Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O novo inferno do telejornalismo

Qual é a semelhança entre Galvão Bueno, Fernando Vanucci, Jorge Kajuru e José Luiz Datena? Além de profissionais escolados no mundo dos esportes, polêmicos, que fertilizam o amor e o ódio na opinião pública televisiva e virtual, suas estripulias, gafes e saias justas, que deveriam ficar guardadas a sete chaves, estão eternizadas, com riqueza de detalhes, na internet, disponíveis para quantas vezes o público quiser xeretar através de um simples clicar de mouse. Desde que foi criado há menos de um ano, o site YouTube, verdadeira meca de compartilhamento de imagens, caseiras ou não, já reúne mais de 100 milhões de vídeos inteiros ou fragmentados de toda espécie. Uma idéia encontrada por amigos para troca de imagens em vídeo pela internet se transformou num monstro midiático, em que, atualmente, cerca de 20 milhões de pessoas por mês se deliciam com algumas pérolas da inconveniência.


Entretanto, o YouTube não é apenas um paraíso da anarquia, onde haja somente vídeos que exponham os apresentadores em situação vexatória. Há todo um material de arquivo da história recente da TV mundial, com entrevistas raras, momentos antológicos em novelas, shows, filmes, documentários, programas extintos e até vinhetas de abertura de programas. Além disso, pode ser encontrada qualquer coisa (qualquer coisa mesmo!) em termos de vídeos caseiros, principalmente. Desde um maluco do Arkansas que resolve ser ‘eletrocutado’ numa cadeira elétrica de mentirinha, até uma menina de Curitiba que, sob o efeito de embriaguez, discursa abertamente sobre sua necessidade fisiológico-sexual, para usar termos polidos. Mas fazem grande sucesso os vídeos de brigas, discussões e vexames, seja de celebridades jornalísticas esportivas ou de gente menos conhecida.


Um dos campeões de audiência atualmente é o vídeo do programa Bola na Rede, em que o apresentador Fernando Vanucci parece dopado (soube-se depois que estava sob efeito de tranqüilizante). Pode estar disponível o registro do fatídico dia em que o locutor aparece na bancada do Esporte Espetacular comendo um biscoito ao vivo. Motivo, aliás, de sua demissão da Rede Globo.


Estão no site as imagens em que Jorge Kajuru precisa conter a fúria de um lutador de boxe (ao vivo, claro), que quase foi às vias de fato por ter se sentido ofendido com um comentário do apresentador. Detalhe que só o YouTube mostrou: no momento em que a discussão estava caindo para a baixaria, com xingamentos pesados de ambos os lados, a transmissão do programa foi interrompida imediatamente, certo? Porém no site é possível ver o que aconteceu depois. Além do pessoal da técnica, foram em socorro de Kajuru o apresentador Silvio Luiz, segurando o pugilista esquentadinho o quanto pôde, e até o diretor de jornalismo da Rede Bandeirantes, Fernando Mitre que assistia a tudo de perto, muito apreensivo.


Alegria sádica


José Luiz Datena serve de mediador numa discussão hilária entre o presidente do Vasco, Eurico Miranda, e o então repórter Márcio Guedes. Na época, Datena apresentava um programa esportivo na Rede Record e os dois antagonistas estavam lado a lado num link de imagens direto para o Rio de Janeiro (a atração era gravada em São Paulo). O trecho está pela metade, mas pela virulência com que Eurico se manifestava, parecia que ele tinha conseguido na justiça o direito de resposta a uma suposta acusação de Guedes, pois empunhava um calhamaço de documentos como se fosse literalmente a salvaguarda de sua honra. Mas, ao se defender, Eurico exagera e os dois partem para o bate-boca, interrompido de imediato.


Já Galvão Bueno é quase que milimetricamente observado em todos os seus comportamentos erráticos. Numa entrevista de improviso, chama o tenor Placido Domingo de Plácido Iglesias três vezes. Num registro de bastidores do Sportv, atrapalha de brincadeira uma locução em off de Pedro Bial, que de bate-pronto o chama ‘carinhosamente’ de palhaço. E não pára por aí. Tem briga com torcedores, gagueira ao falar sobre a derrota da seleção brasileira na Copa 2006, teorias amalucadas e frases desconexas sobre a bola de futebol, jogadores, arbitragem. Prato cheio para fãs e detratores.


Mas o telejornalismo brasileiro não tem a exclusividade das vísceras expostas. No país de Fernando Pessoa, certas transmissões ao vivo também ganharam o anedotário da audiência portuguesa e, para alegria sádica dos telespectadores, estão imortalizadas no YouTube. Num programa de debates apresentado por esbelta profissional, um telespectador, ao telefone, perguntava se poderia se masturbar pensando nela. Com a calma que somente o desespero pode trazer, a apresentadora pede polidamente que retirem o libidinoso espectador do ar.


Uma sugestão


Os especialistas explicam o sucesso do YouTube como a vitória do que se convencionou chamar de conteúdo interativo. Com a internet, o público redirecionou seu status nos meios de comunicação, passando de mero espectador para fornecedor de matéria-prima que pauta essa mídia (e não o contrário, como antes). A aldeia global não é mais apenas receptora de imagens e informação, é a ciberaudiência que comanda o conteúdo do site: os donos apenas fiscalizam. A pornografia, por exemplo, é banida do site, ainda que alguns vídeos tragam mensagens automáticas avisando que as cenas podem conter material ofensivo, além de pedir que o internauta confirme ter mais de 18 anos.


Mas o que atrai realmente é a curiosidade humana em ver desconstruídos alguns mitos de perfeição. A diversão é perceber quão humanos são aqueles bichos da TV de terno e gravata e voz articulada, ver suas falhas e as adversidades da profissão, não com requintes de sadismo, mas entendendo que a televisão proporciona essa maravilha contraditória: ao expor uma suposta perfeição, permite também que o imprevisto a derrube a qualquer momento.


Fica aqui uma sugestão carinhosa ao pessoal do Plantão de Notícias (alô, Maurício Menezes!), a trupe pioneira em explorar gafes da imprensa brasileira: passem a usar as imagens do YouTube em suas apresentações ao redor do país. Aproveitem que é, por enquanto, de graça.


Mais imagens interessantes do telejornalismo que você só encontra no YouTube:


** Lillian Wite Fibe tendo um ataque de risos no site de notícias Terra;


** Wiliam Bonner dizendo ‘boa noite’ no meio do Jornal Nacional;


** Márcio Gomes tentando falar com a repórter Veruska Donato no Globo Notícia e os dois começando a falar ao mesmo tempo. Ele se desculpando pelos problemas técnicos e ela fornecendo a informação que deveria ter dado antes;


** Tino Marcos caindo em cima de um grupo de pessoas na Copa da Alemanha;


** A repórter Délis Ortiz informa no Globo Notícia, ao vivo, sobre uma votação e o presidente da Câmara, ao fundo, cita os políticos presentes. Ao ouvir o nome de Josias Gomes (PT-BA), Délis interrompe a fala, vira-se e pergunta a alguém: ‘Josias Gomes? Esse cara taí?’ Ela esqueceu que estava ao vivo.


Bizarro.