Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Internet, liberdade e autonomia

Manuel Castells é um dos sociólogos internacionais que mais estuda a sociedade da informação. A sua trilogia A era da informação: economia, sociedade e cultura já foi traduzida para 23 línguas. Depois de ter lecionado, por 24 anos, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, desde 2001, ele dirige o departamento de pesquisa da Universidade Aberta da Catalunha. Seu estudo mais recente chama-se Projeto Internet Catalúnia. Durante seis anos, por meio de 15 mil entrevistas pessoais e 40 mil via internet, Manuel Castells analisou as mudanças que a internet produziu na cultura e na organização social. O pesquisador acaba de publicar, com Marina Subirats, a obra Mulheres e homens: um amor possível?, onde aborda o impacto da web.

A seguir, a entrevista concedida ao diário espanhol El País.

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Esta pesquisa mostra que a internet não favorece o isolamento, como muitos acreditam. Pelo contrário, ela revela que as pessoas que usam, por exemplo, as salas de bate-papo, são as mais sociais.

Manuel Castells – Exatamente, o que para nós não é surpresa alguma. A surpresa é que esse resultado tenha sido recebido com espanto. Há, pelo menos, 15 estudos importantes no mundo que revelam o mesmo resultado.

Por que se acreditae exatamente ao contrário?

M. C. – Os meios de comunicação têm muito a ver com isso. Todos sabemos que, para a mídia, o que é mais notícia é a notícia negativa. Você utiliza a internet e seus filhos também. Mas é mais interessante acreditar que ela está cheia de terroristas, de pornografia… Pensar que ela é um fator de alienação é mais interessante do que dizer que a web é a extensão de nossas vidas. Se você é sociável, será mais sociável. Se não é, a internet o ajudará um pouquinho, mas não muito. De certa forma, os meios de comunicação expressam o que a sociedade pensa. A questão é: por que a sociedade pensa assim?

Por que tem medo do novo?

M. C. – Exatamente. Mas medo de quem? A velha sociedade tem medo da nova. Os pais dos seus filhos. As pessoas que têm o poder ancorado num mundo tecnológico, social e culturalmente antigo do poder que pode desestabilizá-las do poder que não entendem, controlam e que percebem como perigoso. A internet é um instrumento de liberdade e de autonomia. O fato é que o poder sempre foi baseado no controle das pessoas, por meio do controle do acesso à informação e à comunicação. Mas isto, com a web, acaba. A internet não pode ser controlada.

Vivemos numa sociedade em que a gestão da visibilidade na esfera pública midiática, como define John J. Thompson, se converteu na principal preocupação de qualquer instituição, empresa ou organismo. Mas o controle da imagem pública requer meios que sejam controláveis. Mas nesse sentido, se a internet não é …

M. C. – Não, não é controlável. E isso explica por que os poderes têm medo da internet. Participei de várias comissões que assessoravam governos e instituições internacionais nos últimos 15 anos. A primeira pergunta que os governos faziam era: como podemos controlar a internet? A resposta é sempre a mesma: não se pode. Pode-se vigiar, mas não controlar.

Se a internet é tão determinante na vida social e econômica das pessoas, seu acesso pode ser o principal fator de exclusão?

M. C. – Não. O mais importante ainda é o acesso ao trabalho e à carreira profissional, bem como o acesso à educação. Sem educação, a tecnologia não serve para nada. Na Espanha, a chamada exclusão digital é uma questão de idade. Os dados são bem claros: entre os maiores de 55 anos, somente 9% são usuários da internet. Mas entre os menores de 25 anos, 90% navegam regularmente.

O acesso integral é, portanto, uma questão de tempo?

M. C. – Quando minha geração desaparecer não haverá mais esta exclusão digital no que diz respeito ao acesso. Mas, na sociedade da internet, o complicado não é saber navegar, mas saber onde ir, onde buscar o que se quer encontrar e o que fazer com o que se encontra. Isso requer educação. Na realidade, a internet amplifica a velha exclusão social da história: que é a educação. A verdadeira exclusão digital é o fato de que 55% dos adultos não tenham completado, na Espanha, a educação secundária.

Nesta sociedade que tende a ser tão líquida, na expressão de Zygmunt Bauman, em que tudo muda constantemente e que é cada vez mais globalizada, o senhor acredita que a sensação de insegurança vem aumentando?

M. C. – Há uma nova sociedade que busquei definir teoricamente com o conceito de sociedade-rede – e que não está distante da que define Bauman. Creio que, mais que líquida, é uma sociedade em que tudo está articulado de forma transversal e onde há menos controle das instituições tradicionais.

Em que sentido?

M. C. – Admite-se a idéia de que as instituições centrais da sociedade – o Estado e a família tradicional – já não funcionam. Então, o chão se move sob os nossos pés. Primeiro, as pessoas pensam que seus governos não as representam e que não são confiáveis. Começamos mal. Segundo, elas pensam que o mercado é bom para os que ganham e mau para os que perdem. Como a maioria perde, há uma desconfiança para o que a lógica pura e dura do mercado pode proporcionar às pessoas. Terceiro, estamos globalizados. Isso significa que nosso dinheiro está no fluxo global que não controlamos, que a população está submetida a pressões migratórias muito fortes, de modo que é cada vez mais difícil aglutinar as pessoas numa cultura ou nas fronteiras nacionais.

Qual é o papel da internet neste processo?

M. C. – Por um lado, ao nos permitir acessar toda informação, ela aumenta a incerteza, mas ao mesmo tempo é um instrumento-chave para a autonomia das pessoas – e isto é algo que demonstramos pela primeira vez na nossa pesquisa. Quanto mais autônoma é uma pessoa, mais ela utiliza a internet. Em nosso trabalho, definimos seis dimensões de autonomia e comprovamos que quando uma pessoa tem um forte projeto de autonomia em qualquer uma dessas dimensões ela utiliza a internet com muito mais freqüência e intensidade. E o uso da internet reforça, por sua vez, a sua autonomia. Mas, claro, quanto mais uma pessoa controla a sua vida, menos ela se fia nas instituições.

E maior então pode ser a frustração da pessoa pela distância que há entre as possibilidades teóricas de participação (o voto, por exemplo) e as que exerce na prática?

M. C. – Sim, há um descompasso entre a capacidade tecnológica e a cultura política. Muitos municípios colocaram Wi-Fi de acesso. No entanto, se ao mesmo tempo não são capazes de articular um sistema de participação, servem para que as pessoas organizem melhor as suas próprias redes, mas não para participar da vida política. O problema é que o sistema político não está aberto à participação, ao diálogo constante com os cidadãos, à cultura da autonomia. Portanto, estas tecnologias contribuem para distanciar ainda mais a política da cidadania.

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Jornalista