Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ministros do STF dizem que julgamento de Paulo Medina será imparcial

Relembrando, o ministro do STJ Paulo Medina, afastado de suas funções desde o ano passado, está sendo julgado por envolvimento num esquema de venda de sentenças apurado pela ‘Operação Furacão’ (investigação de corrupção, jogos ilegais, tráfico de influência e lavagem de dinheiro) da Polícia Federal.

O ministro Eros Grau disse que o julgamento de Medina não é mais relevante que a análise de suposta culpa de um ladrão de pão, por exemplo. Segundo ele, é um processo ‘como qualquer outro’. ‘Não é mais nem menos importante que um homem que roubou um pão’, afirmou. O ministro Eros Grau quer deixar transparecer uma seriedade que a atual composição do colegiado da superior instância de nosso Poder Judiciário não tem. Com o mesmo propósito, ainda em relação ao processo do ministro Paulo Medina, asseverou o ministro Carlos Ayres Brito que, apesar de o processo envolver magistrados, não haverá parcialidade na decisão.

E a imprensa ouve isso e repassa para a sociedade brasileira, como que dando um ‘atestado de idoneidade moral’ ao STF. Os meios de comunicação, sejam eles escritos ou eletrônicos (rádio, televisão, internet…), embora em sua maioria de propriedade privada, são serviços públicos formadores de opinião, donde se pressupõe que eles tenham uma grande responsabilidade para com a sociedade. Hoje, certamente, a sociedade brasileira carece mais do que nunca da franqueza da mídia. Está o povo brasileiro órfão. Suas instituições oficiais estão moralmente desgastadas, a partir dos órgãos máximos dos poderes da República.

Divino poder de persuasão

O povo está confuso; não sabe com quem está a verdade. Quem merece credibilidade? O STF? O Ministério da Justiça? A Polícia Federal? A Abin?… O povo realmente não sabe. Atravessamos um momento no qual, sob pena de também cair no descrédito, é imperativo que a imprensa não deixe de divulgar as informações que estão sob sua guarda e que ajudarão a sociedade a formar uma opinião mais consubstanciada sobre certos fatos. Exige-se dela, como última instância a que o povo pode se valer para formar seu convencimento, uma opinião crítica, serena e abalizada. Não pode ela, imprensa, pegar as informações externadas pelos ministros acima nomeados e divulgá-las como se fosse o supra-sumo da verdade.

Não é praxe, e nunca foi, em qualquer instância jurisdicional, o mesmo tratamento para todo e qualquer processo aqui no Brasil. E para fazer uma crítica isenta e esclarecedora das declarações não era de se exigir da imprensa maiores esforços. A contradição está na própria declaração do ministro Carlos Ayres Brito. Dizendo ele que ‘apesar de o processo envolver magistrados, não haverá parcialidade na decisão’, é de se inferir, inevitavelmente, que existiram processos que foram julgados sem imparcialidade – requisito maior para o exercício de uma magistratura de quem se espera uma justa prestação jurisdicional. Conclui-se também que poderão advir processos que serão julgados com parcialidade. Pelo andar da carruagem e mantida a atual composição do STF – é improvável uma mudança radical; só uma fatalidade afastaria todos os atuais membros (um que ficasse poderia frustrar a pretensão à mudança de comportamento do STF, especialmente o ministro Gilmar Mendes, que tem um divino poder de persuasão sobre seus pares – o felizardo será o processo do Daniel Dantas.

Se alguém fala grosso, é ele

E prova disso está no que deverá ser o julgamento desse processo. Ainda na fase de inquérito – não é processo judicial –, o STF tem deixado claro que o julgamento do ‘deus’ será diferenciado, isto é, se chegar a ser julgado. Poderia alguém questionar que a imprensa deve noticiar com base em fatos concretos e devidamente comprovados; não em conjecturas. Não é por falta de fatos concretos que a imprensa não mostra à sociedade que o STF não tem a cara que os ministros querem fazer o povo acreditar que tem. A mídia os tem e os divulgou, com provas produzidas pelo próprio STF. Relembremos o episódio em que a vulnerabilidade moral do STF foi exposta para a sociedade brasileira, por nada mais nada menos que dois de seus membros (Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa), quando da sessão realizada em 26/09/2007 – com transmissão televisiva – para julgamento de inconstitucionalidade de uma lei mineira.

‘Ministro Gilmar, me perdoe a palavra, mas isso é jeitinho. Nós temos que acabar com isso’, criticou. Em resposta ao ministro, Mendes disse que Barbosa não poderia ‘dar lição de moral’ no plenário da Casa. O relator da matéria disse que não queria dar ‘lição de moral’ ao plenário, mas Mendes retrucou: ‘Vossa Excelência não tem condições’, disse. ‘E Vossa Excelência tem?’, questionou Barbosa. É de se exigir mais do que isso para deixar claro que o STF não é imparcial como dizem seus ministros?

Seria impensável que ele, ministro Gilmar Mendes, não desse também seus pitacos no julgamento do juiz Paulo Medina. E sua interferência, sempre intempestiva e antiética, serve para corroborar o que estamos a dizer. Afirmou ele que as atribuições de um juiz não permitem associações com delegados nem procuradores. Declarou: ‘Temos feito advertência severa de que juiz não é sócio de delegado nem procurador na investigação. Juiz é órgão de controle nas investigações. Juiz não faz acordo com delegado ou MP para deferir ou indeferir pedido.’ Mais uma vez a imprensa ouviu e divulgou, sem tecer qualquer comentário aos impropérios do ministro. E é por isso que ele, ministro Gilmar Mendes, tem se achado o dono da verdade no Brasil. Se alguém fala grosso hoje no Brasil é ele. E o povo, por falta de ação da imprensa, entende que a verdade está com ele.

Compromissos escusos

Engraçado acharíamos, se não fosse deprimente. A simples investidura na magistratura já pressupõe que o investido esteja cônscio de suas atribuições. Quando um juiz togado galga o posto de ministro do STF já passou por experiências previsíveis e imprevisíveis no exercício da magistratura, já está com os cabelos grisalhos e com o rosto marcado por rugas que simbolizam a labuta que enfrentou para chegar ao mais alto posto da carreira – o que não é o caso de ministro-juiz ‘feito nas coxas’, no que se encaixa o ministro Gilmar Mendes (indicado pelo presidente da República, FHC). Portanto, não se admite que um juiz-ministro do STF não saiba como desempenhar seu múnus. Mas ele é de uma antiética de causar inveja ao mais lídimo mau-caráter. Trata seus pares como se fossem crianças de jardim-de-infância. É verdade que eles são assim tratados porque são permissivos. Por algum forte motivo não se dão ao respeito; não se impõem como magistrados, no mínimo, no mesmo nível dele; não o fazem ver que eles são ministros como ele; que ele não é presidente eterno do STF; que está presidente porque eles assim o fizeram e que poderá deixar de sê-lo doravante se eles assim entenderem; que a presidência do Supremo Tribunal Federal é uma necessidade da administração da justiça, não um pedestal que o coloca em nível hierarquicamente superior aos demais ministros e que, por isso, eles não lhe devem obediência

Só se pode pensar que ‘há mais mistérios entre o ministro Gilmar Mendes e seus pares do que imagina nossa vã filosofia’.

Pois é, a imprensa ouviu e divulgou, sem fazer qualquer comentário ao que prega e pratica o ministro Gilmar Mendes. A realidade que vivemos hoje impõe à imprensa um comportamento crítico às notícias que veicula, em especial aos fatos relacionados à crise institucional instalada no Brasil, não só pela responsabilidade social que ostenta, mas também, e principalmente, para a salvaguarda de sua credibilidade perante a sociedade brasileira. São constantes as insinuações de que parte dela é subserviente a Daniel Dantas. Portanto, a imprensa sadia, imparcial e, pois, descomprometida com quem quer que seja, não deve se furtar a fazer comentários e críticas para esclarecer a opinião pública e também deixando, assim, claro que só a ‘banda podre’ faz compromissos escusos.

‘Vou pedir alguma medida judicial’

Argumentos tem a imprensa para fazer cair a máscara do ministro Gilmar Mendes. Provas? Também as tem, fornecidas pelo próprio, de que ele é do tipo ‘faça o que peço ou mando, não faça o que faço; a teoria, na prática, é outra coisa’. No silêncio da imprensa, os menos avisados ficam pensando que o ministro Gilmar Mendes é exemplo a ser seguido. Não entendemos o porquê de a imprensa sonegar à sociedade brasileira os motivos que desautorizam o ministro-presidente do STF a fazer a tal ‘advertência severa’ a seus pares. Seus arquivos estão repletos de exemplos.

Exemplo 1 – Recebe em audiência empresários da Eternit quando tramitam sete ações diretas de inconstitucionalidade de interesse das empresas produtoras de amianto e artefatos que o contenham. Circularam informações de que ele teria aconselhado o grupo a procurar os seus colegas, ministros do STF, um a um.

Exemplo: 2 – Diálogo mantido com o senador Demóstenes Torres (gravado pela PF na Operação Satiagraha):

‘Demóstenes – Gilmar, obrigado pelo retorno, eu te liguei porque tem um caso aqui que vou precisar de você. É o seguinte: eu sou o relator da CPI da Pedofilia aqui no Senado e acabo de ser comunicado pelo pessoal do Ministério da Justiça que um juiz estadual de Roraima mandou uma decisão dele para o programa de proteção de vítimas ameaçadas para que uma pessoa protegida não seja ouvida pela CPI antes do juiz.

Gilmar – Como é que é?

Demóstenes – É isso mesmo! Dois promotores entraram com o pedido e o juiz estadual interferiu na agenda da CPI. Tem cabimento?

Gilmar – É grave.

Demóstenes – É uma vítima menor que foi molestada por um monte de autoridades de lá e parece que até por um deputado federal. É por isso que nós queremos ouvi-la, mas o juiz lá não tem qualquer noção de competência.

Gilmar – O que você quer fazer?

Demóstenes – Eu estou pensando em ligar para o procurador-geral de Justiça e ver se ele mostra para os promotores que eles não podem intervir em CPI federal, que aqui só pode chegar ordem do Supremo. Se eles resolverem lá, tudo bem. Se não, vou pedir ao advogado-geral da Casa para preparar alguma medida judicial para você restabelecer o direito.’

‘Boi sabe onde arromba a cerca’

Exemplo 3 – Quando da prisão de Daniel Dantas, antecipando-se aos advogados, saiu em defesa do banqueiro atirando para todos os lados. Antiético e intempestivo, sem conhecer os autos do inquérito, criticou ‘publicamente’ a ação policial e fez, também publicamente, prejulgamento do processo. Atender em audiência empresários interessados no feito; aceitar sugestão de político para deferir ou indeferir pedido; sair em defesa de banqueiro influente – tudo isso, ‘pode’.

No caso do ministro Paulo Medina, mais uma vez, com essa ‘advertência severa’, não só antecipou seu voto como conclamou (ou determinou?) os demais ministros a seguirem sua conveniência.

No dia 08 de maio de 2002, do alto de sua autoridade moral e intelectual, em artigo intitulado ‘Degradação do Judiciário’, publicado na Folha de S.Paulo, o causídico e professor Dalmo de Abreu Dallari já antecipava a situação que hoje vivemos.

‘(…) O presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica. Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional.’

Não foi profecia do professor Dalmo Dallari. A conclusão a que chegou foi fruto de cuidadosas observações comportamentais do hoje ministro do STF. Ele, Gilmar Mendes, chegou, à época, a cogitar o ingresso de ação penal contra o professor. Mas, astutamente, desistiu. ‘Boi sabe onde arromba a cerca’.

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Advogado, Salvador, BA