Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Listas de maus políticos ocultam a verdade

Pobre do país que precisa de listas de políticos em que não se deve votar… Todo mundo que divulga essas listas pela internet sem qualquer juízo prévio de seu conteúdo parece acreditar que está tendo uma atitude nobre, ou que está fazendo a sua parte para transformar este país já bonito por natureza em paraíso de retidão e probidade. Ledo, ledíssimo engano.

O que a divulgação dessas listas revela – além dos já sabidos mau-caratismo e indignidade da maioria dos nossos políticos – é a falta de senso crítico e até de responsabilidade de quem as propala.

Muitas dessas listas são apócrifas e não citam os fatos em que se baseiam para a condenação dos citados. ‘Condenação’ – diga-se – de quem elaborou ou divulga as listas, já que nem todos foram julgados e condenados à luz da lei vigente. Além disso, essas listas incorrem em acusações espúrias e levianas acerca de supostos ‘crimes’ cometidos por alguns parlamentares (como ser ‘bispo’ de determinada igreja, ex-tesoureiro de determinado partido, ‘dançarina do plenário’ ou simplesmente ser parente de parlamentar cujo assessor foi flagrado com dólares na cueca).

A cegueira crítica de algumas pessoas faz com que elas não se apercebam de que estão imputando a cidadãos que ainda não foram julgados e condenados pela Justiça a culpa por atos que teriam cometido, sejam crimes ou não. Se vivemos sob a égide de uma Constituição e num pleno estado de direito, devemos reconhecer o império da lei e a ela nos curvar (ou, antes, reformá-la, por que não?). Fora disso, vivemos no império do denuncismo inconseqüente e irresponsável.

Claro está, não se trata, aqui, de ocluir o péssimo desempenho de nossos políticos com o véu da lei – até porque o véu de Atena, nos últimos tempos, anda também conspurcado por denúncias de igual quilate.

Educação e esgoto

A questão de fulcro em tudo isso é que falta ao povo brasileiro um estímulo, desde a escola fundamental, à formação de um senso crítico mínimo que o leve, ao longo da vida, a fazer escolhas próprias, que prescindam de listas como essas que circulam agora pela internet. Um povo que depende de quem lhes diga em quem votar ou não votar é um povo fadado a eleger oportunistas, manipuladores e os eternos ‘salvadores da pátria’ que desfraldam – conforme a conveniência de momento ou a estratégia de seus marqueteiros – colloridas bandeiras de caça aos marajás, pela moralidade administrativa, contra a corrupção ou por um obscuro e inexplicado ‘pacto federativo’. E a história recente deste país indica que este é um filme que não vale a pena ver de novo.

O que as listas equivocadamente propõem é que anões, mensaleiros, sanguessugas e similares sejam erradicados pelo voto, nas próximas eleições. Mas não é assim que a coisa deve funcionar. O que é preciso é evitar que eles cheguem lá pela primeira vez. O eleitor, o cidadão, o indivíduo deve ser capaz de escolher e julgar previamente o aspirante a um cargo público, antes de lhe conferir um mandato, uma procuração para que o represente no parlamento ou no governo. Depois, é chorar sobre o leite derramado – ou, muitas vezes, pelo dinheiro desviado.

Essa mudança só poderá ser feita através da educação, prioridade negligenciada por toda a nossa classe política, que só tem olhos para ações imediatistas e eleitoreiras. Investimento em educação é para longo prazo; as eleições são a cada quatro anos. Além disso, investimento em educação é como rede de esgoto: ninguém vê. Assim, não dá voto.

Cabresto repaginado

Mas nem tudo está perdido, afinal. Na semana que passou, o Ministério da Educação determinou a obrigatoriedade do ensino de Filosofia e de Sociologia no ensino médio de todo o país. Um passo a favor da melhor compreensão das organizações sociais e da possibilidade de reflexão individual sobre o nosso destino como seres humanos e cidadãos.

Que, a curto prazo, a providência seja estendida a nossas crianças, para que, no futuro, elas sejam capazes de influir em seus próprios destinos sem depender de listas periódicas e efêmeras de bons ou maus candidatos a cargos públicos, segundo critérios de anônimos que agem, certamente, segundo interesses próprios ou de um sistema que, no fundo, defendem. Esses, com suas boas intenções e listas, voluntariamente ou não, cristalizam um sistema de valores e condutas em que brasileiros tornados incapazes de tomar livremente suas decisões segundo princípios éticos, morais e de consciência resultantes de uma formação e reflexão pessoais, são conduzidos a confortável e perigosa passividade. No fundo, nada mais que um tipo de ‘neocoronelismo’: o tradicional ‘voto de cabresto’, repaginado e difundido por velhas elites que agora dominam novas mídias.

(Em tempo: para quem acha que essas listas podem ser úteis para decidir seu voto, consultem http://perfil.transparencia.org.br, que apresenta apenas um perfil e o histórico dos candidatos. A escolha do eleitor é livre, segundo seus princípios, formação e consciência.)

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Jornalista, escritor e dramaturgo, Belo Horizonte