Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Notícia e interatividade social

A notícia está deixando de ser uma exclusividade dos jornalistas para ser cada vez mais um produto da interatividade social. Esta é talvez uma das grandes mudanças que a web está provocando no jornalismo. Se por um lado a rede reduziu o papel dos profissionais na geração de notícias, por outro tirou dele a responsabilidade única pelos equívocos, numa era em que a informação está a cada dia mais ligada à sobrevivência física e social das pessoas.

O novo conceito de notícia que está emergindo das experiências informativas na web está apoiado na idéia de participação do público, que até agora estava limitado a um papel mais ou menos passivo. Com isto a notícia passa a ser, cada vez mais, um processo em vez de algo estático.

Para a maioria dos jornalistas atuais, a notícia é um produto de curta duração que se esgota no momento em que é publicada. Todos se esforçam para ser os primeiros a divulgá-la, se possível com exclusividade. Isto cria um conflito permanente entre a rapidez e a precisão da informação. Quanto maior a rapidez de divulgação, maior o prestígio e também o risco de imprecisão. Este conflito ganhou ares de dilema nos sites jornalísticos de atualidade na web, quando os profissionais usam, em tempo real, procedimentos desenvolvidos para outros tipos de veículos de comunicação, como os jornais.

Pressionado por prazos cada vez mais exíguos por conta da crescente concorrência entre os veículos especializados em notícias de atualidade, o editor não tem tempo para conferir dados, checar fontes e contextualizar minimamente a informação recebida. Ele assumiu o papel de certificador da credibilidade da notícia, mas não tem condições práticas de cumprir esta função. Fica na típica situação do ‘se correr o bicho pega, se ficar o bicho come’.

Comunidade online

Este dilema praticamente deixa de existir quando adotamos o conceito de notícia em construção ou em desenvolvimento. Nele, o jornalista é apenas o iniciador do processo de construção da notícia. O público – por meio de comentários, correções e adendos – desenvolve o resto.

Este processo de construção da notícia através da participação social foi estudado no livro Digitizing the News (http://mitpress.mit.edu/catalog/ author/default.asp?aid=20761), recém-publicado nos Estados Unidos por Pablo J. Boczkowski, um sociólogo do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT). É esta interação que começa a funcionar como principal instrumento de certificação da confiabilidade de uma informação.

Este novo conceito de notícia ainda é visto como uma heresia por muitos jornalistas profissionais, que têm sérias dúvidas sobre a capacidade dos leitores comuns de participar do processo de geração de conteúdos informativos. Mas a idéia de notícia participativa já está sendo testada por centenas de milhares de weblogs (sites pessoais) espalhados pelo mundo e pela multiplicação de experiências de jornalismo compartilhado entre profissionais e amadores. O caso do jornal coreano OhmyNews é uma experiência que muitos já consideram bem-sucedida, pois conseguiu reunir cerca de 30 mil ‘repórteres amadores’ (veja remissão abaixo).

O OhmyNews, na verdade, funciona como um grande weblog coletivo. Mas existem experiência ainda mais sofisticadas, como é o caso do site Slashdot (http://slashdot.org/), especializado em notícias sobre informática e internet. Trata-se de um projeto onde os principais atores são os leitores, quase todos eles técnicos, engenheiros e nerds (maníacos por computadores). O site aplica ao pé da letra o conceito de jornalismo participativo, pois quase todo o material é produzido por colaboradores free lancers. A equipe de editores apenas monitora o compartilhamento de informações e estabelece a hierarquia.

O Slashdot está na web desde 2000 e não tem problemas financeiros para sobreviver. Na mesma linha está o site que atende pelo curioso nome de Kuro5hin (http://www.kuro5hin.org/), baseado numa comunidade online de pessoas que produzem textos que são posteriormente revisados pelo coletivo para, em seguida, ser publicados no site e criticados pelos leitores.

Processo de aprendizagem

Um exemplo ainda mais original da autoria coletiva é o enciclopédia online Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Main_Page) cujos verbetes e textos são produzidos por leitores. Mais ou menos o mesmo processo garante a sobrevivência do projeto Internet Movie Database (http://www.imdb.com/), especializado em cinema e cujo conteúdo foi produzido por 44 mil colaboradores free lancers.

A notícia participativa também já não é mais um assunto exclusivo dos grupos alternativos. O American Press Institute, que reúne a nata do jornalismo americano, acaba de publicar um polêmico estudo chamado We Media (http://www.mediacenter.org/mediacenter/research/wemedia/) dedicado integralmente ao estudo das mudanças em curso no jornalismo em decorrência da participação dos leitores no processo de coleta de notícias.

Todas estas experiências mostram que o jornalismo participativo não apenas é possível como é inevitável. Mas também é inquestionável que ele é um processo de aprendizado tanto por parte dos profissionais como do público.

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Jornalista e pesquisador de mídia eletrônica (cacastilho@brturbo.com)