Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

No Mínimo

CORREÇÕES DE KOTSCHO
Ricardo Kotscho

A lembrança de cada um, 17/8/06

‘O leitor pode fazer esta experiência. Tente lembrar de algum fato acontecido dez, vinte anos atrás, ou mesmo na semana passada, e consulte seus amigos e parentes, que presenciaram o mesmo episódio, para confrontar a versão de cada um. É bem provável que surgirão versões diferentes da mesma história, lembradas de um jeito diferente, já que a memória não é uma ciência exata e está sempre sujeita aos achaques do tempo.

Tive certeza disso, se é que ainda havia alguma dúvida, quando conversei com velhos companheiros de redação do jornal O Estado de S.Paulo, onde comecei a trabalhar na grande imprensa, ao iniciar a pesquisa para meu livro de memórias recentemente lançado (ver coluna de Guilherme Fiuza). Durante o jantar na casa de um deles, o veteraníssimo Ludembergue Góes, saiu uma baita discussão e por pouco não saímos no tapa para provar que a nossa versão era a verdadeira, e os outros é que estavam ficando gagás.

A partir desta experiência mal sucedida, desisti de procurar meus contemporâneos das redações da vida e resolvi correr o risco de contar a minha própria versão da história _ quem quiser, que conte outra, a sua. Afinal, depois de passar a vida inteira escrevendo sobre a vida dos outros, agora era a vez de falar da minha própria, e seria de pouca serventia para o livro entrevistar outras pessoas para falar de episódios dos quais fui testemunha.

O dilema que se coloca para um trabalho deste tipo é ao mesmo tempo prosaico e dramático: quando você é jovem, a memória é boa, mas há poucas histórias para contar; quando se fica mais velho, as histórias são muitas, mas a memória já não ajuda. Por isso, o primeiro título que apresentei ao editor _ ‘Antes que eu me esqueça’ _, prontamente rejeitado, já era uma espécie de alerta. Como acontece com os computadores da nossa velha terrinha, talvez fosse mais apropriado um título que falasse em ‘Vagas Lembranças’.

Embora tenha feito uma consulta prévia a alguns personagens citados em temas mais controversos, confesso que fiquei bastante receoso nos primeiros dias após o lançamento do livro com os inevitáveis ‘não foi bem assim’ que eu iria ouvir. Já passadas três semanas, para minha surpresa, houve um único caso de queixa, que me foi encaminhada pelo Fernando Molica, hoje repórter da TV Globo.

Como já havia combinado antes com meu dileto editor Luiz Schwarcz de fazer as retificações necessárias na edição seguinte, sempre que surgissem versões diferentes ao que escrevi, a primeira será essa referente a um episódio registrado na página 193 do livro. Para quem já comprou um exemplar da primeira edição, solicito considerar o texto abaixo em lugar do que foi publicado no segundo e terceiro parágrafos da citada página.

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Um deles, Fernando Molica, então na Folha de S. Paulo, apressou-se em para passar à redação o comentário de Lula sobre Itamar. Seguiu-se uma discussão entre ele e outros jornalistas que acompanhavam a caravana, enquanto eu tentava lhe explicar que Lula não tivera a intenção de xingar o presidente da República, que aquilo fora apenas força de expressão. Os dois já tinham até um encontro agendado em Brasília, após o término da viagem, em que o candidato entregaria a Itamar o Programa de Segurança Alimentar elaborado ao longo de dois anos por um grupo de mais de oitenta técnicos do Governo Paralelo, sob o comando do agrônomo e fazendeiro José Gomes da Silva, pai do assessor José Graziano.

No texto da matéria, Molica explica o contexto em que o palavrão foi dito, deixando claro que Lula não teve a intenção de ofender o presidente da República, mas nos títulos da chamada de primeira página e na matéria a Folha destacou simplesmente que ‘Lula xinga Itamar’, fato que mereceu críticas do próprio ombudsman do jornal e mal estar em Brasília. Por isso, Lula ficou preocupado em esclarecer logo o episódio. Queria entregar o mais rápido possível o projeto a Itamar por achar que o povo encontrado ao longo da viagem não poderia esperar o governo seguinte para ver implantado um programa de combate à fome.

***

Outro amigo, o Goes do início da coluna, que foi meu chefe no Estadão, descobriu que errei o andar em que ficava a redação do jornal _ era no quinto e não no quarto, como escrevi. A redação da Folha, onde trabalhei depois, é que ficava no quarto andar. Carlinhos Brickmann, colega de várias redações, observou outra mancada em sua coluna no Observatório da Imprensa. George Duque Estrada é o brilhante editor gráfico perseguido pela ditadura a quem me refiro no livro _ e não Osório, que, como se sabe, virou nome de rua depois de compor o Hino Nacional.

Como esses, devem ainda aparecer outros casos de memória traída pelo tempo. À medida em que os for descobrindo, graças à ajuda de amigos com melhor memória do que a minha, vou fazendo as correções. O problema é que livro não é como jornal que você pode corrigir no dia seguinte. Tem que esperar a próxima edição _ e espero que ainda saiam muitas _ para que eu possa corrigir as outras falhas do texto original.

O que me consola é que isso também acontece com os melhores escrevedores da praça. Certa vez, fui ao lançamento do livro de um deles, muito meu amigo, que durante um debate promovido antes dos autógrafos falou com detalhes de um encontro que tivemos em Xapuri na cobertura do julgamento dos assassinos de Chico Mendes. O único problema, confidenciei-lhe depois, é que eu nunca fui a Xapuri na vida. Mas o episódio do encontro já estava registrado no livro.

O amigo deve ter-me confundido com outro careca, nada grave. Ou vai ver que ele gostaria sinceramente de nos termos encontrado lá. Acho que todos nós temos uma memória afetiva em que guardamos algumas lembranças, boas ou ruins, independentemente daquilo que é arquivado pelo cérebro.

Seja como for, prometo não escrever nenhum outro livro de memórias. É sofrido, dá muito trabalho, um monte de amigo fica de fora e, depois que a gente termina de escrever, começa a lembrar todo dia de mil outras histórias que não estão no livro. Para autores já com um certo tempo de estrada, talvez seja melhor escrever apenas sobre o futuro _ quem sabe, com menos chances de errar…’



CRÔNICA ESPORTIVA
Marcos Caetano

Escândalos e jabás, 19/8/06

‘‘Juiz ladrão!’ – eis o grito mais antigo dos estádios, quase tão antigo quanto o grito de gol. O pobre do juiz leva sempre a culpa. A gente sabe que até existe juiz ladrão. Aliás, existem muitos juizes ladrões. Mas será que eles são os únicos ladrões do futebol? É claro que não. Na condição de mais significativa e esfuziante manifestação brasileira, o futebol parece ter o poder de tornar superlativos todos os traços de velhacaria presentes na alma do país. Rouba-se na iniciativa privada? Rouba-se ainda mais no futebol. Sonegam-se impostos? Sonega-se ainda mais no mundo da bola. Algumas empresas estão quebradas? Os clubes estão ainda mais quebrados. Há deputados corruptos? Os deputados-cartolas são ainda mais corruptos.

É impressionante a quantidade de escândalos envolvendo os times de futebol. Para cada escândalo empresarial que alguém recorde, sou capaz de lembrar outros dois envolvendo agremiações esportivas – e isso apesar de existirem centenas de empresas para cada clube instalado no Brasil. Quantas histórias envolvendo cartolas e corrupção o amigo leitor já ouviu? Dez? Cem? Mil? Quem seria capaz de botar a mão no fogo em relação às transferências milionárias de jogadores brasileiros para o exterior? Qual clube não deve bastante ao INSS e ao FGTS? Quantas ações trabalhistas estão tramitando na justiça contra os clubes?

Escolha o crime, pois já vimos de tudo: sedes de clubes invadidas por fiscais da receita, empresários de jogadores famosos denunciados por lavagem de dinheiro, deputados da bancada da bola investigados por CPIs, craques indiciados por sonegação fiscal, adulteração de documentos para reduzir a idade oficial de jovens jogadores – os chamados ‘gatos’ -, estádios lotados cujos borderôs oficiais apontavam poucas centenas de pagantes, falsificação de ingressos, camisas piratas dos clubes vendidas nas portas dos estádios, adulteração de passaportes, roubo e derretimento da copa Jules Rimet, pancadaria e linchamentos em estádios, assassinatos de torcedores, suborno de jogadores, resultados forjados, cambalachos na designação de árbitros, dopagem, o diabo. Principalmente o diabo. Todo o código penal brasileiro foi desafiado pelo mundo do futebol.

Acho que nem o universo do sexo, drogas e rock & roll tem tanto sexo, drogas & rock and roll como o do futebol. Eu ia escrever que pelo menos a imprensa esportiva trata de denunciar as maracutaias do velho e violento esporte bretão. Isso é até verdade, mas apenas para uma parte da crônica esportiva. Infelizmente, é preciso admitir que para cada Juca Kfouri, para cada Trajano, para cada Tostão, para cada Armando Nogueira existe um jornalista jabazeiro, aquele camarada que recebe ‘um qualquer’ tanto para falar bem de um produto quanto, às vezes, para encher a bola um jogador, de um dirigente ou de uma federação de futebol. Algumas federações têm até os seus próprios programas jornalísticos, o que prova que, em matéria de velhacaria, o futebol é mesmo o esporte das multidões.

O jabá é um desrespeito à inteligência do torcedor. No meio de uma entrevista, quando o craque está prestes a fazer uma declaração relevante, lá vem o danado do apresentador jabazeiro para interromper a conversa e enaltecer um produto, como se ele realmente o conhecesse e usasse. E como se alguém fosse beber uma marca de cerveja ou utilizar um barbeador só porque um comentarista os recomenda. Quem age assim se iguala ao quadrúpede de trinta e duas patas, das crônicas de Nelson Rodrigues (que, aliás, jamais fez jabá).

É obvio que existem exceções, que existem dirigentes honrados e clubes com algum senso de ética. E também é óbvio que eu não terminaria a coluna sem escrever isso. Mas a dura realidade é que ninguém, nunca, jamais, em tempo algum foi preso por um escândalo futebolístico. Na história do esporte brasileiro jamais um cartola foi parar na cadeia. Já vi empresários, magistrados e até políticos irem em cana, nem que por umas poucas horas, mas nunca alguém ligado ao futebol. Ninguém vai preso! – eis o maior escândalo do futebol. Mesmo no Brasil, isso é um espanto.’



JORNALISTA SEQÜESTRADO
Carla Rodrigues

Despejo de refugo humano, 18/08/06

‘Na semana em que dois funcionários da Rede Globo de São Paulo foram seqüestrados em troca da exibição de um vídeo na TV Globo, NoMínimo foi conversar com o sociólogo Luiz Carlos Fridman, professor da UFF, autor de ‘Os jardins de Marx’ e ‘Vertigens pós-modernas’, sobre o que ele chama de ‘refugo humano’ – gente que não ocupou, não ocupa e não ocupará lugar nenhum na divisão social do trabalho. Parte desse excesso de pessoas que o capitalismo contemporâneo não consegue absorver como mão-de-obra está depositada, como lixo, nas prisões brasileiras. Num cenário de desmantelamento das instituições e de desmonte do estado do bem-estar social – que em países como o Brasil nunca chegou a ser sólido -, Fridman não acha que seja o caso de classificar os seqüestradores como terrorristas. ‘Eles só querem aparecer na televisão para se habilitarem como força a ser considerada pelas instituições carcerárias. Essa é uma ameaça terrível, pois se dispõem a utilizar a violência de maneira indiscriminada, impondo sacrifícios a todos os grupos e instituições’, analisa ele nesta entrevista.

Uma das exigências dos seqüestradores da equipe da TV Globo em SP era aparecer na televisão. No vídeo eles fazem uma série de exigências, mas seqüestram o jornalista pedindo em troca a exibição do vídeo. A partir dessa constatação, gostaria de perguntar se a sociedade está se dividindo entre pessoas e não-pessoas, entre visíveis e invisíveis?

– Não, mas estamos nos dividindo entre aqueles que têm uma vida para viver e os que não têm. Na economia contemporânea é o contrário do capitalismo industrial clássico. No capitalismo contemporâneo, que se move à velocidade do sinal eletrônico e que aplica intensa, ininterrupta e sucessivamente tecnologia à produção da riqueza material, criou-se uma nova categoria que é o refugo humano. O velho Marx falava em exército industrial de reserva, mas o exército industrial de reserva acabou. Não existe mais. O exército industrial de reserva eram as pessoas que não estavam alocadas na divisão social do trabalho, mas que iriam ser integradas, mais cedo ou mais tarde, ou poderiam vir a ocupar um lugar na divisão social do trabalho. O refugo humano é gente que não ocupou, não ocupa e não ocupará lugar nenhum na divisão social do trabalho. Isso acontece no Brasil, assim como na Ásia, na África e nos demais países da América Latina. Com a presença do terceiro mundo no primeiro mundo, também vai acontecer no primeiro mundo. O último filme do Costa Gravas, ‘O Corte’, trata dessa questão, só que ao nível dos executivos. Aquilo é a insegurança com o emprego, o efeito daqueles que estiveram empregados no mundo do desemprego estrutural.

Como você explicaria a expressão ‘refugo humano’?

– Os pobres, as grandes massas excluídas de todos os lugares do mundo, viraram refugo humano, ou seja, lixo humano que não tem vida para viver. É a partir daí que o nível de violência torna-se imenso. A sociedade contemporânea ainda não trouxe para si este problema, ainda está no projeto desenvolvimentista. A questão passa a ser: qual é a vida que as pessoas vão desejar viver na medida em que não existe emprego para todos e, portanto, todas as instituições de proteção social também foram desmanteladas pela predominância do neoliberalismo?

Mas quando se critica o desmantelamento das instituições, parece que aqueles que estão inseridos em instituições fortes ainda estariam protegidos. Mas esses também não estão bem, certo?

– Vivemos numa época de insegurança, incerteza e falta de garantia. No mundo do desemprego estrutural ninguém está verdadeiramente seguro. Esse refugo humano, na precariedade social brasileira, cria um novo tipo de pessoa que não é alcançada pelas instituições. É uma espécie de lixo humano que pode ser incorporado em qualquer coisa. É preciso prestar atenção para não adotar o discurso determinista de que todo pobre vai virar bandido. Se todo pobre virasse bandido, o mundo já tinha acabado. O que acontece é que o sujeito não tem vida para viver, mora numa casa de papelão, a mãe não trabalha e muitas vezes não tem nem pai, e ele nunca desceu do morro…

O universo fica restrito ali, configura-se um gueto. E como fazer a partir daí uma conexão com o PCC, o seqüestro do jornalista em SP?

– Esse já é um patamar diferente. Nesse aprendizado precário no interior das instituições carcerárias, vão surgindo as formas perversas do crime, a ponto de o crime ameaçar a sociedade. Na verdade, acaba sendo a forma como eles aterrorizam que os habilita a ser uma força – que não é terrorista (o terrorismo em geral obedece a propósitos de valor, ou religiosos ou políticos), mas os habilita como força perante a sociedade. Acho que ele quer aparecer na televisão para ser habilitado enquanto força a ser considerada pelas instituições carcerárias. Essa é uma ameaça terrível, pois eles se dispõem a utilizar a violência de maneira indiscriminada, impondo sacrifícios a todos os grupos e instituições. Isso é uma ameaça ao Estado de direito democrático, que precisa se defender e defender a população. Sem essa adição, a ‘interpretação sociológica’ fica leniente com as aberrações evidentes como a morte de civis ou seqüestros de jornalistas.

É importante fazer essa distinção entre violência e terrorismo?

– Claro. Uma coisa é o menino que vira fogueteiro no morro para ganhar R$ 300 por semana, outra coisa é o cara que já está dentro da instituição carcerária, que já está pensando como ele vai estabelecer relações com a instituição carcerária, como ele vai discutir visita, sexo, isolamento, todas as coisas que dizem respeito a uma multiplicidade de negociações. Eles utilizam a violência indiscriminada – e não o terrorismo – fazendo a sociedade toda de refém, o que deve ser firmemente repudiado. O aprendizado não é precário; é o aprendizado da revolta perversa que não mede conseqüências. Estão querendo fazer valer certas demandas nessa ‘multiplicidade de negociações’ sem qualquer representação. Não é, por exemplo, um suposto ‘movimento dos direitos dos presos’. Nenhuma dessas estratégias é política, é pau puro.

O crime organizado seria, então, uma forma de dar organicidade a essa força política?

– Não acredito que esta seja uma força organizada. Essa coisa de crime organizado é um pouco discutível. É uma forma de agregação súbita e pontual a partir da experiência carcerária, na qual ele se liga a todas as formas de perversão. Esses caras são perversos. Os bandidos da periferia exercem uma dominação muito forte em suas áreas. A classe média sente as formas de dominação econômica e social, mas os pobres são triplamente oprimidos. Eles sofrem a opressão da pobreza, a opressão da falta de justiça, da falta de beneficio social, da polícia e do bandido. São oprimidos especialmente pelos bandidos.

A proximidade geográfica faz com que eles fiquem mais vulneráveis a essa opressão?

– Se os bandidos desconfiam que uma garota do morro seja de uma outra facção, eles cortam o cabelo da garota e fazem ela descer do morro nua. Ou então queimam no pneu. Achar que os bandidos estão fazendo protestos é uma visão muito romântica.’

Xico Sá

A terceira onda e a profecia de Caveirinha, 7/8/06

‘Caveirinha tinha razão. Magro que só o sertanejo de Euclides da Cunha, homem-perfil, corinthiano até a medula, paulistano filho de nordestinos como milhões, morador da periferia da zona leste, o seu mantra se confirmou mais uma vez ontem em São Paulo: ‘Isso vai explodir e virar rotina de uma forma que ninguém imagina’.

Tudo bem, não precisa ser nem um profeta para fazer esse tipo de futurologia, mas Caveirinha, três maços de cigarro por dia e alimentação de passarinho, falava especificamente da grife PCC, facção que conheceu inicialmente pelas narrativas das mulheres dos bandidos, ainda nos anos 90, que ligavam para a redação do ‘Diário Popular’ (hoje ‘Diário de S.Paulo’) para conversar especificamente com o primeiro repórter a tomar conhecimento do monstro que se gerava nos subsolos das prisões paulistas. Não por coincidência, caso raro de jornalista hoje com origem nos subúrbios e que continua com o pé nos arrabaldes. Não larga a sua Itaquera por nada.

As mulheres do PCC, que muitas vezes, por ser vizinho de bancada de Caveirinha, atendi e anotei recados, queriam, além de contar como estava sendo formado o partido do crime, dizer que a dor que sentiam não saía no jornal. Como aquele matutino era, à moda clássica, um jornal popular, as damas do crime só desejavam fazer suas lágrimas boiarem como aspas.

Rezam os manuais que jornalista não é notícia. Então quebrem-se as regras. Neste caso sim. Ou então dane-se a notícia chata e convencional. Se o próprio Caveirinha um dia mordeu o seu próprio cachorro ao chegar em casa _mas essa é uma linda e romântica história bem particular_ ele é sim um personagem importantíssimo que sempre disse e tem muito mais a dizer. Para os mais jovens, explico: diziam sempre nas redações, em lição para os focas (iniciantes), que quando um cachorro morde um homem, tudo bem, não é notícia, mas quando ocorre o contrário, bomba, parem as máquinas, aí temos manchetes garrafais.

Caveirinha, várias vezes alvo e perseguido pelo crime organizado, escreveu zilhões de reportagens sobre o PCC, depois contou tudo em livro _’Cobras e Lagartos _a vida íntima e perversa nas prisões brasileiras, quem manda e quem obedece no partido do crime’,editora Objetiva, 2004. Não carecia nenhum sofisticado serviço secreto, bastava que o governo de São Paulo tivesse lido, baratinho nas bancas, para ter uma idéia mínima do ovo da serpente.

Hoje no ‘Jornal da Tarde’, Caveirinha certamente era um dos milhares de jornalistas que ontem apuravam sobre a terceira onda do PCC, aqui contando apenas os ataques mais espetaculares, pois desde maio as investidas de varejo nunca cessaram, principalmente no interior do Estado.

O resto é blábláblá eleitoreiro. Com os personagens que bem conhecemos nos seus papéis óbvios. Como Saulo de Castro, por exemplo. Secretário ‘inderrubável’ de Segurança desde que o PCC era menino, ambicionava, na disputa entre os tucanos alckmistas e os tucanos ditos iluministas (turma de FHC, Serra, Mendonção e o filósofo Gianotti) ser o candidato ao governo. O tiro saiu pela culatra. A política que adotou a truculência ao estilo da Rota malufista e cooptação de bandidos, como na Operação Castelinho (chacina de 12 bandidos que contou com a informação e infiltração de outros bandidos), pelo que se viu ontem, não deu certo.

Do outro lado, o governo federal a prometer verbas, Exército, tropas e balas. Sempre com o mesmo personagem: o ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, que se disse amedrontado durante a terceira onda. Amedrontado? Ao contrário do ministro, a população que precisava chegar ao trampo, como dizem os paulistanos, foi de qualquer jeito, até porque, de tão banal, ataques do PCC já não são mais desculpas aceitáveis pelos chefes.

Sim, antes que eu me esqueça: Caveirinha chama-se, segundo o batismo, Josmar Jozino.

Agora só mais uma coisinha: Geraldo Alckmin acaba de dizer aqui, todo orgulhoso no Jornal Nacional, que o governo de São Paulo, do seu tempo, ou seja, os últimos 12 anos, prendeu 90 mil criminosos. Parabéns. Que beleza. E boa noite.’



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