Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O filho bastardo da Anatel

No início de agosto de 2001, enquanto ainda estava rolando aquela licitação esquisitona que entregava os serviços de rede internet do Fust às concessionárias de telefonia, a Anatel finalmente regulamentou os serviços de comunicação de dados, decisão que estava sendo postergada desde 1997, justamente para permitir que, devido à inexistência de prestadores destes serviços, o edital pudesse ser direcionado para beneficiar as concessionárias.

E assim, acreditando que com o início da licitação em meados de julho de 2001 o fato estaria consumado, a agência publicou a Resolução 272, criando o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), que consolidou a convergência tecnológica da prestação de serviços multimídia em banda larga pelos operadores de telecomunicações:

Considerando o contínuo desenvolvimento tecnológico das plataformas que suportam a prestação dos serviços de telecomunicações, a possibilidade da prestação de serviços multimídia em banda larga pelos operadores de telecomunicações e as várias solicitações encaminhadas à Anatel para a regulamentação de um serviço que materialize a convergência tecnológica;

No entanto, ainda no fim de agosto de 2001, quando a licitação já estava praticamente encerrada, os deputados Sérgio Miranda e Walter Pinheiro conseguiram uma liminar na Justiça suspendendo a maracutaia, que mais tarde, a pedido dos deputados, se tornou alvo de investigação pelo TCU, embolando o meio-de-campo de um jeito que acabou culminando com a anulação do edital pela própria Anatel, em julho de 2002.

Só que a anulação do edital gerou um problema sem solução pelos meios legais para a agência pois, por causa da Resolução 272, uma nova licitação para os serviços de comunicação de dados do Fust obrigatoriamente deveria ser dirigida a futuros concessionários do SCM, bastando apenas que a Anatel criasse uma nova modalidade do serviço para ser prestada em regime público, corrigindo uma falha da Resolução 272, que havia restringido a sua exploração apenas ao regime privado.

Porém, a sucessão de procedimentos estranhos da Anatel, iniciada logo após a anulação do edital, deixou a nítida impressão de que os doutores fecharam questão e não admitiam em hipótese nenhuma que as concessionárias de telefonia ficassem fora da jogada dos serviços de comunicação de dados bancados pelos recursos do fundo. Pois, em vez de seguirem as regras da Resolução 272 que foram estabelecidas por eles mesmos, os nossos inconseqüentes doutores preferiram desperdiçar os últimos dois anos inventando fórmulas mirabolantes justamente para burlá-las, atrasando desnecessariamente a implantação dos programas do Fust, só para levar adiante uma armação grotesca, que consistiu em tentar tornar irrelevante a existência do SCM, para depois fulminá-lo com a invenção de um serviço fajuto que supostamente assumiria as suas atribuições relativas à rede internet.

Raspando o cofrinho

O grande problema desta armação, que jamais poderia ter partido da própria agência reguladora, cuja missão fundamental é organizar a exploração dos serviços de telecomunicações (Art. 1º da LGT), é o caos que ela provocaria no sistema regulatório, pois além do SCD não possuir nenhum atributo que permita classificá-lo como um novo serviço de telecomunicações, a sua exploração em monopólio representaria uma afronta aos direitos dos autorizados do SCM, que já prestam exatamente os mesmos serviços que supostamente seriam atribuídos ao SCD, mais especificamente, o estabelecimento de interfaces aéreas para o estabelecimento de conexões de rede internet, caracterizando com isso uma dualidade absolutamente ilegal e desnecessária de serviços.

Para complicar um pouco mais as coisas, já surgiram boatos dizendo que o presidente Lula está dando uma prensa no presidente da Anatel para que ele acelere o processo de implantação do SCD, recorrendo ao uso de satélites da Star One, ainda a tempo de permitir que o PT fature alguns dividendos políticos em cima disso nas próximas eleições para prefeito. Independentemente de ser boato ou não, R$ 40 milhões da grana do Fust para bancar a sandice já estão lá em Brasília, prontinhos para serem torrados.

É obvio que a invenção de um monopólio para um serviço de telecomunicações fajuto desagradaria profundamente aos usuários que, no entanto, devido à falta de informação na grande imprensa sobre o que estaria rolando nada fazem para tentar impedi-la. Para os autorizados do SCM, porém, isso poderia representar uma séria encrenca para a prestação de serviços de redes internet wireless, que ameaçaria até mesmo a sobrevivência das empresas, exigindo delas alguma atitude para segurar a vaca pelo rabo, antes que ela vá pro brejo.

O SCD também pegaria pesado pra cima dos provedores de acesso, que aos poucos estão descobrindo as vantagens de se tornarem ISPs pela aquisição, em mutirão, de autorizações para SCM. No caso destas empresas, normalmente pequenas e médias, muitas das quais raspam atualmente o cofrinho ou contraem dívidas para pagamento de autorizações e compra de equipamentos, os efeitos poderiam ser catastróficos: como o monopólio do SCD nas redes wireless para conexões internet seria semelhante ao das concessionárias na telefonia fixa, os novos provedores de SCM não teriam a mínima chance de competir com os pesos-pesados que estarão por trás do ‘novo’ serviço inventado pelos doutores.

Para peitar a Anatel

Vale lembrar, que de acordo com a minuta de seu Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU), a prioridade de atendimento do SCD é para o público em geral, e não para as instituições beneficiárias dos recursos do Fust.

Uma boa solução imediata para impedir o sucesso desta sandice regulatória seria que os advogados das grandes empresas de SCM entrassem com ações na Justiça questionando o fato de a minuta de regulamentação do SCD ter sido colocada em consulta pública desacompanhada da justificativa obrigatória, prevista no Artigo 40 da Lei Geral das Telecomunicações, o que a tornou um ato jurídico imperfeito. No caso destas ações serem bem-sucedidas, a Anatel terá de realizar novas consultas e audiências públicas, nas quais poderiam ser debatidos alguns fatos meio obscuros envolvendo a invenção do SCD, como:

1) Por que o ‘novo’ serviço de telecom não tem nada a ver com o que foi recomendado pelo Acórdão do TCU?

2) Por que a Anatel está utilizando o SCD para criar um monopólio que beneficia a tecnologia 3G da Qualcomm, evitando com isso que ela concorra com os novos padrões da IEEE, como por exemplo, o Wimax?

3) Por que a Anatel considera a tecnologia de interface aérea 1xEV-DO da Qualcomm uma maravilha capaz de justificar a criação de uma nova modalidade de serviço de telecomunicações, se a utilização comercial desta tecnologia desde o início de 2003 no serviço Giro da Vésper tem demonstrado que ela não é nenhuma brastemp?

4) Por que a Anatel está querendo transformar as interfaces aéreas num serviço de telecomunicações autônomo, se a única finalidade delas é estabelecer circuitos complementares para Exploração Industrial de Linhas Dedicadas (EILD), um tipo de atividade realizada apenas entre empresas de telecom?

5) Por que a Anatel não quer que os serviços de comunicação de dados do Fust sejam prestados por futuras concessionárias do SCM, conforme foi recomendado pelo Acórdão do TCU?

6) Quem é o culpado pelo atraso de quase dois anos na implantação do Fust-Educação?

7) Por que a ata da reunião 278 ficou fora do site da Anatel durante todo o período da Consulta 480?

8) Por que o doutor Ara Apkar Minassian, superintendente dos Serviços de Comunicação de Massa, que abrange o SCM, não participou de nenhuma das audiências do SCD, apesar das características típicas do ‘novo’ serviço, ou seja internet e multimídia serem inerentes à área sob sua supervisão?

9) Por que o doutor Edmundo Matarazzo é sempre escolhido para atuar como pára-raios oficial da agência em todos os encontros públicos em que são discutidos assuntos polêmicos sobre internet, como as consultas públicas 417 e 480, se os serviços prestados em regime privado, como a comunicação de dados, não estão sujeitos (ainda) a obrigações de universalização?

Porém, a esta altura do campeonato, o mais recomendável seria que os autorizados do SCM arrumassem um jeito de formar logo algum tipo de associação para poderem peitar a Anatel em grande estilo. Para isso, seria importante que esta nova entidade promovesse encontros regionais visando estabelecer uma estratégia comum na defesa dos seus interesses, convidando advogados especialistas e profissionais da área de telecom para debaterem as minutas do SCD e outros assuntos relacionados ao suposto serviço.

A torcida agradece

Também seria interessante a participação de representantes do Ministério Público nestes encontros, pois como as armações preparadas pela Anatel para emplacar o SCD sugerem a existência da prática de improbidade administrativa e, até mesmo, de crime de falsidade ideológica, os procuradores poderiam sair de lá com as ações judiciais praticamente prontas para serem servidas.

O poder de fogo do SCM seria bastante ampliado caso as entidades representativas dos provedores de acesso também resolvessem comprar este barulho, até mesmo por uma questão de coerência, pois mais cedo ou mais tarde o próprio mercado estabelecerá a diferença entre o fornecimento de acesso e o fornecimento de conteúdo, fazendo com que muitos dos atuais provedores de acesso se tornem empresas de telecom, a exemplo do que já ocorre com os serviços wireless de rede internet.

Para finalizar, pode ser que as coisas estejam clareando para o lado do SCM, como ficou demonstrado pela palestra do conselheiro José Leite no 12º Seminário Telecom (www.anatel.gov.br/Tools/frame.asp?link=/biblioteca/releases/2004/release_01_06_2004.pdf), realizado no início de junho em São Paulo, que encheu a bola do serviço, reafirmando inclusive as suas características de convergência tecnológica.

A boa notícia é que a palestra do conselheiro José Leite no 12º Seminário Telecom (www.anatel.gov.br/Tools/frame.asp?link=/biblioteca/releases/2004/release_01_06_2004.pdf), realizado no início de junho em São Paulo, que encheu a bola do serviço, reafirmando inclusive as suas características de convergência tecnológica., demonstra que as coisas estão clareando para o lado do SCM e vão clarear muito mais com a renúncia do conselheiro Antônio Valente, pai biológico do SCD, ocorrida no dia 4 de junho.

Agora ficou dois a zero para o doutor Leite, que já havia marcado um gol de placa ao votar contra a invenção do SCD na reunião 278.

A torcida do Fust-Educação agradece.

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