Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalismo virou profissão de risco

O Senado da República realiza hoje uma sessão especial para destacar os 200 anos da Imprensa Brasileira, transcorrido em 1º de junho, e homenagear o seu Patrono, Hipólito José da Costa, fundador do nosso primeiro jornal, o Correio Braziliense.


Hipólito da Costa criou o Correio em 1º de junho de 1808, em Londres, onde estava exilado. Fugia da Inquisição Portuguesa, depois de três anos e meio preso num cárcere em Lisboa. Hipólito da Costa, um cosmopolita, transitou entre dois continentes, mas nunca mais voltou à sua pátria.


A imprensa brasileira surge na história sob o signo da intolerância. Nosso jornalista pioneiro foi perseguido por suas idéias, e o primeiro jornal circulou de forma clandestina no país – desde o início até a última edição, em dezembro de 1822.


Hoje, com o país em plena democracia, o Correio Braziliense vive uma nova e brilhante fase. O primeiro número desse renascimento, editado por Assis Chateaubriand, foi lançado na inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960. O Brasil vivia uma época de ouro, um período de grande otimismo no futuro do país, e o Correio, renovado, registrava os acontecimentos com entusiasmo.


Presto as minhas sinceras homenagens ao Correio Braziliense, aqui representado por seu presidente Álvaro Teixeira da Costa. Dirijo-me, também, à equipe de profissionais e trabalhadores, que tornam o jornal uma referência nacional. Sua criatividade surpreende quase que diariamente os leitores. Um exemplo é a revista em quadrinhos encartada na edição de domingo (1/6), sobre Hipólito da Costa.


De forma didática, a revista ilustrada conta a história do Patrono da Imprensa Brasileira e da fundação do Correio Braziliense – ‘um jornal que nasceu duas vezes: em 1808, em Londres; e em 1960, em Brasília’. A iniciativa de abordar assuntos de interesse público em forma de revistas em quadrinhos é elogiável e poderia se tornar permanente. Um tema que me ocorre é a questão da Amazônia, que desperta curiosidade cada vez maior, não só no país, como em todo o mundo. Mais uma vez, meus parabéns ao Correio.


Jornalista processados


Senhoras e Senhores, todos podemos ver a frase destacada no painel: ‘Revelar a verdade é um dever sagrado para o jornalista’. Ela resume, completamente, a relação que Hipólito da Costa tinha com o jornalismo, visto também como um serviço público em benefício da sociedade e da cidadania.


De fato, nada pode ser tão importante para a imprensa quanto a obediência ao princípio da verdade. Mais ainda do que para qualquer outra profissão, pois, no caso da comunicação social, sua credibilidade e relevância decorrem, diretamente, do grau de observância a este princípio.


A verdade tem relação estreita com a ética e a liberdade, conceitos que implicam responsabilidade, respeito e compromisso com o próximo, pilares fundamentais da democracia e da civilização. Tanto é assim, que a referência à liberdade está presente nas Constituições de praticamente todos os países do mundo.


A Constituição do Brasil, em seu artigo 5º – ‘Dos direitos e garantias fundamentais do cidadão’ – assegura a todos o acesso à informação. A liberdade de imprensa está garantida amplamente no artigo 220 – ‘Da Comunicação Social’ –, que veda qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística. Diz, ainda, nossa Carta Magna que não pode haver monopólio dos meios de comunicação, de forma direta ou não.


Está na Constituição, mas a virtude de uma República, é evidente, não se faz somente com boas leis.


A liberdade de expressão também consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos que, em seu preâmbulo, consagra a liberdade de palavra e de pensamento, sob a proteção do Estado de Direito. E, numa dimensão poética, ‘O Estatuto do Homem’, do nosso querido Thiago de Mello, estabelece em seu artigo primeiro, simplesmente, que: ‘Fica decretado que agora vale a verdade’.


A verdade, meus amigos, era a pauta e a essência do trabalho do nosso primeiro jornalista.


A busca da verdade permanece atual e necessária, principalmente, quando o mundo globalizado vive a maior revolução na área da informação e das comunicações da história da humanidade. Entretanto, em que pese esse avanço tecnológico, com o advento da internet e dos blogs com notícias e opiniões instantâneas, continua a intolerância contra jornalistas e veículos que contrariam governos ou grupos.


O jornalismo de caráter investigativo, que tem no repórter Tim Lopes, um verdadeiro mártir, sofreu nesses dias um novo golpe: a detenção e tortura de uma equipe de um jornal carioca, por milicianos de uma favela. Há poucos dias, aconteceu o atentado contra um repórter de uma emissora de TV em São Paulo. O jornalismo investigativo virou profissão de alto risco no Brasil, o país onde mais se processa jornalistas no mundo. São quatro mil ações por ano.


Fonte de pesquisas


Senhoras e Senhores, que figura singular e admirável era o nosso Hipólito da Costa! Num país quase sem referências na vida pública nacional, a coragem e a convicção de Hipólito da Costa, na luta em defesa de suas idéias e, em seu amor pela pátria, merecem ser louvadas.


Hipólito nasceu em 1774, no povoado de Colônia de Sacramento, quando o território, que mais tarde se tornou o Uruguai, estava sob domínio português. Tinha quatro anos de idade e um irmão recém-nascido quando, com sua família, deixou a região, que passara ao controle espanhol. Os pais, Félix da Costa, um militar brasileiro, e Ana Josefa, uma moça portuguesa, atravessaram a fronteira e fixaram-se como fazendeiros no Rio Grande do Sul.


Até os 18 anos de idade, o futuro Patrono da Imprensa Brasileira e membro da Academia Brasileira de Letras viveu em solo gaúcho, entre Rio Grande e Pelotas. Formou-se na Universidade de Coimbra, em Portugal, em Direito, Ciências Naturais, Filosofia e Matemática. Sua inteligência, curiosidade e capacidade de observação chamaram a atenção da Corte.


Hipólito foi enviado aos Estados Unidos, em missão oficial, com o objetivo de registrar o que acontecia no país que, então, dava seus primeiros passos como nação independente. Com base em suas observações, escreveu um livro primoroso, Diário de minha viagem à Filadélfia.


Essa viagem mudou o pensamento e a vida de Hipólito José da Costa. A liberdade de imprensa de que desfrutava a jovem nação, despertou o futuro jornalista.


Ligado à maçonaria desde então, organização considerada subversiva pela monarquia, acabou preso, em Lisboa, pela Inquisição. Permaneceu dois anos e meio no cárcere. A experiência traumática foi relatada no livro Narrativa da perseguição, onde, pela primeira vez, se divulgava publicamente os autos e regimentos internos do Santo Ofício.


Socorrido por amigos influentes, Hipólito conseguiu fugir. Exilou-se na Inglaterra e nunca mais pôde voltar a Lisboa ou ao Brasil. Foi sepultado no estrangeiro, mas seus restos mortais foram transferidos para o Brasil e estão hoje no Museu da Imprensa Nacional, em Brasília.


‘O retorno de Hipólito ao Brasil é, de certa forma, o encontro do país consigo mesmo’, conforme a feliz definição do professor Jaques A. Wainberg, no artigo ‘As várias faces de Hipólito da Costa‘.


Em Londres, Hipólito sobreviveu, inicialmente, como professor e tradutor, até lançar o primeiro jornal brasileiro, muito bem recebido por um público ávido por notícias e informações sobre a Colônia do Brasil. Seus leitores formavam a elite, comerciantes, altos funcionários, políticos e intelectuais, nos dois continentes.


(O Correio Braziliense recebeu esse nome porque, na época, o termo brasileiro se aplicava apenas a quem vinha ao Brasil para enriquecer e, depois, voltar à Portugal. Ao passo que brazilienses eram aqueles que tinham o Brasil como pátria, mesmo se portugueses de nascimento. Os indígenas eram referidos como brasilianos.)


Cada número do jornal tinha cerca de 100 páginas, era editado uma vez por mês. Os leitores encontravam de tudo, desde notícias sobre novidades tecnológicas e suas aplicações práticas, até análises e comentários sobre assuntos políticos, econômicos e culturais, especialmente literatura – o Correio também trazia na capa o título Armazém Literário.


A coleção dos 29 volumes do jornal está preservado na Biblioteca Nacional, com textos introdutórios de Barbosa Lima Sobrinho, José Mindlin e Paulo Cabral de Araújo. É uma excelente fonte para historiadores e pesquisadores, que podem analisar o jornal e os fatos históricos comentados por Hipólito da Costa.


Otimismo exagerado


O jornalista não era agressivo em suas críticas, mas acreditava na justiça e não deixava de dizer o que pensava. Escreveu, certa vez, que considerava ‘triste, para um jornalista que deseja o bem de sua pátria, ser obrigado a revelar ao mundo verdades tão humilhantes para sua nação’. Assim, Hipólito deixa claro que considerava um dever do jornalista dizer a verdade e relatar os fatos, mesmo que isso contrariasse até mesmo o seu sentimento e condição de patriota.


Apesar das dificuldades, o Correio Braziliense exerceu grande influência e tinha muitos leitores também no Brasil, onde chegava de forma clandestina. Dizia-se que o próprio Dom João VI estava entre eles, pois com o jornal podia tomar conhecimento até mesmo sobre o que andavam fazendo os seus ministros.


Em todos os acontecimentos importantes da época em que circulou, o Correio esteve presente, através de seus comentários e notícias. As campanhas pela Abolição da Escravatura; pela permanência no Brasil do príncipe Dom Pedro I, e a luta pela Independência foram objetos das críticas e opiniões de Hipólito da Costa, um jornalista que honrou a profissão.


Na última edição do seu jornal, Hipólito despediu-se, alegando ser desnecessário manter a impressão de um jornal no exterior, dedicado às coisas do Brasil, quando já existia liberdade de imprensa no país. Era um otimismo exagerado, como se comprovou mais tarde, com a perseguição contra outros jornalistas que se arriscavam a contrariar o novo poder estabelecido com a Independência.


Hipólito morreu em Londres, de uma doença estomacal, em 11 de setembro de 1823, oito meses depois da sua despedida no Correio Braziliense. Em 1999, seu nome foi sugerido como símbolo da Imprensa Nacional pela Associação Rio-grandense de Imprensa.


História rica


Senhoras Senadoras e Senhores Senadores: é importante que não esqueçamos aqueles que lutaram, até com sacrifício da própria vida, para defender suas idéias e a liberdade de expressá-las.


Destaco o exemplo notável de profissionais que entraram para a história política do país, como Barbosa Lima Sobrinho, histórico presidente da Associação Brasileira de Imprensa e exemplo de dignidade; Vladimir Herzog, vitimado pelo regime militar.


É possível citar, ainda, muitos outros nomes que honraram a profissão, desde Cipriano Barata a Machado de Assis e José do Patrocínio, que publicavam desde manifestos e opiniões, até contos literários nas páginas das folhas e gazetas da imprensa brasileira.


É nossa responsabilidade a construção da sociedade que queremos para viver. A imprensa deve cumprir seu papel, estimular o debate e o pluralismo de idéias, tão salutar para os regimes democráticos.


Com essa homenagem procuramos destacar o valor da liberdade de expressão e da imprensa independente para a construção e manutenção de uma sociedade democrática.


A imprensa brasileira tem uma história rica e emocionante, que deve ser mais conhecida para que a nossa própria história, como nação, seja melhor compreendida.


Muito obrigado

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Senador da República