retornos acontecem. Logicamente, parte do que é apontado como erro resulta de visões pessoais, depende de quem eventualmente ocupa a função. Grande parte, no entanto, está presente no debate a todo momento, simbolizando a necessidade de um enfrentamento ao erro dentro de um processo que sensibilize o jornalista para sua inconveniência permanente, especialmente diante do nível e intensidade com que aparece.

Duas vezes Adísia

Dois eventos recentes tiveram como figura central a jornalista que trouxe até nós a realidade do ombudsmato, através da primeira experiência do gênero no Ceará. Sem Adísia Sá, talvez o jornal O Povo não tivesse contado com a parceira de que precisava, a partir de uma série de qualidades prévias indispensáveis, para levar adiante um processo que, se hoje é incompreendido, o era em proporções muitos maiores há dez anos, quando ela encarou o desafio de abrir caminho para a implantação de um serviço de ouvidoria no jornal. O discurso da jornalista na noite de lançamento do livro-coletânea ‘Ombudsmen-Ouvidores – Transparência, mediação e cidadania’, dia 4 último, fala por si, para quem o ouviu, naturalmente. Diante de um platéia atenta e que lotava o espaço do Ideal Clube, ela fez cobrança, expôs suas desconfianças diante de personagens que considerava merecê-las, enfim, mais do que nunca, e como sempre, exerceu seu espírito crítico da forma como melhor sabe fazer. Com energia e justiça, mas sem grosseria ou condenações. O livro foi organizado por ela, pelo jornalista Roberto Maciel, também ex-ombudsman do O Povo, e Fátima Vilanova, ex-presidente da Associação dos Ouvidores do Ceará, entidade que também nasceu das idéias e da persistência de Adísia Sá.

O outro momento importante dos últimos dias que teve Adísia Sá como personagem central foi a homenagem que o curso de Comunicação da Faculdade Nordeste (Fanor) decidiu prestar a ela, criando uma cátedra com seu nome. Raras vezes uma instituição de ensino foi tão feliz numa iniciativa, considerando o mérito de quem está sendo lembrada e a sua simbologia para o ambiente jornalístico do Ceará. Na verdade, já para a história jornalística brasileira.’